Proposta de paz elaborada pela Casa Branca, que incorpora as principais reivindicações de Israel, acumula rejeições na comunidade internacional
Juan Carlos Sanz | El País
Meia centena de personalidades europeias, incluindo ex-ministros de Relações Exteriores, ex-primeiros-ministros e ex-dirigentes da Comissão Europeia, da ONU e da OTAN, assinaram uma carta aberta, publicada nesta quinta-feira pelo EL PAÍS, solicitando à União Europeia que rejeite o plano de paz de Donald Trump para o Oriente Médio, por considerar que submeteria os palestinos a um apartheid como o sul-africano.
Manifestante palestino na fronteira de Gaza com Israel, no último domingo | SAID KHATIB (AFP) |
O plano, argumentam, permite a anexação por Israel de territórios ocupados e inviabiliza um Estado palestino. Entre os signatários aparecem os espanhóis Javier Solana e Trinidad Jiménez, os franceses Jacques Delors e Hubert Védrine, os britânicos Jack Straw e Chris Patten, o italiano Massimo d’Alema e a irlandesa Mary Robinson.
As Nações Unidas, a União Europeia, a Liga Árabe e fóruns como a Organização de Cooperação Islâmica já se pronunciaram contra o plano de paz do presidente Trump por considerar que ele rompe um consenso internacional de décadas sobre a solução dos dois Estados para o conflito entre árabes e palestinos.
Como destaca a carta dos 50 ex-funcionários europeus, a solução prevista “tem características similares ao apartheid”, pela segregação que acarreta entre dois povos. Os veteranos baluartes da diplomacia europeia que assinam a carta se escudam no direito internacional para fazer frente aos desígnios dos assessores que elaboraram o plano de paz da Casa Branca.
A iniciativa favorece a perpetuação da ocupação israelense na Cisjordânia, enquanto se limita a prometer uma vida melhor para os palestinos, sem lhes garantir um Estado próprio. Figuras que dirigiram a política externa da União Europeia nas últimas décadas, como Solana, não só expressam sua preocupação com um projeto que pode exacerbar o conflito central do Oriente Médio como também reivindicam à atual liderança política europeia que dê passos efetivos para impedir o plano de Trump e rebater a ameaça de anexação dos territórios palestinos.
Como hábeis advogados imobiliários acostumados ao disputar terrenos no mercado de Manhattan, os arquitetos do plano da Casa Branca se apressaram em medir e delimitar os imóveis em litígio. Desde segunda-feira passada, uma equipe de projetistas mapeia a Cisjordânia para determinar quais parcelas de território palestino ocupado — 30% da superfície — poderão ser absorvidas pelo Estado judaico.
A iniciativa de Trump, intitulada Paz para a Prosperidade, incorpora as principais aspirações do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que, após uma década no poder, espera deixar como legado novos parâmetros de negociação favoráveis aos interesses de Israel.
O plano não prevê outras concessões além da eventual entrega de porções de território desértico em troca de se apoderar dos assentamentos da Cisjordânia (mais de 400.000 colonos) e do estratégico vale do Jordão, fronteira natural com os países árabes sunitas moderados.
Dos palestinos se exige que renunciem a ter como capital a parte oriental de Jerusalém — seu maior emblema identitário, encarnado na Esplanada das Mesquitas de Al Aqsa — e ao sonho de um Estado viável na margem leste do rio Jordão, além do retorno da diáspora de cinco milhões de refugiados herdada do nascimento de Israel, em 1948.
Em contrapartida à mutilação de suas esperanças, o “acordo do século”, como costuma defini-lo o próprio presidente norte-americano, promete um dilúvio de 50 bilhões de dólares (222,5 bilhões de reais) em investimentos internacionais. “Trump se limitou a copiar e colar os planos israelenses”, definiu o veterano negociador palestino Saeb Erekat.
Israel pretende tolerar uma entidade desmilitarizada e submetida à sua tutela. Só nas zonas não anexadas da Cisjordânia poderia surgir um pseudo-Estado da Palestina para 2,5 milhões de habitantes, sem controle efetivo sobre suas fronteiras, e onde “o trânsito de pessoas e bens seja fiscalizado por Israel”.
A liberdade de movimentos dos palestinos fica a cargo da criação de uma rede de “vias separadas para cada população e de soluções imaginativas de infraestrutura, como túneis e viadutos”.
A assimetria do plano de paz tem sua máxima expressão em Jerusalém. Trump agora a declara “indivisível”, barrando a reivindicação Palestina de estabelecer sua capital na parte oriental da Cidade Sagrada.