Mais uma vez, os europeus saem perdendo com a política imprevisível do presidente dos EUA. Diante da ameaça de guerra, só resta agora é apelar ao instinto de sobrevivência dos iranianos, opina Barbara Wesel.
Barbara Wesel | Deutsch Welle
Foi um início de ano dramático, que ameaça se transformar numa descontrolada montanha-russa política. Pegos de surpresa, em meio à paz dos feriados de Ano Novo, pelo anúncio do inesperado assassinato do segundo homem mais poderoso do Irã, os europeus têm agora que aguentar as consequências.
Protesto em Londres contra escalada do conflito entre EUA e Irã |
Não informados e impotentes, como de costume, os cidadãos do bloco europeu são novamente confrontados com o resultado das unilaterais decisões de improviso do presidente americano. Eles caíram na armadilha de Trump, e não conseguem se libertar por suas próprias forças.
Há muito se foi qualquer ilusão de que poderia haver uma cooperação razoavelmente racional em política externa com o governo em Washington. Declarações cínicas do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, acusando os europeus de não prestarem apoio no Oriente Médio, enfatizam ainda mais a impotência deles.
Alguém pode se perguntar em que Pompeo estará pensando após a morte do general iraniano Qassim Soleimani: tropas para uma guerra liderada pelos EUA no Oriente Médio? É o toque de insanidade nas declarações do secretário de Estado e do presidente Trump que tornam a perigosa situação ainda mais perturbadora.
Só que, na verdade, o presidente dos EUA prometera pôr um fim às intermináveis guerras no Oriente Médio e trazer os soldados americanos de volta à casa. Mesmo observadores experientes da política americana para a região não conseguem explicar como isso se encaixa no ataque contra Soleimani. Teme-se que não exista simplesmente nenhuma estratégia com perspectivas por trás do acionismo e do ataque com drones no aeroporto de Bagdá.
Aqui não se trata nem de "América em primeiro lugar" – o objetivo declarado de Trump quando se trata de relações econômicas. Em termos de relações exteriores, os europeus se veem presos numa política americana moldada pelos arroubos emocionais de um presidente imprevisível e de seus apoiadores neoconservadores bêbados de poder, que retomaram o leme do poder em Washington. No fundo, sua única explicação para matar Soleimani no momento é: Because we can – Porque a gente pode.
Admita-se: os europeus parecem fracos e impotentes ao apelar pela redução das tensões, em suas declarações conjuntas, depois que o suposto parceiro EUA acaba de fazer tudo para agravar a situação. Mas talvez haja uma brecha para tentativas diplomáticas de evitar coisas piores.
É certo que Teerã está planejando um contra-ataque; os detalhes dessa operação deverão decidir se haverá uma nova escalada da situação conflituosa ou não. A decisão sobre tal retaliação ainda pode estar em aberto. Josep Borell, chefe da diplomacia da União Europeia, foi o primeiro a buscar contato com o ministro das Relações Exteriores do Irã, e pretende tentar apaziguá-lo numa reunião de crise do bloco europeu.
Enquanto isso, Teerã declarou o fim de suas obrigações de não enriquecimento de urânio nos termos do acordo nuclear, que Reino Unido, França e Alemanha lutaram para manter vivo em 2019. Mas mesmo essa porta também não está definitivamente fechada, enquanto ainda for permitida a entrada dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) no país. Ainda existem alguns sinais de que o governo iraniano poderia conversar com os europeus.
É claro que também na Europa ninguém está chorando por Qassim Soleimani. Ele foi responsável por centenas de milhares de mortes, principalmente na Síria e no Iêmen, tendo sido o patrono justamente daquelas milícias e guerras por procuração destinadas a cimentar o domínio do Irã na região. A repressão sangrenta de qualquer resistência fazia parte do programa. Ainda assim, sua morte inesperada provocou uma onda de choque.
Os europeus precisam agora usar os contatos que ainda mantêm com o governo iraniano e apelar ao instinto de sobrevivência do regime. Teerã sabe que sairia perdendo num confronto militar direto com os EUA. E a situação econômica no país já é tensa, como mostrou a recente onda de protestos.
Ainda há espaço para uma solução política? Aqui, os negociadores europeus não têm praticamente nenhuma chance, mas devem usá-la. A ameaça de uma guerra aberta pode ser um incentivo aos esforços diplomáticos. Por outro lado, o novo ano mostrará rapidamente o grau de tendência ao suicídio de todos os implicados. Este olhar para as profundezas do abismo político bem poderia ter esperado mais uns meses.