Incêndio do consulado iraniano no sul do Iraque mostra quão indignada está grande parte dos manifestantes com as ingerências de Teerã no Iraque. Governo do Irã se encontra sob pressão – e diante de poucas opções.
Kersten Knipp | Deutsch Welle
Trinta manifestantes mortos, além de 150 feridos: esse é o balanço provisório das batalhas de rua desta quinta-feira (28/11) na cidade de Najaf, no Iraque, desencadeadas depois de ativistas atearem fogo ao consulado iraniano local.
Protestos violentos em Nasiriya, sul do Iraque |
As autoridades do país classificaram a situação como tão ameaçadora, que o chefe de governo e supremo-comandante iraquiano, Abdel Mahdi, convocou diversos comandantes militares para uma reunião de crise. Trata-se de "restabelecer a segurança e ordem" nas províncias do sul do país, declarou num comunicado da liderança militar.
O consulado incendiado é um sinal mais do que óbvio de que o protesto contra a influência interna do poderoso vizinho desempenha um papel cada vez maior para os manifestantes. De início eles exigiam, acima de tudo, a renúncia do atual governo, responsabilizando-o, assim como os grandes partidos, por corrupção, clientelismo e má gestão estatal. Mas agora o povo se volta principalmente contra a vontade de dominação no Iraque demonstrada por Teerã, que consideram intolerável.
Os manifestantes acusam o governo do Irã de ingerência demasiada nos assuntos iraquianos e de influência exagerada sobre Bagdá, através de algumas das grandes entidades xiitas no país, patrocinadas por Teerã. A Organização Badr e a milícia Ahl-al-Haq são repetidamente citadas.
A Ahl-al-Haq lutou contra Israel na guerra do Líbano em 2006, ao lado da milícia Hisbolá, criada pelo Irã em meados da década de 1980. A partir de 2013, ela colocou-se ao lado das Forças Armadas iraquianas contra o grupo jihadista "Estado Islâmico" (EI). Com 14 assentos no Parlamento, a Ahl-al-Haq pertence à aliança Fatah, que mantém laços próximos com o Irã.
Segundo um estudo do Centro para Segurança Internacional e Cooperação da Universidade Stanford, os membros da milícia foram treinados e capacitados no Irã. Além disso, ela é considerada o respaldo militar de Nuri al-Maliki, primeiro-ministro do Iraque entre 2006 e 2014.
Consta que também a Organização Badr é "fortemente dependente de Teerã e tornou-se o mais importante instrumento da política iraniana no país vizinho", como aponta um estudo do Instituto Alemão de Relações Internacionais e Segurança (SWP): "A meta dessa política é exercer o máximo possível de influência sobre o governo central em Bagdá e, ao mesmo tempo, criar milícias xiitas o mais fortes possível, dependentes do Irã."
Tudo começou em 2003
A influência de Teerã no Iraque começou nos turbulentos anos após a intervenção americana, em 2003. Quando, consequentemente, o ditador Saddam Hussein caiu, e irrompeu uma guerra civil entre sunitas e xiitas. O Irã se envolveu nos combates. Um de seus mais fortes aliados eram as milícias do popular e influente pregador xiita Muqtada al-Sadr. Tanto do ponto de vista político quanto militar, ele era considerado o longo braço do Irã, país onde viveu exilado durante um período.
No entanto, o mais tardar na eleição para o Conselho de Representantes iraquiano, em 2018, Sadr distanciou-se de Teerã, adotando um curso sobretudo voltado para a autonomia nacional do Iraque. Assim começou o estranhamento entre o Irã e amplas facções dos xiitas iraquianos.
A ligação entre as milícias xiitas e os iranianos, porém, ainda é estreita, e é contra isso que se voltam os protestos. O cientista político Senad al-Fadhel, da Universidade de Najaf, observa uma rejeição crescente ao Irã e, paralelamente, um nítido fortalecimento dos impulsos patrióticos em seu país.
"A irritação se deve às intervenções iranianas no Iraque. Estas vão da retirada de água dos rios e o desvio da eletricidade aos discursos do líder revolucionário aiatolá Ali Khamenei, passando pela inundação do mercado iraquiano com produtos iranianos", enumerou no portal Al Monitor.
No início de janeiro, Khamenei se pronunciou sobre os protestos no Iraque e no Líbano, responsabilizando os Estados Unidos, que estariam semeando "insegurança e tumulto" e tentando fazer o mesmo no Irã, em conluio com a Arábia Saudita.
O aiatolá segue apostando numa forte influência xiita na região, também com base nos grandes sítios sagrados xiitas, como o santuário do imã Hussain, em Kerbala e o do imã Ali, em Najaf, locais de peregrinação para vários milhões de iranianos a cada ano. Para o regime dos mulás em Teerã, só isso já basta como garantia da soberania nacional.
Contudo, quem se opõe a tal pretensão é justamente o supremo líder religioso do Iraque, aiatolá Ali al-Sistani, dizendo-se contra todo tipo de ingerência em questões de seu país. "Nenhuma pessoa ou grupos, ninguém com interesses especiais, nenhum protagonista regional ou internacional pode submeter a vontade do povo iraquiano e impor-lhe o seu próprio", declarou.
Da mesma forma, ninguém deve mobilizar "grupos de luta, de que tipo for," contra os manifestantes iraquianos. Na opinião dos ativistas, esse foi um claro rechaço a todas as tentativas iranianas de fazer valer sua influência no Iraque. Assim, o Irã tem que aceitar que amplas parcelas da população se oponham a sua influência, tanto no Líbano como no Iraque.
Isso coloca o governo iraniano diante de um dilema: ele realmente tenta reprimir, também com violência, o movimento de protesto, através dos grupos paramilitares que lhe são subordinados, ou seja, o Hisbolá no Líbano, e associações xiitas no Iraque. Contudo deve estar claro para o Teerã que não se pode exagerar com a violência, pois só prejudicaria ainda mais sua reputação, já negativa, devido a uma política externa agressiva. O mesmo se aplica em relação a seus próprios cidadãos.
O fato de o governo iraniano ter bloqueado temporariamente o acesso à internet para sua população, que também protesta, demonstra o grau das pressões internas que ele enfrenta. As declarações oficiais de que por trás dos tumultos estariam os EUA e a Arábia Saudita não "colam" mais tanto como alguns anos atrás, nem no Irã, nem no Líbano ou Iraque.
O especialista em assuntos iranianos Michael Axworthy é cético quanto à capacidade de Teerã, enquanto autoproclamado guardião da tradição xiita, de resistir à oposição crescente, em face dos desafios globais, já que, "através dos fenômenos da comunicação e da globalização cultural, a liberdade poderia destruir tradições e peculiaridades culturais que os indivíduos prezam e sobre as quais fundam a própria identidade".
Trata-se de "um fenômeno que, de início, parece dizer respeito muito especialmente ao Irã; mas, olhando de perto, se revela humano demais, conhecido demais". Ou seja: o tempo não está necessariamente a favor do governo iraniano, nem em casa, nem no exterior.
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