As autoridades da Síria nunca aceitarão qualquer tentativa de fragmentar o país, declarou o presidente sírio Bashar Assad em uma longa entrevista concedida ao canal Rossiya 24 e à agência Sputnik.
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"Nem o Governo, nem o povo aceitarão qualquer proposta separatista nem hoje, nem amanhã", afirmou Assad.
Bashar Assad © Sputnik / Aleksei Druzhinin |
O mandatário acrescentou que os grupos que recebem apoio dos Estados Unidos dizem que a situação mudou após a guerra.
"É claro que a situação mudou, é natural. Qualquer guerra transforma muitas coisas na sociedade. Mas a guerra não é uma desculpa para desintegrar o país, nem justifica o separatismo, a destruição da Constituição ou o enfraquecimento do Estado. A guerra deve fazer com que o país seja mais forte e não o oposto. Em nenhuma circunstância aceitaremos a desintegração", declarou o presidente.
Ações da Turquia
Assad acrescentou que a iniciativa turca de repatriar refugiados sírios para o nordeste do país esconde, na verdade, um plano para transferir terroristas para essa zona, além de provocar um conflito étnico.
"Ninguém acredita que Turquia queira repatriar três milhões de refugiados sírios para essa zona. [...] Mesmo que quisesse realmente fazê-lo, é um absurdo, e este cenário levará a um conflito entre os locais, que vivem nessas cidades e vilas, e os que chegam de fora, porque os moradores dessas zonas não cederão seus direitos sobre esses territórios. Isso significa provocar um conflito étnico", disse o presidente sírio.
Para Assad, o verdadeiro objetivo de Ancara é "transferir essas terras para os terroristas que operaram em território sírio e foram derrotados, junto com suas famílias, para que formem uma nova sociedade radicalizada com a mesma filosofia do regime turco de Erdogan".
"De qualquer forma, ambas as opções são muito perigosas e buscam desestabilizar a Síria, por isso as rechaçamos categoricamente", ressaltou.
Diálogo com os curdos
Assad declarou que o Governo da Síria mantém diálogo com todos os grupos curdos, incluindo com os apoiados pelos EUA.
Segundo o mandatário, "os norte-americanos apoiaram as unidades curdas e nomearam comandantes curdos para dar impressão que essas zonas são curdas e para criar a discórdia entre os curdos e outros grupos da Síria".
No entanto, "nosso diálogo não será interrompido, assim como não se interrompeu ao longo da guerra, embora saibamos que algumas destas unidades colaboram e são controladas pelos americanos. São armadas e financiadas pelos norte-americanos, que também escrevem seus comunicados. Mas isso não significa que não sejam patriotas", enfatizou.
O presidente sírio se mostrou convencido de que "a maioria dos curdos são patriotas que apoiam seu país e o povo sírio, tal como outros".
"Estes grupos, sejam curdos, árabes ou outros, seguem ordens norte-americanas e, ainda assim, o diálogo com eles é constante", disse.
Após o regresso do Exército sírio ao nordeste do país, o Governo de Damasco está "tentando convencê-los de que a estabilidade chegará, uma vez que todos acatem a Constituição síria, pois a Constituição expressa a vontade popular", pontuou.
"Quando o Exército sírio recuperar o controle, junto com o Exército se recuperarão as instituições do Estado", concluiu.
O líder sírio destacou o progresso que houve no diálogo com os grupos curdos após a "invasão turca".
"A Rússia tem um papel fundamental nesta questão, se baseando nos mesmos princípios que acabei de mencionar", manifestou.
Assad acrescentou que aqueles que buscam a federalização do Norte do país são árabes, já que nestes territórios não há maioria curda.
Segundo o mandatário, "a maioria dos curdos leva décadas vivendo sem problemas na Síria", e as ideias de secessão são promovidas somente por certos grupos radicais.
"Algumas das ideias vão no sentido da federalização e de um Governo autônomo curdo. Como já mencionei, [o Nordeste sírio] é uma região árabe. E são os árabes que podem falar sobre federalização, porque são maioria ali. Isto é óbvio", salientou o mandatário.
Portanto, a situação síria se distingue da situação vivida no Norte do Iraque e Sudeste da Turquia.
"Não existe uma maioria curda nessa região e, quanto aos aspectos culturais e outros, dou sempre o exemplo dos armênios, porque são o último grupo étnico-confessional que chegou à Síria há mais de 100 anos. Possuem suas escolas, igrejas e todos os direitos culturais, então por que damos direitos culturais a uma comunidade e não a outra? Por uma razão muito simples, porque esse grupo [radical] promove o separatismo", afirmou.
O presidente também denunciou as tentativas dos EUA de criarem obstáculos ao diálogo entre o Governo sírio e grupos curdos.
Segundo o líder sírio, após o início da operação turca no nordeste do país árabe "houve progresso" no diálogo entre Damasco e os curdos.
No entanto, o Governo sírio agora tem "mais otimismo neste caso porque, após nove anos de guerra, creio que a maioria da população se conscientizou da importância da unidade com as autoridades, ainda que existam discrepâncias políticas", manifestou Assad.
"O dever de qualquer Estado do mundo é consolidar o conjunto da sociedade e estamos avançando nessa direção", ressaltou.
Retirada das forças curdas
Além do mais, Assad considerou que a retirada das Unidades de Proteção Popular (YPG), do Norte da Síria no âmbito do memorando russo-turco ainda não foi completamente implementada.
O presidente destacou que estes grupos são curdo-árabes, mas seus líderes são curdos, e devem retirar seus efetivos, já que "deram motivos para que os turcos começassem a colocar em prática o plano sonhado desde o começo da guerra".
"Quanto à realização [da retirada], que as YPG tinham anunciado que fariam, já o estão fazendo em algumas zonas, mas não está completa. Isso é o que se espera. Esses processos não acontecem de repente nem se realizam rápido", afirmou.
Assad agrega que o Governo sírio está cooperando com a Rússia para implementar plenamente este memorando.
"Uma vez que seja implementado, diremos aos turcos para retirarem suas força", expressou.
O mandatário confirmou igualmente que as autoridades sírias estão dispostas a admitir combatentes curdos nas fileiras do Exército regular sírio e os convidam a lutar em conjunto contra as ações da Turquia no norte do país.
"Também, de acordo com a cooperação russo-síria, estamos trabalhando agora para convencer as unidades curdas a se unirem ao Exército sírio e a lutarem contra os invasores turcos. É uma postura correta e acertada para recuperar os territórios no norte da Síria, cujo controle se perdeu devido às ações desses elementos", acrescentou.
O presidente sírio reiterou que essas iniciativas vão continuar.
Em 30 de outubro, o Ministério de Defesa sírio chamou as Forças Democráticas Sírias (FDS), da qual as YPG fazem parte, a se unirem ao Exército governamental "para repelir a agressão turca que ameaça os territórios sírios".
Presença militar dos EUA
Bashar Assad considera que a permanência das tropas norte-americanas na Síria poderá dar origem a um movimento de resistência como no Iraque.
O mandatário recordou ter advertido, após a invasão militar norte-americana no Iraque em 2003, que este ato levaria à resistência militar.
"Também na Síria, a presença dos EUA pode dar origem à resistência militar, que provocaria baixas entre os norte-americanos e os obrigaria a se retirarem mais tarde", manifestou Assad.
De acordo com sua opinião, "os EUA não deveriam ter ilusões quanto uma vida confortável nas regiões invadidas por eles".
Além do mais, Assad disse que a Síria denunciará os EUA na ONU, por roubo de petróleo, mas reconhece que essa denúncia será ignorada.
"Todas as queixas enviadas à ONU são ignoradas, porque é um semi-Estado dirigido por grupos que se guiam pela lei do mais forte", declarou o presidente sírio.
"Vivemos agora em um mundo semelhante a uma selva, mais parecido com o que havia na Segunda Guerra Mundial do que com o pós-guerra. Sim, vamos apresentar queixas, mas serão ignoradas", reafirmou.
Enfrentamento entre EUA e Rússia na Síria
Ainda assim, Assad declarou que ninguém será beneficiado com um enfrentamento entre os EUA e Rússia na Síria, disse o mandatário do país árabe.
Os Estados Unidos iniciaram sua intervenção no conflito sírio em setembro de 2014, à frente de uma coalizão internacional que bombardeou posições de grupos terroristas sem a autorização de Damasco.
Em 19 de dezembro do ano passado, o presidente Donald Trump afirmou que, após a derrota do Daesh [grupo terrorista proibido na Rússia e em vários países], não havia motivos para manter uma presença militar norte-americana no país.
Mais tarde, a Casa Branca anunciou a retirada das forças norte-americanas da Síria, porém, esclareceu que isso não representaria o fim da coalizão liderada por Washington. Mark Esper, chefe do Pentágono, disse no fim do outubro passado que seu objetivo principal é evitar que o grupo terrorista recupere o acesso aos campos de petróleo, uma importante fonte de renda para o grupo.
A Rússia começou a bombardear as posições de grupos terroristas na Síria no fim de setembro de 2015, a pedido de Bashar Assad, mas efetuou posteriormente a retirada parcial de seu contingente militar.
Investimentos estrangeiros
O líder sírio declarou que, ainda que as sanções norte-americanas se mantenham, o país tem recebido investimento estrangeiro recentemente.
Assad destaca também a recuperação da indústria do país em vários setores.
"Em alguns setores da indústria, por exemplo, no farmacêutico, o número de plantas aumentou significativamente em relação ao início da guerra", acrescentou.