Vice-presidente, que alega haver uma campanha internacional contra o Brasil, defende uma visão pragmática em relação aos países vizinhos e com os EUA
DefesaNet
BRASÍLIA - Em entrevista ao GLOBO, o vice-presidente Hamilton Mourão defende uma posição pragmática e flexível do Brasil na relação com todos os países, independentemente do sistema político. Ele alega que o governo brasileiro é alvo de uma campanha internacional, supostamente fomentada por grupos que perderam a eleição, no ano passado, para o presidente Jair Bolsonaro.
Para Mourão, doutrinação que começou com Chávez e pressão sobre famílias impedem militares venezuelanos de se rebelarem contra Maduro Foto: MARCOS CORREA/Presidência/ |
Para o general, que foi adido militar na Venezuela quando o país tinha como presidente Hugo Chávez e, recentemente, escreveu o prefácio do livro "Como destruir um país", de Marcelo Suano, existe uma receita que garante a manutenção do líder chavista Nicolás Maduro no poder: oposição desunida, militares doutrinados, empresários corruptos, medo e repressão.
Na sua opinião, o que mantém Nicolás Maduro no poder?
Ao longo de todo esse período do chavismo, a oposição adotou estratégias totalmente erradas. Deixou de participar de eleições e, só nos últimos tempos, passou a ter voz junto à comunidade internacional. A oposição venezuelana está desunida. E aí entra o núcleo desse governo venezuelano, que são as Forças Armadas. As dissidências que têm ocorrido no âmbito são muito pequenas para que haja, efetivamente, um racha lá dentro. Há um processo de doutrinação das Forças Armadas, que começou nas décadas de 1960 a 1970.
Chávez foi instrutor de um grande número de cadetes na academia militar, e posteriormente elevou essas pessoas a cargos importantes e as manteve. Por outro lado, temos a questão dos cubanos, que controlam o sistema de inteligência e as milícias. Com isso, exercem uma pressão pelo medo em cima das famílias daqueles militares que poderiam se opor ao governo. E a classe empresarial venezuelana saiu do país. Os poucos que ficaram resolveram aproveitar a corrupção do regime para enriquecer. Esse somatório mantém Maduro no poder, a começar pelo medo e a repressão. É só você ver o relatório da Michelle Bachelet (comissária de direitos humanos da ONU), que mostra que, nos últimos dois anos, em torno de 6.500 pessoas foram mortas pelo regime, fora a quantidade de presos torturados. Existe uma repressão forte ocorrendo lá.
Há uma clara e pública torcida do presidente Jair Bolsonaro pela vitória de Maurício Macri na eleição da Argentina, em outubro deste ano. E se a chapa que tem Cristina Kirchner como candidata a vice vencer, como ficam as relações entre os governos brasileiro e argentino?
A relação tem de ser de Estado para Estado, independentemente do governo de turno. Há objetivos comuns dos dois países, que são ligados à área comercial, como o acordo com a União Europeia e outro que pode ser assinado com os Estados Unidos e beneficiará todo o Mercosul. É óbvio que a reeleição do Macri daria um caráter mais pessoal ao relacionamento, mas esse relacionamento tem de ser mantido.
Isso também se aplica aos Estados Unidos, na hipótese de Donald Trump não ser reeleito ano que vem?
Sim. A posição brasileira tem que ser pragmática e flexível. Temos que buscar o melhor para o Brasil, com relações que resultem em ganhos para ambos os lados, e entender para onde o vento está indo em determinado momento para acompanhá-lo.
Os Estados Unidos deram ao Brasil o status de aliado preferencial extra-OTAN. O que isso significa? O Brasil ficar preso ao fornecimento de armas para os EUA, ou amarrado à estratégia militar americana na região?
Não tem nada a ver. A Organização do Tratado do Atlântico Norte ( OTAN ) nasceu para se contrapor ao Pacto de Varsóvia na defesa da Europa, e os EUA apareceram como fiadores dessa defesa. A nossa parte está muito mais ligada à área comercial, de produtos de defesa. Nosso material estará dentro dessa catalogação internacional da OTAN e, ao mesmo tempo, teremos acesso a um mercado maior e a condições melhores na compra de armamento. Hoje, temos muitas compras pelo [programa americano] Foreign Military Sales, o FMS. Os americanos têm muito material excedente que serve para nós e são adquiridas pelo Exército, pela Marinha e pela Força Aérea.
Então esse status não impedirá o Brasil de negociar com outros países, independentemente da ideologia ou do regime político?
Não limita em nada e não tem nada a ver com ideologia. Tanto que a Argentina já era um aliado preferencial extra-OTAN . Já tivemos um acordo militar com os EUA que foi denunciado pelo ex-presidente (Ernesto) Geisel na década de 1970.
A pouca idade do deputado Eduardo Bolsonaro, além de ser filho do presidente da República, não o descredencia a assumir a embaixada do Brasil em Washington?
Ele está dentro das condições que a nossa legislação prevê para as pessoas que não são da carreira diplomática. Uma elas é a idade mínima de 35 anos. Esta é uma escolha pessoal do presidente da República, que julga que a presença do filho como embaixador nos EUA , pelas ligações que possui com a família do atual presidente, irão facilitar o relacionamento entre os dois países.
Recentemente, houve um problema com dois navios iranianos, que só conseguiram ser abastecidos pela Petrobras e voltar ao Irã graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal. E a estatal brasileira ainda corre o risco de sofrer sanções. O senhor considera o Irã um parceiro comercial importante para o Brasil?
Nós temos um fluxo comercial com o Irã que está muito centrado na venda de alimentos, como milho e proteína animal, que são produtos que não estão dentro das sanções dos americanos. A questão principal que houve em relação aos navios era a importação de ureia, que usamos para defensivos agrícolas, mas que também pode ser utilizada na fabricação de explosivos. Nós vamos continuar negociando com o Irã dentro desse pacote que já temos. Nosso fluxo comercial está na faixa de U$ 4 bilhões a US$ 5 bilhões por ano. Não é um baita fluxo, mas é um número interessante.
Na semana que passou, o presidente Jair Bolsonaro cancelou uma audiência que teria com o chanceler da França, Jean-Yves Le Drian. Esse tipo de procedimento não afeta negativamente a imagem do Brasil?
O presidente Bolsonaro julgou que o chanceler já havia se reunido com o nosso chanceler (Ernesto Araújo). No caso de uma conversa com o presidente, os níveis são distintos, é mais protocolar. Seria para dar boa tarde e falar sobre algumas coisas dentro do protocolo diplomático. Ele achou que não era o caso recebê-lo.
O Brasil tem recebido críticas no exterior por causa de sua postura em relação ao meio ambiente, direitos humanos e outros fatores. O que dizer sobre isso?
Existe uma campanha internacional contra o Brasil, fomentada daqui de dentro mesmo por aqueles que perderam a eleição e que usam suas conexões, principalmente nos países europeus, para atacar o governo do presidente Jair Bolsonaro. A questão do desmatamento temos que combater, não tenha a mínima dúvida, e sabemos que o problema está concentrado no Sudeste do Pará, onde a penetração de rodovias atrai todo tipo de aventureiro, garimpeiro, grileiro e é uma área de conflito. Tanto que as próprias Forças Armadas já estiveram operando lá várias vezes para apoiar as ações do Ibama.
Estamos contratando um sistema mais moderno, que vai dar análise em tempo real, mas isso não muda a questão do desmatamento. Compete ao governo estadual, que tem sua responsabilidade, e ao governo federal, elaborar algum tipo de política pública para isso. De que aquelas pessoas que habitam na região vão viver? É preciso uma política de manejo sustentável da floresta, que diga: você arranca três árvores aqui e planta mais dez acolá.
O senhor acredita no aquecimento global?
Não tenho dúvida que a temperatura da Terra mudou. O que eu coloco sempre em discussão, e falo isso em todos os lugares aonde vou, é se isso veio para ficar ou é mais uma das sazonalidades que a vida na Terra já enfrentou. Agora, o Brasil não é o culpado do aquecimento global. Muito pelo contrário. Nossa matriz energética é 85%, 86% de energia limpa e renovável, enquanto o resto do mundo tem apenas 25%. Então, o resto do mundo queima petróleo, queima carvão para se aquecer, para produzir, e quer botar a culpa em cima do Brasil? Não pode ser assim.
O Brasil assumiu uma postura mais conservadora em fóruns internacionais, no que diz respeito a temas como gênero e aborto. Isso não contribui para as críticas?
Trata-se de uma agenda de costumes. Direitos humanos é para tudo. Por exemplo, o programa Mais Médicos não respeitava os direitos daqueles que estavam trabalhando aqui. A partir do momento em que a pessoa não podia trazer sua família para cá, ou tinha que mandar parte do salário dela para o país de origem, isso era contra os direitos humanos. Essa agenda de costumes que vem sendo discutida na modernidade é uma questão da sociedade, que vai se adaptando aos novos momentos. É preciso entender que tem coisas que valem como discussão para determinadas áreas do nosso país, que têm uma visão cultural mais distinta e mais cosmopolita, enquanto há outras áreas do Brasil, que é o Brasil rural, o Brasil mais profundo, que não estão interessadas nessa discussão.
Fonte: Eliane Oliveira | O Globo