Temos uma longa história de tentar usar animais como espiões, armas e sistemas de alerta, mas os planos mais recentes de lançar mão de organismos marinhos como sensores de movimento podem ser ainda mais estranhos.
Emma Woollacott | BBC News
Recentemente, quando uma baleia beluga foi flagrada com um equipamento especial atrelado ao corpo, alguns especularam que ela havia sido treinada pela marinha russa para espionar.
Um esquema de como o sistema de sensores marítimos pode funcionar | DARPA/PALS |
Isso não é tão absurdo quanto parece. Desde a década de 1960, a Marinha dos EUA vem treinando golfinhos para detectar minas e ajudar a resgatar nadadores perdidos. A Rússia é conhecida por fazer o mesmo.
E tubarões, ratos e pombos foram usados ao longo dos anos como dispositivos de escuta, com resultados irregulares.
O projeto mais recente da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada em Defesa dos EUA (Darpa, na sigla em inglês) pretende melhorar a inteligência militar ao recrutar uma série de criaturas aquáticas - de grandes peixes a organismos unicelulares - como sistemas de alerta.
"Estamos tentando entender o que esses organismos podem nos dizer sobre a presença e os movimentos de todos os tipos de veículos submarinos no oceano", diz Lori Adornato, gerente de programa do projeto Persistent Aquatic Living Sensors, algo como Sensores Aquáticos Vivos Persistentes, (Pals, na sigla em inglês).
As criaturas vivas reagem de várias maneiras à presença de veículos. Uma das mais familiares é o fenômeno da bioluminescência - alguns organismos marinhos brilham quando perturbados. Esse é o foco de uma das linhas de pesquisa da Darpa.
"Se você tem um organismo (unicelular) como a noctiluca (também conhecida como fosforescência-do-mar) presente na superfície do oceano e um veículo submarino está próximo à superfície, você poderá notar isso do alto por causa da trilha bioluminescente", explica Adornato.
Mas a equipe da Darpa espera obter uma imagem muito mais detalhada dos movimentos de submarinos e drones subaquáticos.
"Queremos entender se é possível distinguir a resposta dos organismos a distúrbios naturais e provocados pelo homem, ou talvez até mesmo a certos tipos de objetos produzidos pelo homem", diz Vern Boyle, vice-presidente de programas avançados da Northrop Grumman, multinacional do ramo da indústria de defesa que também participa do projeto.
"Usaremos técnicas avançadas de processamento, incluindo aprendizado de máquina, para analisar os sinais e identificar características distintivas."
As equipes estão olhando para uma grande variedade de criaturas e comportamentos. Garoupas-golias, por exemplo - que podem crescer até 2,5 m de comprimento - são conhecidas por fazer um som estrondoso quando abordadas por mergulhadores e também mostram curiosidade quando um novo objeto entra em seu habitat.
"Nossas tecnologias não invasivas de vigilância e monitoramento submarino serão sutilmente integradas aos habitats das garoupas", diz o investigador principal do projeto Laurent Chérubin, da Florida Atlantic University.
"Uma resposta acústica alertará as autoridades para a presença de uma ameaça potencial ou de um intruso, ou mesmo de qualquer objeto que seja suspeito ou esteja fora do lugar dentro do cenário visual e acústico habitual desta espécie."
Esses elementos do projeto envolvem o monitoramento do que é conhecido como paisagem sonora, explica Alison Laferriere, da empresa Raytheon BBN Technologies, também parceira da empreitada. Muitas espécies de peixes fazem sons constantes para se comunicar ou em resposta a ameaças externas.
"Se um veículo chega ao ambiente, a ideia é que eles podem mudar seu comportamento de uma forma que consigamos detectar", diz Laferriere.
"Ainda estamos nos estágios iniciais do projeto. Recentemente, voltamos de uma viagem para as Ilhas Virgens dos EUA, onde fizemos algumas medições da paisagem sonora na presença de um veículo e sem a presença de um veículo, e estamos apenas começando a analisar esses dados."
Alterações de comportamento são um indicador importante de que potenciais intrusos podem estar por perto.
Robalos, por exemplo, foram observados mergulhando no fundo do mar ao escutarem um barulho alto. Poderiam fazer o mesmo, de uma maneira previsível, quando encontrassem um veículo submarino?
"Temos um bom pressentimento de que teremos essa resposta, só precisamos quantificá-la", diz Helen Bailey, professora associada de pesquisa do Centro de Ciências Ambientais da Universidade de Maryland.
"Podemos implantar etiquetas com sensores de profundidade em miniatura nos peixes para que possamos detectar o movimento - e já existe a tecnologia para que esse seja um sistema em tempo real."
Ela diz que não há razão para que um exército de robalos não forneça um sistema de alerta econômico contra submarinos inimigos.
"Você tem que comparar [as novas ideias] com o sistema atual, e com a quantidade de dinheiro que estão gastando em aviões, navios, equipamentos de hidrofonia, de monitoramento. Tudo isso dá a eles snapshots muito curtos, enquanto o sistema de que estamos falando duraria meses", diz.
E há outra maneira, ainda mais estranha, na qual os organismos marinhos podem ser usados para detectar a presença de veículos submarinos, diz Laferriere.
Os camarões-pistola, encontrados em todo o mundo em águas rasas nas latitudes inferiores a 40 graus, juntam suas garras continuamente, criando um sinal sonoro constante que repele os objetos ao redor.
Tal como acontece com os sistemas de sonar convencionais, a medição do tempo necessário para o retorno do sinal sonoro e sua intensidade podem revelar o tamanho, a forma e a distância dos objetos submersos.
"O conceito não depende de o camarão mudar seu comportamento quando um veículo se aproxima, ele apenas usa o som que [o animal] cria", diz Laferriere.
Isso é importante porque não é desejável que um sistema de vigilância seja detectável ou faça ruídos, interferindo nos sensores.
"É um sistema passivo", acrescenta. "Usará pouca energia e será capaz de detectar até os veículos mais silenciosos."
Por que usar muita energia para detectar veículos subaquáticos quando uma colônia de camarões pode fazer isso por você?
Mas esses projetos são realmente viáveis ou apenas parte da imaginação fértil de pesquisadores?
"Há um esforço global para trabalhar com animais na questão de sensoriamento remoto", diz Thomas Cameron, professor da faculdade de ciências biológicas da Essex University, "tanto no caso de animais de vida livre quanto na agricultura e aquicultura".
"Aproveitar o comportamento dos animais para receber sinais sobre o ambiente ao nosso redor não é novidade para os seres humanos - fizemos isso com canários em minas e com nossos cães domésticos", explica.
"O que é único neste programa é o foco em organismos selvagens livres e o empurrão para ver o que podemos aprender sobre a sinalização no ambiente marinho, nos concentrando em comportamentos vocais, visuais e de movimento."
Os reinos animal e vegetal poderiam ser tanto parte da "grande revolução de dados" quanto os seres humanos, conclui.
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