Diálogo conversou com o Contra-Almirante (FN) da Marinha do Brasil (MB) Nélio de Almeida para conhecer detalhes dessa parceria
Por Marcos Ommati | Diálogo Américas | Poder Naval
Criar mais oportunidades de intercâmbio de conhecimento e treinamento combinado entre os Fuzileiros Navais do Brasil e dos Estados Unidos. Este é o objetivo principal de um plano de cinco anos ratificado em fevereiro de 2019 entre os representantes de ambas as forças, o Contra-Almirante (FN) da Marinha do Brasil Nélio de Almeida, comandante do Desenvolvimento Doutrinário do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) do Brasil e presidente nacional da Associação de Veteranos desta força, e o Contra-Almirante Michael F. Fahey III, comandante do Corpo de Fuzileiros Navais Sul dos EUA (MARFORSOUTH, em inglês). O C Alte Nélio recebeu Diálogo em seu escritório na Ilha do Governador, Rio de Janeiro, para dar detalhes do acordo e conversar sobre outros temas de interesse das marinhas do Brasil e de outros países da região e dos EUA.
O Contra-Almirante (FN) Nélio de Almeida, além de ser o Comandante do Desenvolvimento Doutrinário do Corpo de Fuzileiros Navais do Brasil, é também o presidente nacional da Associação de Veteranos desta instituição. (Foto: Marcos Ommati, Diálogo) |
Diálogo: O senhor poderia explicar melhor o que é este acordo e porque o limite de cinco anos?
Contra-Almirante (FN) Nélio de Almeida: Na verdade, o que há é uma série de conferências denominada ONIC (Operational Naval Infantry Committee – Comitê Operacional de Infantaria Naval), que foi idealizada há alguns anos pelo Comando Sul dos EUA. Nessas reuniões são tratados temas de aproximação, de intercâmbio e de troca de conhecimentos em várias áreas. Essa última foi uma espécie de seguimento, e nessas reuniões nós trabalhamos com dois planos. Um, chamado de curto-prazo, que é bianual, cobre dois anos; e um de longo prazo, que é de cinco anos. Então, cinco anos foi um número estabelecido lá atrás. Acima de cinco anos julgamos que, no trabalho em conjunto com os americanos, seria um período longo demais para antever o que seria o futuro. E dois anos serve para harmonizar, digamos assim, o problema do ano fiscal, que para os americanos acontece no meio do ano, e para nós, segue o ano civil. Então, como todos acabamos dependendo do orçamento, fazemos um plano de dois anos que é uma maneira de tomarmos as devidas providências internamente, no Brasil e nos EUA. Isso explica a motivação para os dois e os cinco anos. O plano de cinco anos é mais genérico, incluindo tudo o que desejamos fazer, e o plano de dois anos é mais detalhado, com os objetivos dos intercâmbios etc.
Diálogo: E quais são esses objetivos e exercícios?
C Alte Nélio: Nós adotamos uma classificação que vem dos americanos. Eles dividem esses engajamentos em duas etapas: key leader engagement (reuniões de alto escalão), e exercícios conjuntos [entre forças] e combinados [envolvem mais de um país]. E é isso que, basicamente, define como acontecerá a interação em questão. Essas áreas englobam praticamente todas as nossas atividades. Por exemplo, planejamento, apoio de fogo, emprego de aviação, emprego de blindados… praticamente não tem limite. Qualquer atividade na qual desejamos trocar conhecimento, tanto da parte deles quanto da nossa parte, é colocada na mesa durante essas reuniões, e cada um considera o que pode ser feito em termos de cada uma dessas atividades. Os americanos, por exemplo, têm mostrado muito interesse no nosso engajamento em ações de garantia da lei e da ordem (GLO), porque é uma coisa que o Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA [USMC, em inglês] não tem. Eles também sempre mostram interesse em operações ribeirinhas. Já o nosso Corpo de Fuzileiros está mais interessado no emprego da aviação e planejamento, além de outras técnicas, táticas e procedimentos.
Diálogo: E com outros países, existe algo parecido como a ONIC?
C Alte Nélio: Não. Temos intercâmbios organizados com outros países, mas não estão tão bem estruturados como com os americanos. Nós temos exercícios com a Argentina, o Paraguai, a Colômbia, o Peru, e, do outro lado do Atlântico, com a África do Sul. Basicamente esses são os países mais fortes em termos de exercícios combinados com o Brasil.
Diálogo: O exercício Formosa, realizado anualmente em Goiás, conta há alguns anos com a participação dos FN americanos. Há outros exercícios onde a participação de FN de países amigos ocorre de forma recorrente? Quais? Há reciprocidade, ou seja, FN brasileiros indo participar de exercícios em outros países?
C Alte Nélio: Com relação ao Formosa, a troca de conhecimentos, se fosse possível quantificar, é muito mais do CFN americano para nós, do que o contrário. Nós sempre temos muito interesse na área de operações especiais e de apoio de saúde, uma vez que são eles que têm a experiência de combate e uma doutrina mais desenvolvida do que a nossa nestes campos. Já para eles, o intercâmbio é mais em nível de técnica, das ações que o nosso pessoal executa de uma forma diferente, que eles aprendem e, acredito eu, incluem no seu sistema de desenvolvimento de procedimentos e táticas.
Diálogo: A doutrina do Corpo de Fuzileiros Navais do Brasil foi inspirada na dos Marines, correto?
C Alte Nélio: Sim. Em termos doutrinários, no início, depois de alguns engajamentos, nós nos transformamos basicamente em uma tropa de guarda. Porém, depois da II Guerra Mundial, percebemos a utilidade das operações anfíbias. Mas nosso sistema de formação estava voltado à realização de cursos no nosso Exército, que por sua vez, bebia na fonte doutrinária da missão francesa. Com o passar do tempo, começamos a enviar indivíduos para estudar ou realizar intercâmbios nos EUA. Essas duas vertentes se somaram, e hoje podemos dizer que temos a nossa doutrina totalmente customizada para as nossas necessidades, nossos desafios.
Diálogo: Como a MB faz para aproximar o desenvolvimento da doutrina com a prática das forças operativas?
C Alte Nélio: A doutrina sempre visa a parte operativa. Ela reúne os grandes conceitos, a filosofia, inspirada nos grandes pensadores, como Alfred Mahan, e vai se adaptando à situação de cada época, pois evolui com a tecnologia, com as necessidades. A partir daí, pensamos nos procedimentos, táticas e técnicas, detalhando os protocolos de atuação.
Diálogo: O Estado-Maior da Armada (EMA) tem uma ingerência muito grande no desenvolvimento da doutrina?
C Alte Nélio: Sim. Na Marinha do Brasil, o grande responsável pela doutrina é o EMA. Porém, há mais de dez anos, a MB decidiu descentralizar para os Órgãos de Direção Setorial – e o Comando Geral é um deles – o detalhamento dessa doutrina. Assim, o EMA, basicamente, trata da doutrina de alto nível, e o grande documento doutrinário do EMA é a Doutrina Militar Naval (DMN), que define o modo como a Marinha cumpre as suas atividades. Fala das tarefas básicas, do poder naval, dos tipos de operação, e oferece algum detalhamento sobre o rumo de cada tipo de operação. A DMN define três grandes áreas: operações e ações de guerra naval, que é combate, com o alto nível de atrição; operações de uso limitado da força, onde temos a GLO e outras operações de menor intensidade; e as operações denominadas benignas, como a assistência humanitária. Estes são os três grandes campos de atuação. A doutrina regula também a forma de planejamento da MB como um todo. A partir daí, os órgãos de ação setorial, sendo o maior deles o Comando de Operações Navais, e o Comando Geral, são os dois principais formadores de doutrina detalhada. Cada um faz o detalhamento até o nível necessário. Esse é, em poucas palavras, o arcabouço do sistema doutrinário da MB.
Diálogo: O Brasil será o país-sede do exercício naval UNITAS, que este ano terá um viés diferente das edições anteriores, sendo unicamente voltado para a área de assistência humanitária e resposta a desastres (HA/DR em inglês), correto?
C Alte Nélio: Sim. Este ano a UNITAS Anfíbio vai se fundir com a UNITAS Atlântico. Antes, tínhamos os fuzileiros que faziam o exercício aqui e, independentemente disso, a Esquadra fazia exercícios com a U.S. Navy[Marinha dos EUA]. É uma dificuldade o fato do USMC ser uma Força independente, isto trazia dificuldades adicionais para o exercício. Dessa vez, o exercício será totalmente integrado, o que é desejável por tratar-se de uma projeção anfíbia.
Diálogo: E como ficará a questão da interoperabilidade?
C Alte Nélio: Nós mudamos nossa postura pois, para desenvolver a interoperabilidade, precisamos de três coisas: intercâmbio de inteligência; integração dos sistemas de comando e controle; e uma doutrina comum de planejamento. Nós podemos alcançar os mesmos efeitos desejados, seja numa atividade de HA/DR, seja em qualquer outra operação. Por isso focamos em HA/DR, pois o ambiente atual frequentemente exigirá este emprego, o que depende de uma atuação integrada. Nós tivemos certas dificuldades durante as atividades decorrentes do terremoto no Haiti, e o Brasil já estava lá como voz de comando, conhecia toda a situação. Mas quando o americano chegou na cena de ação, com uma outra maneira de coordenar, houve divergência. Então esse é um tema em que todos concordam e estamos focando nessa área.
FONTE: Diálogo – Fórum das Américas
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