Seu último plano não deu certo, mas ele não desiste.
BBC News Brasil
Poucos dias após o fracasso da sua tentativa mais recente de tirar o presidente Nicolás Maduro do poder, o líder da oposição venezuelana, Juan Guaidó, reconheceu em entrevista à BBC a importância do apoio dos EUA e fez um novo apelo pela adesão dos militares.
Poucos dias após o fracasso da sua tentativa mais recente de tirar o presidente Nicolás Maduro do poder, o líder da oposição venezuelana, Juan Guaidó, reconheceu em entrevista à BBC a importância do apoio dos EUA e fez um novo apelo pela adesão dos militares.
Juan Guaidó se autoproclamou 'presidente interino' da Venezuela no dia 23 de janeiro | GETTY IMAGES |
O atual presidente da Assembleia Legislativa está convencido de que o triunfo de seu movimento acontecerá mais cedo ou mais tarde e insiste que sua causa conta com o apoio da maioria do povo venezuelano.
Leia abaixo a entrevista:
BBC - Você convocou um levante popular, mas a Operação Liberdade parece estar se esvaziando. O que acontecerá depois disso?
Juan Guaidó - O que vamos fazer é insistir. A maioria se manifestou inicialmente em 2015 e nos levou a ganhar o Parlamento. Reivindicamos um referendo revogatório e pedimos uma eleição realmente livre.
Em 2018, o regime obstruiu essa possibilidade e fraudou o processo (eleitoral), por isso hoje não reconhecemos (o resultado) e o mundo todo não reconhece. Em 2019, estamos com uma estratégia muito clara, para acabar com a usurpação. Porque hoje Maduro é um ditador em Miraflores. Queremos construir um governo de transição que volte a institucionalizar o país e tenha eleições livres.
Nesse contexto, desenvolvemos a "Operação Liberdade", para nos organizar, para sermos maioria, como somos, mas organizados, mobilizados, exigindo nossas reivindicações. Vamos insistir por esse caminho, nos estendendo a setores da sociedade que são necessários para coroar esse esforço, que são as Forças Armadas e os funcionários públicos.
BBC - Muitas pessoas saíram às ruas, mas não houve muitas deserções de militares. Isso foi uma decepção? Você esperava ver mais comandantes ao seu lado?
Guaidó - Esperamos que sejam todos, não apenas um grupo. Não estamos buscando segmentar ou dividir as Forças Armadas, pelo contrário, (queremos) uni-las em torno da nossa Constituição, essa é a primeira coisa.
Não foram só os militares de terça-feira (30 de abril), nobres, leais, honrados, no âmbito da Constituição, mas também, por exemplo, os de Cúcuta, que são milhares e há dois meses se pronunciaram abertamente; os sargentos de Cotiza também. Portanto, há milhares de militares que estão abertamente ao lado da Constituição.
Isso sem contar com todas as deserções que as Forças Armadas têm tido regularmente, as baixas que os militares solicitam formalmente porque já não aguentam mais a situação, não apenas dentro das Forças Armadas, mas também no país.
Assim como 4 milhões de venezuelanos, por exemplo, que migraram. Isso não foge à realidade das Forças Armadas.
O que nós esperamos? Não apenas Juan Guaidó como presidente interino e do Parlamento da oposição, mas toda Venezuela, que sejam todos, que deem o passo de uma vez, se coloquem ao lado da Constituição e possamos fazer uma transição pacífica na Venezuela.
BBC - O governo Trump declarou que considerava uma ação militar. No fim de semana, falou sobre ajuda humanitária. Você teme que a posição de Washington esteja suavizando?
Guaidó - Não, na verdade, temos conversado não apenas com o governo Trump, mas também com o presidente Bolsonaro (do Brasil), Duque (da Colômbia), Varela (do Panamá), com o presidente Mario Abdo (Paraguai), com o Grupo de Lima, com nossos amigos na União Europeia. A posição é muito firme em relação ao caso da Venezuela porque é uma causa não só em comum, mas absolutamente justa, que consiste na liberdade e democracia.
Tem sido decisiva, claro, a posição do presidente Trump neste momento, sem meio termo, simplesmente denunciando o que tem sido a emergência humanitária complexa mais grave na região, com 7 milhões de venezuelanos, cerca de 25% da população, em risco de morte, um dado reconhecido pelas Nações Unidas.
Agradecemos a firmeza do presidente Trump e do mundo inteiro.
BBC - O que você espera do governo Trump? Gostaria que ele ordenasse uma intervenção militar na Venezuela?
Guaidó - Essa pergunta é muito importante, porque hoje na Venezuela há um presidente interino e um Parlamento nacional que está em busca de mudanças. A única intervenção que existe hoje na Venezuela é a dos cubanos, que fazem (serviços de) inteligência e contrainteligência para nossas Forças Armadas, e a de aviões militares russos que pousam em solo venezuelano. Tem também a entrada da guerrilha colombiana do ELN (Exército da Libertação Nacional), de grupos irregulares, de terrorismo, paramilitares...
Se trata de um elemento de soberania, sim. Agora, podemos usar no Parlamento nacional a cooperação internacional a nível militar, para ajuda humanitária e nas áreas que determinarmos.
Um antecedente é Simón Bolívar, que em 1819 autorizou 5 mil legionários britânicos a ajudar no processo de independência venezuelana. Estamos falando de cooperação.
Há países como os EUA que estão discutindo gentilmente esta opção para ajudar, como o presidente Lenín Moreno, do Equador, que discutiu isso na Organização dos Estados Americanos (OEA). A doutrina Roldós fala de proteger as pessoas quando elas estão passando fome, como no caso da Venezuela, produto de um genocídio silencioso, liderado por Maduro.
Acredito que não apenas é responsável avaliar, dada a crise e tragédia que vive a Venezuela, mas para ter uma alternativa se o regime pretende continuar radicalizando um processo que nos conduziu a este desastre, radicalizando ainda mais a perseguição, os presos políticos, o ecocídio na Amazônia, no Arco Mineiro, onde extraem ouro indiscriminadamente e envenenam nossas águas, deixando a Amazônia em uma posição muito ruim.
Tudo simplesmente para tentar manter o para-Estado do regime, financiando paramilitares. Então, eu, responsavelmente, como presidente interino e do Parlamento nacional, avaliarei todas as opções, se necessário.
BBC - Você quer ver uma intervenção militar dos EUA? Quer ver soldados americanos na Venezuela?
Guaidó - Não quero mais ver uma criança morrer de fome, não quero mais ver uma criança assassinada cruelmente por protestar por seus direitos, não quero mais ver uma mãe que vê seu filho atravessando a fronteira, não quero mais ver venezuelanos sofrendo em outras fronteiras porque roubaram suas oportunidades aqui, não quero mais ver uma cidade sem luz, sem água ou educação.
O que eu quero ver é liberdade, democracia, dirigir nosso esforço para alcançar (isso). E se isso implica ter que pedir cooperação internacional, vamos avaliar responsavelmente.
BBC - Nesta semana, o governo Trump divulgou o nome de três autoridades venezuelanas que, segundo os EUA, estavam preparadas para mudar de lado e apoiar a oposição. Washington estava errado em identificá-los publicamente?
Guaidó - Na Venezuela, vivemos uma ditadura que tem sido muito dura na perseguição e na tortura, e em prejudicar o país.
Neste contexto, tentamos abrir um canal de diálogo com muitas autoridades, de todos os níveis, civis e militares. O governo Trump tem sido um forte aliado, então eu não acho que tenha sido um erro mencionar essas possíveis conversas.
BBC - Você esperava ter tirado Maduro do poder e estar falando agora como presidente da Venezuela?
Guaidó - Estamos construindo poder, um processo que custou muito sacrifício de muita gente. É claro que nunca gostaríamos de ter chegado a este ponto, mas nos coube assumir isso com responsabilidade e vamos insistir no caminho do que é justo, para exercer nossos direitos e poderes.
O protesto cívico e pacífico é sempre um mecanismo de reivindicação, é sempre um mecanismo para nos expressarmos e vamos continuar a usá-lo. Sabemos que estamos enfrentando uma ditadura, que tem sido muito dura, e gostaríamos de ver não só neste fim de semana, como também hoje, a transição na Venezuela.
Sabemos que faltam mais militares, mais parlamentares, e estamos insistindo para aderirem à Constituição.
BBC - O que deu errado nesta semana? Por que não estou aqui entrevistando o presidente da Venezuela, mas o líder da oposição?
Guaidó - Você está entrevistando o presidente interino da Venezuela, de acordo com a nossa Constituição. Acho que é importante dizer isso. Agora, independentemente do que faltou, se trata de falar sobre o que vamos alcançar.
No sábado, houve um grande triunfo, fomos aos quartéis falar diretamente com os militares. E já não são apenas negociações, são cidadãos falando diretamente com os militares, e não houve repressão, a maioria deles recebeu a informação em viva voz do que queríamos dizer a eles. Talvez fosse isso que estava faltando.
Vamos insistir nesse caminho, porque as Forças Armadas são um fator fundamental dentro da sociedade.
BBC - Você já tentou derrubar o presidente Maduro três vezes, e fracassou nas três ocasiões. Você tem receio que isso comprometa sua liderança?
Guaidó - O único que realmente se prejudica é o Maduro. Está perdendo repetidamente, está cada vez mais fraco, cada vez mais sozinho, não tem apoio internacional. Pelo contrário, nós ganhamos reconhecimento, apoio e opções de futuro.
BBC - Mas ele tem o apoio dos militares...
Guaidó - Parcialmente... Evidentemente, parte deles, não todos.
BBC - Leopoldo López é uma figura controversa na Venezuela e alguns dizem que aparecer junto a ele no início de um levante serve mais para dividir a oposição do que para uni-la. Foi um erro?
Guaidó - O objetivo é unir e agregar cada vez mais. Não apenas Leopoldo, que felizmente pôde ser libertado por quem mantinha sua custódia, mas também muitos deputados, líderes civis que estavam lá.
BBC - Quanto tempo mais vai levar para tirar Maduro do poder?
Guaidó - Acho que falta cada vez menos. Maduro hoje não governa, não é capaz de oferecer luz, nem de fomentar investimentos privados, tampouco de dar comida ao nosso povo, aos mais vulneráveis, muito menos medicamentos, quando reconhece a emergência humanitária complexa que criou. O que mais vai nos custar? O que mais vai sacrificar?
Esperamos que não (demore) muito mais, porque já sacrificamos muito como sociedade, mas estamos firmes e dispostos a avançar até conseguirmos isso. Esperamos que no curto prazo consigamos uma transição pacífica para a democracia.
BBC - Foi nesta semana que perderam a oportunidade?
Guaidó - Não, pelo contrário, continuamos dando visibilidade não só à crise que era óbvia para a ONU e para o mundo, mas também deixando claramente visível que as Forças Armadas já não apoiam Maduro.
Tablet Samsung Galaxy Tab A T280 8GB 7” Wi-Fi - Android 5.1 Proc. Quad Core Câmera 5MP + Frontal |