O pacote de reforma da Previdência dos militares atrelado à reestruturação da carreira - o que levará a mais gastos da União em momento de crise fiscal - enfrenta resistências no Congresso, no próprio partido do presidente da República, Jair Bolsonaro, o PSL, mas a proposta é vista como "justa" e sem muita margem de negociação.
Por Cristian Klein e Francisco Góes | Valor
Do Rio - Pelo menos para a instituição que tradicionalmente vocaliza publicamente as demandas da categoria e é termômetro dos quartéis. "Eu conheço bem como são os militares. O militar não é muito de fazer um negócio para inglês ver. Eu diria que esse pacote que foi mandado é o pacote considerado justo", disse ao Valor o presidente do Clube Militar, o general da reserva Eduardo José Barbosa.
General Eduardo José Barbosa comenta declaração de Rodrigo Maia: "Para a gente não tem esse negócio de final de festa" |
Colega de Bolsonaro na turma de 1977 da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Barbosa é porta-voz dos militares fora da ativa e considera que não há espaço de negociação. "O militar não é bem assim. Porque outros setores, se estão precisando de 5, pedem 10. O militar, quando diz que precisa de 10, é porque ele precisa de 10 mesmo".
Barbosa reclama que os soldos, aposentadorias e pensões das Forças Armadas foram alvo de muita defasagem nas últimas décadas. Aponta que um general no topo da carreira ganha o mesmo que um juiz iniciante. E que os militares foram prejudicados enquanto outras categorias do funcionalismo - do Judiciário, do Legislativo, o Itamaraty, cita - pressionaram por meio de greves e se beneficiaram com aumentos salariais. "Fizeram suas pressões, greves e foram conseguindo coisas. Os militares quando iam lá com o pires na mão ouviam essa besteira que o [presidente da Câmara] Rodrigo Maia falou: 'Vocês chegaram no final da festa'. Para a gente não tem esse negócio de final de festa. O que ele quer dizer com isso: que todo mundo fez a festa nesses anos?", questiona.
O bom momento para os militares, reconhece, está sendo agora, quando a Presidência é ocupada por um ex-capitão do Exército que construiu a carreira política como líder da categoria no Congresso. "Quanto a isso aí não há dúvida nenhuma. A campanha dele foi em cima disso. O presidente Bolsonaro como deputado sempre defendeu isso, que nosso orçamento está defasado, que nossos salários estavam defasados. Nada mais natural que como presidente - e ele agora é comandante supremo das Forças Armadas - tentasse de alguma maneira resolver isso", diz.
No entanto, em um momento de crise fiscal e em que outras corporações reagem à reforma da Previdência, é cobrado de Bolsonaro, sobretudo porque não é mais apenas representante de uma categoria, que tivesse maior imparcialidade. Barbosa reconhece que o papel agora é diferente. "Concordo, por isso acho que mais uma vez vamos ser sacrificados também. Porque ele podia, como ex-militar, falar: 'Os militares já estão sacrificados e, em 2000, já foi feito sacrifício e não vou mexer com eles", diz, em referência à retirada de direitos ocorrida durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Bolsonaro, contudo, amenizou. "É um sacrifício aceitável perto do que a gente vem sofrendo", admite. Para Barbosa, a decisão do presidente de incluir uma proposta que afetasse também os militares - "por menor que possa se estar dizendo aí" - é mostra de que "agora ele tem que pensar como presidente e dizer que todo mundo tem que contribuir".
Barbosa é sucessor do vice-presidente Hamilton Mourão na presidência do Clube Militar. Na gestão anterior, o general de divisão da reserva era vice de Mourão. Outro integrante do governo a quem ele faz referência positiva é o ministro da Economia, Paulo Guedes, que no envio da proposta ao Congresso destacou que os generais recebem soldo semelhante ao salário de juízes em começo de carreira. "Está errado. A Polícia Federal também, faz concurso para delegado que já entra ganhando quase o mesmo que coronel", diz.
Eduardo José Barbosa critica a declaração de Rodrigo Maia, feita há uma semana, na qual afirmou que os militares "sabem fazer contas" e que se a reforma da Previdência não for aprovada ficarão sem receber o soldo. "É uma colocação absurda, não existe essa hipótese de os militares ficarem sem soldo. A gente trabalha para a nação e o pagador nosso é o governo, o Tesouro. A Constituição estabelece que pagamento de pessoal é cláusula pétrea, não existe deixar de pagar alguém."
Lembrado que numa crise fiscal extrema a União pode quebrar, como já aconteceu com Estados como o Rio de Janeiro, que ficou sem pagar o salário dos funcionários públicos, o presidente do Clube Militar menciona a possibilidade de intervenção ou de se voltar a pedir dinheiro emprestado ao Fundo Monetário Internacional (FMI). "Você vai aumentando o buraco até que fique um buraco sem fundo", diz.
Para Barbosa, quando o governo "diz que não vai ter dinheiro para pagar" o que acontece é que "todo imposto arrecadado vai ser usado para pagar Previdência ou o governo vai ficar se endividando cada vez mais". "Se o cofre está vazio, deixo de investir, de construir estrada, escola, e fecho os hospitais para pagar salário, pensão, o que seja", analisa.
Indagado se não seria melhor que todas as categorias adequassem suas expectativas, sobretudo no momento de crise, o militar diz concordar. Segundo ele, não é "só o pacote da nova Previdência que vai resolver isso". "Muitas outras coisas que têm que ser feitas também", acrescentou, citando a cobrança de devedores à Previdência. "Até começaram a ser feitas, vários cargos foram cortados, várias outras despesas desnecessárias que tinham, e acho que vão ser cortadas. Tem que procurar o pessoal do Legislativo, do Judiciário para saber qual vai ser a cota de sacrifício deles. Porque ninguém fala de cortar nada deles", diz.
O general da reserva lamenta a ideia, difundida em setores da sociedade, de que os gastos com militares são exagerados, uma vez que a última guerra travada com vizinhos ocorreu há 150 anos. "É um erro de percepção muito grande, de que as Forças Armadas existem para fazer guerra. Elas existem para evitar a guerra. É dissuasão para que não seja molestado por vizinhos malucos."
Para Barbosa, a situação com a Venezuela não é de guerra, mas é preocupante. A invasão está longe de ser opção, sustenta: "A Constituição nos proíbe disso". Já o apoio à intervenção de outro país, como os Estados Unidos, com a permissão do uso do território nacional para operações americanas, "é uma decisão de governo". O general afirma que o problema não "é grave a ponto de necessitar uma intervenção militar".