Grupo buscava informações sobre ex-embaixador, atual chefe da delegação norte-coreana na negociação com os EUA
Miguel González e Patricia Ortega Dolz | El País
Madri - As autoridades policiais espanholas e os funcionários do Centro Nacional de Inteligência (CNI) que investigam o ataque de 22 de fevereiro à Embaixada da Coreia do Norte em Madri veem participação da Agência Central de Inteligência (CIA) norte-americana nesse obscuro episódio. Pelo menos dois dos 10 invasores, que agrediram e interrogaram as oito pessoas que estavam na legação diplomática, foram identificados e têm vínculos com os serviços de inteligência dos Estados Unidos. Interlocutores espanhóis questionaram a CIA por sua implicação no caso, e a resposta foi negativa, mas “pouco convincente”.
Sede da embaixada da República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte), no bairro madrilenho de Aravaca. ULY MARTÍN |
O incidente pode causar atritos diplomáticos entre Madri e Washington. Fontes governamentais afirmam que, se a autoria da CIA for confirmada, trata-se de uma ação “inadmissível” por parte de um país aliado. Não só os serviços de inteligência norte-americanos teriam operado em solo espanhol sem pedir autorização nem informar seus anfitriões como também teriam violado as convenções internacionais que protegem as legações diplomáticas.
Além disso, diferentemente de outras ações dos serviços de espionagem, como os ataques cibernéticos — que se caracterizam por sua discrição, e cuja autoria raramente pode ser creditada —, o ataque à Embaixada norte-coreana foi especialmente violento. Dez homens, com armas supostamente simuladas, irromperam por volta das 15h de 22 de fevereiro (hora local) na Embaixada da Coreia do Norte na Espanha, no bairro madrilenho de Aravaca.
As oito pessoas presentes no local tiveram suas cabeças envoltas em sacos e suas mãos amarradas, além de serem agredidas a socos e interrogadas. Os gritos de uma mulher, que conseguiu escapar por uma janela do segundo andar, alertaram um morador vizinho, que avisou a polícia.
Um carro de patrulha se dirigiu à sede diplomática. Um homem de aspecto oriental abriu a porta aos agentes e lhes disse que tudo lá dentro estava em ordem. Quando a polícia ainda estava nas imediações, dois veículos de luxo saíram a toda velocidade do imóvel. Eram os carros da Embaixada, que os invasores usaram na fuga e abandonaram numa rua próxima.
Dentro da Embaixada os agentes encontraram os norte-coreanos, feridos e assustados depois de passarem mais de duas horas como reféns. Dois deles tiveram que ser atendidos por causa das lesões.
A investigação, a cargo da Delegacia Geral de Informação e do Centro Nacional de Inteligência (CNI), descartou a hipótese de um assalto comum. A operação havia sido perfeitamente planejada, como se de um comando militar se tratasse, e os invasores sabiam o que procuravam; nada de dinheiro ou joias, apenas arquivos cibernéticos e telefones celulares, que levaram.
Depois de analisar as gravações das câmeras de segurança da área, interrogar os reféns e analisar os veículos diplomáticos usados na fuga, um dos invasores foi identificado. A maioria era de coreanos, mas pelo menos dois deles foram reconhecidos pelos serviços de informação espanhóis por seus vínculos com a CIA norte-americana.
Os indícios que apontam para a espionagem norte-americana, em provável cooperação com a da Coreia do Sul, são tão sólidos que interlocutores espanhóis entraram em contato com a CIA para pedir explicações. A resposta foi negativa, mas “pouco convincente”, segundo fontes governamentais.
A investigação, cercada do máximo sigilo, depende do Tribunal 5 da Audiência Nacional, que poderia ordenar a detenção dos invasores identificados. É pouco provável, entretanto, que o envolvimento da CIA possa ser judicialmente comprovado, admitem as mesmas fontes.
O ataque à Embaixada ocorreu cinco dias antes da segunda cúpula entre o presidente norte-americano, Donald Trump, e seu homólogo Kim Jong-un, em 27 e 28 de fevereiro em Hanói (Vietnã). A entrevista, destinada a confirmar o desarmamento nuclear norte-coreano e a se tornar o maior sucesso internacional do Governo Trump, acabou em fiasco. As duas partes se levantaram da mesa sem alcançar qualquer acordo ou nem mesmo um cronograma para manter a negociação.
A Coreia do Norte não tem embaixador na Espanha desde que, em setembro de 2017, o então chanceler Alfonso Dastis declarou o então ocupante do cargo, Kim Hyok Chol, como persona non grata em Madri.
Após sua expulsão, esse diplomata se tornou uma das pessoas de maior confiança do líder Kim Jong-un e teve um papel crucial nos preparativos da cúpula do Vietnã.
Considerado um duro defensor do programa nuclear, Kim Hyok Chol encabeçou a delegação norte-coreana que, no começo de fevereiro, negociou em Pyongyang com o enviado especial do presidente Trump, Stephen Biegun, o plano de desnuclearização da península coreana, em troca da suspensão das sanções. As fontes ouvidas a respeito dão como certo que o objetivo dos invasores era obter informação sobre Kim Hyok Chol, apesar de já fazer um ano e meio que foi embora de Madri.
‘O EMPRESÁRIO’, A SÓS COM O ENCARREGADO DE NEGÓCIOS
Um dos aspectos mais obscuros da invasão à legação norte-coreana em Madri é o interrogatório ao qual o chefe do comando, que se fazia chamar O Empresário, submeteu o encarregado de negócios da embaixada, que é o responsável pela sede diplomática desde a expulsão do embaixador. O chefe do comando separou esse diplomata do resto dos reféns e se trancou a sós com ele. Não se sabe o que pretendia, mas o atual responsável pela legação de Pyongyang em Madri provavelmente sabe muitas coisas sobre Kim Hyok Chol, chefe da delegação norte-coreana nas negociações com os EUA, com quem trabalhou diretamente quando este último era embaixador em Madri, entre 2014 e 2017.