Entrevista ao contra-almirante Ruy de Almeida Silva, coordenador na Escola Superior de Guerra do Brasil. Esteve em Portugal como conferencista no IDN (Instituto de Defesa Nacional), no seminário "Pontes sobre o Atlântico: Brasil, Portugal e os desafios da segurança atlântica".
Leonídio Paulo Ferreira | Diário de Notícias
O Brasil é visto muitas vezes como um país de soft power mas na verdade um gigante com 200 milhões de habitantes e com os recursos do Brasil é também uma grande potência militar.
Contra-almirante Ruy de Almeida Silva no IDN © Reinaldo Rodrigues/Global Imagens |
O Brasil não chega a ser uma grande potência militar quando comparado com outros grandes países, mas é um país emergente que tem forças armadas de forma compatível com a realidade brasileira.
No contexto da América Latina é a potência militar mais forte?
Pelo tamanho do Brasil, pela economia que tem, é um dos maiores. Não diria que é a mais forte mas estará entre as maiores da América Latina.
Isso dá responsabilidades especiais ao Brasil? Há, por exemplo, muita pressão para alguns países assumirem responsabilidades na questão da Venezuela. Fala-se muito de uma intervenção militar dos Estados Unidos mas também de um reforço latino-americano. O Brasil, vizinho da Venezuela, nesse caso seria sempre um ator determinante?
A questão da Venezuela é importante mas o Brasil já declarou que não vai de forma alguma fazer uma intervenção ou participar de uma intervenção militar contra a Venezuela.
Se fosse no âmbito da ONU já seria possível, porque isso entraria na tradição do Brasil de fornecer contingente de capacetes azuis?
Isso é difícil de dizer agora porque seria uma coisa a ser considerada pelo Brasil. O Brasil tem tradição em operações de paz mas não quer dizer que no caso da Venezuela já haveria uma decisão de participar. E recordo que não estou a falar pelo governo brasileiro, falo por mim.
De qualquer forma um grande capital de prestígio dos militares brasileiros tem mesmo a ver com este sucesso nas operações de paz, nomeadamente do Haiti, mas lembro-me que também teve algum protagonismo em termos de comando na República Democrática do Congo. Os capacetes azuis são uma forma de afirmação do prestígio das forças armadas brasileiras?
É claro. Uma das coisas principais em termos de paz é ajudar na segurança internacional. Mas o Brasil sempre analisa, seja na ONU seja de qualquer outra participação em forças de paz, sempre analisa politicamente e isso é que é o mais importante. A questão do prestígio vem após a decisão política. Não é o caso de que o prestígio leva à decisão política, é ao contrário.
Quando um militar brasileiro aprende a história das suas forças armadas, quais são os grandes momentos dessa história: é a guerra contra o Paraguai? É a intervenção na Segunda Guerra Mundial?
Temos logicamente, como todos os países, orgulho na história militar do país e a participação em várias guerras, inclusive a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, aliás somos o único país da América do Sul que participou na guerra contra o nazismo.
Combateu até na Europa, certo?
Combateu mandando tropas para a Itália, aliada da Alemanha, e isso foi lutar pela democracia. Mas acho que o mais importante para os militares é quando se consegue manter a paz. E o Brasil tem conseguido manter a paz nas suas fronteiras há mais de cem anos. O que nos dá mais prazer é não ter de atuar na guerra - mas se necessário for, vencê-la. Mas manter a paz é a melhor coisa para as forças armadas.
Com a dimensão que o Brasil tem, sem inimigos tradicionais a rodeá-lo, há outro desafios como defender a Amazónia, defender o espaço marítimo. O Brasil tem meios para garantir isso?
Tem, modestos mas tem. Mas as ameaças não são tão grandes assim. Tem os meios necessários, é claro, as forças armadas têm de ver a questão do Estado nos outros âmbitos necessários de recursos. Temos hoje as forças armadas que são possíveis para os recursos e da situação específica do Brasil, seja no âmbito económico, da saúde, segurança, etc. É o que temos mas estamos sempre a tentar aumentar recursos na medida do possível para aumentar a segurança da população brasileira.
Fala-se hoje de haver uma presença grande de militares no novo governo. As forças armadas brasileiras sempre deram políticos, não é, pois, uma exceção hoje com o presidente Jair Bolsonaro, um ex-capitão que tem um ex-general como vice?
Os militares dão políticos em qualquer lugar do mundo porque o militar também é um cidadão. Quando ele vai para a reserva é legítimo fazê-lo. Temos presidentes norte-americanos que foram militares, presidentes brasileiros que foram militares, é natural que às vezes aconteça. Os militares são cidadãos. Estarem agora militares da reserva no governo é uma opção do governo atual, mas isso não quer dizer que as forças armadas brasileiras estão no governo. Não estão no governo, é preciso deixar isso bem claro. Provavelmente são considerados pelo presidente pela sua história militar como pessoas politicamente capazes de ajudar o governo. Mas não é um governo das forças armadas, é um governo de militares na reserva que participam como cidadãos num governo civil.
Isso significa também que as forças armadas brasileiras passadas três décadas anos do fim da ditadura militar conseguiram mudar a sua imagem perante o povo brasileiro? Não já vistos como herdeiros dos sistema repressivo mas como um recurso que o país pode ir buscar para evitar desafios na segurança e no desenvolvimento?
As forças armadas, dizem as pesquisas, são a instituição que a sociedade brasileira reconhece como mais importante e confiável e isso ajudou a trazer os militares da reserva para ajudar nesse processo de um governo civil.
Da sua experiência como militar, e disse já que os recursos são escassos na educação e na saúde, não há uma preocupação que haja um défice de recursos para as forças armadas? O Brasil tem uma tal sensação de segurança que não necessita de ser uma grande potência militar?
Não diria isso, diria que o Brasil tem uma presença maior no cenário internacional e para isso é preciso ser também uma potência militar. Quero dizer apenas que no momento atual é o que podemos ter. Estamos à procura de programas de submarinos, nuclear, o programa das aeronaves que estamos a fazer para a Suécia, tudo isso são investimentos para o futuro. Hoje temos as forças armadas que são possíveis de acordo com as condições económicas e social do país. Queremos mais mas temos a compreensão que não é possível entregar mais recursos para as forças armadas porque isso significaria deixar de lado outros setores que são importantes para a população. Como não temos grandes ameaças temos uma janela de tempo para nos prepararmos para chegarmos a um ponto de sermos no futuro uma potência militar, que seria importante para o Brasil no cenário internacional.