Falha elétrica, originada na usina de Guri (Bolívar), força a suspensão do serviço de metrô da capital e afeta as linhas telefônicas do país
Javier Lafuente e Francesco Manetto | El País
Caracas - Perto das 17h da quinta-feira (18h em Brasília), a Venezuela ficou sem luz e assim continuou durante horas. Às escuras. À meia-noite, boa parte do país continuava sem fornecimento de eletricidade. A capital, Caracas, era uma cidade fantasma. Somente os prédios com geradores próprios, especialmente os hotéis, iluminavam um pouco uma cidade de mais de seis milhões de habitantes. Um apagão de grandes proporções que também deixou mais de 20 Estados sem luz, entre eles Miranda, Barquisimeto, Táchira ou Carabobo. O serviço telefônico, tanto de voz como de dados, também foi afetado, e o metrô da capital – uma infraestrutura fundamental em pleno momento da volta dos trabalhadores para casa – interrompeu as viagens, obrigando milhares de pessoas a buscar meios alternativos de transporte ou caminhar quilômetros até suas casas. O corte de energia também afetou o aeroporto de Maiquetía e o tráfego entre o litoral e o distrito metropolitano de Caracas. Os funcionários da imigração tiveram de operar de forma manual, sem acesso aos bancos de dados, e as informações sobre voos e conexões foram interrompidas.
Uma das ruas de Caracas durante o apagão elétrico | Y. CORTEZ - AFP |
A origem do apagão está em Guri (Estado de Bolívar), uma das maiores hidrelétricas da América Latina, atrás apenas de Itaipu (entre o Brasil e o Paraguai). Tarde da noite, mais de cinco horas depois, o serviço ainda não havia sido restabelecido. Em algumas áreas de Caracas, alguns moradores bateram panelas em protesto. A escalada contínua dos preços, que variam de uma semana para outra, obrigou a maioria das lojas e os vendedores ambulantes a utilizar meios de pagamento eletrônicos. Consequentemente, o apagão foi sentido com força no comércio: sem luz, praticamente nenhuma transação pode ser feita. “Sem eletricidade, não posso comprar”, se queixou a advogada Adriana Bellorín em declarações à agência France Presse.
Os efeitos do corte de energia ainda são desconhecidos nos hospitais, que operam em condições precárias, mas o incidente repercutiu no clima político em um momento de tensão por si só elevada. O Governo de Nicolás Maduro, através da Corporação Elétrica Nacional, denunciou uma “sabotagem” na hidrelétrica. “Isto é parte da guerra elétrica contra o Estado. Não vamos permitir! Estamos trabalhando para restabelecer o serviço”, disse a entidade pública em sua conta no Twitter. Na mesma linha, o ministro da Energia, Luis Motta Domínguez, atribuiu o corte a um ato voluntário: “Fomos objeto da guerra elétrica novamente. Desta vez, atacaram a geração e a transmissão (...) em Guri”. É “uma sabotagem criminosa, brutal”, que tenta deixar a Venezuela sem energia durante “vários dias”, acrescentou o ministro da Comunicação e um dos homens mais próximos de Maduro, Jorge Rodríguez, ao garantir que o serviço elétrico havia sido restabelecido em sua totalidade na parte oriental do país – algo que os moradores daquela região negaram – e o rápido retorno do fornecimento ao resto do país.
“Como dizer a uma mãe para cozinhar, a uma pessoa doente que é dependente de uma máquina ou a um trabalhador que tem de trabalhar, que vivemos em um país poderoso que não tem eletricidade?”, pergunta o presidente da Assembleia Nacional, reconhecido como presidente interino por mais de 50 Governos, Juan Guaidó. “A Venezuela tem claro que a luz chega com o fim da usurpação. Vamos em frente.”
A inquietação era palpável nas ruas de Caracas apenas alguns minutos depois do início dos cortes de energia. Para muitos venezuelanos um apagão é sinônimo de protestos de alguns setores da população, que há anos suporta a deterioração desenfreada dos serviços públicos, ao que se acrescenta o fantasma dos saques ou inclusive as especulações sobre a queda de braço política, que não tem um desenlace claro.
Em fevereiro, o Governo venezuelano informou dois outros supostos ataques a centrais elétricas que resultaram em apagões parciais nos Estados de Anzoátegui e Miranda. Além disso, há um ano, as Forças Armadas têm ordens específicas de custódia das instalações do sistema elétrico. No entanto, os cortes, como ficou claro nesta quinta-feira, persistem. Os especialistas e a oposição, no entanto, apontam para a falta de investimento no setor elétrico como a principal responsável pelas falhas no fornecimento, recorrentes nos últimos tempos, algo paradoxal em um país que possui vastas reservas de petróleo.
Desde 2014 a Venezuela está imersa em uma grave crise econômica que reduziu o PIB praticamente à metade e reduziu a renda per capita a níveis inéditos desde os anos 1950. A hiperinflação complicou ainda mais as coisas, com os preços subindo a uma taxa de 10.000.000% atualmente, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). No final de 2018, o país sul-americano entrou na história das grandes crises: apenas nove países, a maioria em guerra, viveram no século XXI uma depressão comparável à venezuelana.