Diante dos últimos acontecimentos na fronteira Brasil-Venezuela, quando até se noticiou que as Forças Armadas venezuelanas deslocaram mísseis antiaéreos de longo alcance S-300 para uma área próxima ao território brasileiro, surgiram várias dúvidas, principalmente a respeito da quantidade e tipo de mísseis disponíveis ao arsenal do presidente Nicolás Maduro.
Sérgio Santana* | Poder Aéreo
Pois bem.
Baseado em várias fontes, inclusive em informes de agências internacionais especializadas em aquisição de material militar, escrevi um texto acerca da situação da “Aviação Militar Bolivariana”, publicado na edição de janeiro de 2013 da revista britânica “Combat Aircraft Monthly”, texto este que foi republicado com pequenas atualizações na edição 3 da revista chilena “Vortexx em Combate” em 2015.
Sistema de defesa aérea S-300 |
O texto que se segue foi atualizado e expandido para incluir outros tipos de mísseis.
Mísseis Superfície-Ar
Entre 2011 e 2014, como resultado de acordos assinados em anos anteriores com a Federação Russa, o governo venezuelano recebeu diversos sistemas de armas antiaéreas: três baterias S-300VM/VMK “Antey 2500” (SA-23 “Gargoyle” para a OTAN) armados com 40 mísseis 9M82M e 150 exemplares do míssil 9M83M; 11 lançadores de mísseis S-125 “Pechora 2M” (SA-3 “Goa”), armados com 550 unidades retrofitadas do míssil V-601, pois são sistemas de “segunda mão”; 12 sistemas Buk M2 (SA-17 “Grizzly”), armados com 250 unidades do míssil 9M317 e, por fim, 200 lançadores com 4.000 unidades do míssil 9K388 Igla-S (SA-24 “Grinch”).
Buk-M2 |
Estes mísseis são suplementados por 40 unidades do sistema israelense Barak-1 recebidas entre 2005 e 2006, operadas por 3 lançadores ADAMS, 200 mísseis suecos Bofors RBS-70, recebidos entre 2000 e 2001 e 100 unidades do artefato francês Matra Mistral, operacionais a partir do período 2001 e 2002.
CODAI, a versão venezuelana da ZA-PVO e da RTV-PVO
É de conhecimento geral de que na antiga União Soviética a força de Defesa Aérea (designada Voyska Protivo Vozdushnoy Oborony Strany, ou abreviadamente Voyska PVO Strany) representava um ramo à parte das demais forças armadas da nação. Era uma força de proporções gigantescas, com milhares de interceptadores e mísseis superfície-ar, teoricamente prontos para repelir uma invasão por parte da OTAN ao território soviético e aos países do Pacto de Varsóvia. A “PVO” era uma força em si mesma, com sua própria organização, estando estruturada em IA-PVO (Istrebitelnaya Aviatsyia-Protivo Vozdushnoy Oborony, a Aviação de Caça da Força de Defesa Aérea); ZA-PVO (Zenitnaya Artileryia- Protivo Vozdushnoy Oborony, Artilharia Antiaérea da Força de Defesa Aérea) e a RTV-PVO (Radio Tekhnicheskie Voyska-Protivo Vozdushnoy Oborony, Tropas Radiotécnicas da Força de Defesa Aérea), responsáveis pela operação dos sistemas de comunicação e radares da PVO Strany.
Cobertura dos radares JYL-1 3D |
Há alguns anos o governo venezuelano reuniu os seus meios de Defesa Aérea no CODAI (Comando de Defesa Aeroespacial Integral). §Está estruturado em cinco brigadas: 19ª (localização de Maracaibo), 29ª (El Sombrero), 39ª (Caracas), 49ª (Barcelona), 59ª (Bolívar) e uma brigada de apoio material.
As brigadas de defesa aérea são comandadas, quase inteiramente, por generais do exército, enquanto grupos de defesa antiaérea estão a cargo do pessoal do exército, da Marinha (Buk M-2) e da Força Aérea. O comando superior da CODAI é principalmente cabe a um oficial da Força Aérea.
O CODAI possui sete grupos de monitoramento e controle: Grupo de Vigilância e Controle Oeste, Grupo de Monitoramento e Controle Los Llanos, Grupo de Vigilância e Controle Central, Grupo de Vigilância e Controle Oriente, Grupo de Monitoramento e Controle da Guayana e Grupo de Vigilância Tática e Equipe de Monitoramento. Essas unidades são equipadas com sistemas de busca e detecção, como, entre outros, os radares móveis tridmensionais de longo alcance Cetec JYL-11 e JYL-1b, fabricados na China. Em abril de 2014, o fornecimento de 26 radares e onze sistemas de comando e controle de modelos não especificados foi contratado com a China.
Em abril de 2016, o Comando de Defesa Aeroespacial Integral, sob o Comando Estratégico Operacional das Forças Armadas Nacionais (CEOFANB – Comando Estratégico Operacional da Força Nacional), criou novas unidades e reestruturou várias unidades existentes. Isto seguiu-se a uma resolução do Ministério do Poder Popular para a Defesa (Ministério do Poder Popular para a Defesa).
O 394° Grupo de Defesa de Mísseis foi transformado no 293º Grupo de Mísseis de Defesa e transferido da 39ª Brigada de Defesa Aérea da Região Estratégica de Defesa Integral Central (Redi Central) para a 29ª Brigada de Defesa Aérea da Região Estratégica de Defesa Integral de Los Llanos (REDI Los Llanos). O 239º Grupo de Mísseis de Defesa Antiárea é uma unidade estratégica nomeada pelo então Comandante Supremo Tenente-Coronel Hugo Chávez Frías, equipada com o sistema de mísseis móveis russo S-300VM Antey-2500 de longo alcance.
Foi criado e ativado o 290º Grupo Técnico de Mísseis de Defesa Antiaérea, atribuído à 29ª Brigada de Defesa Aérea, estruturado em: Comando; Bateria de Controle e Serviços; Bateria da Estação de Manutenção, Verificação e Teste; Equipamento e montagem de bateria e bateria de suprimento.
As 29ª e 39ª Brigadas de Defesa Aérea também foram reorganizadas. A 29ª Brigada tem um Comando; Segundo Comando e Chefe do Estado Maior; Um Centro Tático de Comando e Controle Regional, e as seguintes unidades táticas: 290º Grupo Técnico de Mísseis de Defesa Antiaérea; 296º Grupo de Mísseis de Defesa Antiaérea; 292º Grupo de Mísseis de Defesa Antiaérea; 293º Grupo de Mísseis de Defesa Antiaérea; 296º Grupo de Artilharia de Defesa Antiaérea (com canhões rebocados ZU-23/ZOM1-4 de 23mm); 297º Grupo de Mísseis Portáteis de Defesa Aérea e 297º Grupo de Mísseis de Defesa.
A 39ª Brigada, cuja estrutura organizacional nos níveis de Comando e Estado-Maior é semelhante à 29ª Brigada, possui as seguintes unidades táticas: 390º Grupo Técnico de Mísseis de Defesa; 391º, 392º e 393º Grupos de Defesa Antimísseis; 396º Grupo de Artilharia de Defesa Antiaérea e, 397º, 398º e 399º Grupos de Mísseis de Portáteis de Defesa Aérea.
O Grupo de Apoio Logístico da CODAI foi transformado em uma Brigada Logística, formada por uma Bateria de Comando e cinco grupos de apoio logístico: Oeste, Los Llanos, Central, Oriente e Guayana. Por sua vez, cada grupo de Apoio Logístico é composto por um Comando, uma Sede do Estado- Major Plana e cinco esquadrões de Apoio, Armas, Radar, Comunicações e Suprimentos.
Mísseis Ar-Ar
No que concerne a mísseis ar-ar, a Força Aérea da Venezuela opera 54 Rafael Python-4 recebidos em 2004 e destinados aos caças General Dynamics (hoje Lockheed Martin) F-16A/B Fighting Falcon Block 15; 100 unidades do Vympel R-27 (AA-10 “Alamo”) e outras 150 do Vympel R-73 (AA-11 “Archer”) para as aeronaves Sukhoi Su-30MK2V “Flanker-G”. Os mísseis russos foram recebidos entre 2006 e 2008. Finalmente há também 100 unidades do míssil chinês PL-5E, que armam os treinadores Hongdu K-8W, recebidos em 2010.
A Força Aérea da Venezuela também opera uma quantidade desconhecida de mísseis BVR Vympel RVV-AE (AA-12 “Adder”).
Mísseis Ar-Superfície
Dentre os artefatos guiados Ar-Superfície operados pelas aeronaves militares estão 50 mísseis Kh-29 (AS-14 “Kedge”); 50 unidades do míssil antinavio/anti-radiação Kh-31P (AS-17 “Krypton”); e outros 50 Kh-59ME Ovod (AS-18 “Kazoo”). Todos os mísseis foram recebidos entre 2006 e 2008 e são destinados aos caças “Flanker”.
Sukhois Su-30MKV e seu armamento |
Mísseis Antitanque e Superfície-Superfície
Há, ainda, no arsenal venezuelano, mísseis antitanque, na figura dos artefatos russos 9M117 Bastion (AT-10 “Stabber” ), 1000 unidades dos quais foram recebidos entre 2011 e 2013 para equipar os blindados BMP-3 e 250 mísseis chineses Red Arrow 73D, para os veículos VN-18, de mesma procedência, operacionais desde 2012.
Por fim, à disposição dos militares venezuelanos existem também mísseis superfície-superfície, a exemplo dos 14 exemplares do míssil antinavio italiano Otomat-2, recebidos em 2000 (cujo estado operacional é desconhecido) e uma quantidade desconhecida do artefato chinês YJ-83/c-802 (CSS-8 “Saccade”), recebida em 2017 e também projetada para destruir vasos de superfície.
*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL) e pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Único colaborador brasileiro regular das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News.