Em fevereiro de 1945, oficiais soviéticos conseguiram escapar do “bloco da morte” número 20 do campo de concentração de Mauthausen e juraram contar à Pátria toda a verdade sobre os crimes nazistas. A carta de um deles para Nikita Khrushchov chegou ao escritório da agência Sputnik.
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O conteúdo da carta parece um roteiro de drama trágico que horrorizaria por sua genialidade, mas para os prisioneiros do campo de concentração de Mauthausen os incidentes descritos na carta eram uma realidade fatal. Segundo dados oficiais, de 1938 a 1945 lá foram mortas 122.766 pessoas, das quais 32.180 eram cidadãos soviéticos. Especialmente terrível foi o destino daqueles que entravam no Bloco Nº 20, ou Bloco K, a partir da palavra alemã "Kugel" (que significa "bala").
Prisioneiros do campo de concentração de Mauthausen © Sputnik / Anatoli Lambros |
Muitos dos prisioneiros de Mauthausen eram oficiais soviéticos considerados "incorrigíveis".
Os normalmente meticulosos funcionários da SS nem se preocupavam em registrar esses prisioneiros. Para quê? Para os nazistas os prisioneiros, esses "porcos russos", não eram mais que material dispensável, que mortos vivos. No bloco K, perdiam a vontade de viver em duas ou três semanas. Em janeiro de 1945 para lá foram trazidos sobretudo pilotos soviéticos.
Pelo menos 7 deles conseguiram escapar da "caça aos coelhos de Mauthausen", uma caçada mortal aos prisioneiros fugitivos, depois que mais de 500 prisioneiros tentaram fugir da noite de 2 para 3 de fevereiro. Apenas 419 deles realmente escaparam do campo de concentração, os outros foram baleados na tentativa de saltar a muralha ou foram despedaçados por cães.
A carta de um dos sobreviventes, Ivan Bityukov, para Nikita Khrushchev chegou à agência Sputnik. A carta foi encontrada por um dos leitores no Arquivo Estatal da Rússia. Deve se notar que o próprio Khrushchev perdeu na guerra seu filho, que era piloto. Na carta datada de 10 de abril de 1960, Bityukov pede ao líder da União Soviética, não por si mesmo, mas pela memória de seus camaradas caídos e pede a ajuda na divulgação de sua história perante os cidadãos soviéticos. Em 2 de fevereiro, antes da fuga, os prisioneiros do "bloco da morte" juraram uns aos outros:
"Se cada um de nós aguardar pela execução da sentença, os nazistas poderão esconder seus crimes horríveis de assassínio de oficiais desarmados sem precedentes na história. Mas mesmo que apenas um de nós sobreviva, ele deverá contar à Pátria e às famílias toda a verdade sobre o ‘bloco da morte número 20', cujo nome está coberto pela barbárie nazista, torturas, sangue, tormentos humanos, morte e pela verdadeira coragem humana. Camaradas! Comunistas! Nunca nos esqueceremos do nosso feito."
"Eu choro pelos torturados, asfixiados em câmaras de gás, mortos durante o assalto às muralhas da fortaleza, baleados durante a fuga em massa, trespassados com varas de ferro em palheiros, rasgados por cães pastores alemães, mortos com torturas", escreve Bityukov em sua carta.
"A Lenda do Bloco Vinte", escrita por Sergei Smirnov, é uma das poucas crônicas sobre a fuga e conta a história de Ivan Bityukov. Durante a guerra, ele foi capitão da Força Aérea soviética, em 1943, durante os combates por Kuban, ele abalroou um avião alemão e foi forçado a pousar em território inimigo.
Ele tentou alcançar a linha de frente ao leste, mas foi ferido e capturado. Ele passou por diferentes campos de prisioneiros e uma vez consegui escapar com sucesso. Depois ele lutou ombro a ombro com guerrilheiros da Tchecoslováquia e foi novamente capturado pelos nazistas. Desta vez, o esperava o campo de concentração de Mauthausen e o bloco número 20.
No momento da escapada os prisioneiros encontraram as armas, pelo menos o que as poderia substituir — pedras de calçada. Eles esperavam que a chuva de paralelepípedos atingisse as torres de vigia com as metralhadoras inimigas. O armamento principal dos prisioneiros eram dois extintores de incêndio, que estavam pendurados nos quartos do quartel. Vários prisioneiros deveriam correr até à base da torre de vigilância e direcionar o fluxo de espuma sobre os rostos dos homens da SS, de modo que o grupo atacante pudesse escalar a torre e pegar as metralhadoras.
"Queríamos que muitas pessoas pudessem voltar para casa e contar sobre o bloco da morte. Mas havia pouca esperança de salvação. Afinal, as rádios de Viena e Linz a cada dois dias pediam à população que saísse em busca dos ‘criminosos bolcheviques' que tinham escapado", cita Bityukov a carta de um seu conhecido, Nikolai Parshin, do Bloco Nº 11. Ele conseguiu sobreviver até à libertação do campo de concentração em 5 de maio de 1945.
Ivan Bityukov fugiu com o seu amigo Viktor Ukraintsev. Durante várias horas eles atravessaram a escuridão, para cada vez mais longe campo de concentração, e finalmente chegaram aos arredores de uma cidade austríaca, não muito longe da mansão do burgomestre, um nazista fanático. Entraram sorrateiramente no galpão dessa mansão e se depararam com pessoas dormindo que não soaram o alarme.
Estas pessoas eram trabalhadores do campo do prefeito, os cidadãos soviéticos Vasily Logovatovsky e Leonid Shasharo, bem como o polaco Metik, forçados a abandonar suas terras. Eles perceberam imediatamente que perante deles estavam prisioneiros que haviam escapado de Mauthausen e os abrigaram. "O burgomestre estava procurando aqueles que tinham escapado de Mauthausen, de dia e noite, e nem imaginava que o sótão de sua casa se tornou um refúgio para os rebeldes", recorda Bityukov em sua carta.
Logo eles tiveram que se separar: eles caíram em uma emboscada alemã e Ukraintsev foi capturado. Sabendo a língua, ele fingiu ser polonês e suportou todas as torturas durante os interrogatórios e foi enviado novamente a Mauthausen, desta vez para o bloco polonês. Ele sobreviveu até à libertação do campo de concentração, e só então confessou aos seus companheiros que ele era um dos que escaparam do "bloco da morte". Ivan Bityukov continuou caminhando para o leste por muito tempo e já no território da Tchecoslováquia encontrou as tropas soviéticas.
"Também é necessário publicar tudo isto porque os militaristas da Alemanha Ocidental, liderados pelo carrasco Oberlender, novamente… enganam os jovens com suas visões misantrópicas", escreve Bityukov, provavelmente se referindo ao emprego de ex-nazistas convictos como funcionários públicos no período pós-guerra. Theodore Oberlander, por exemplo, durante o governo de Konrad Adenauer foi ministro federal da Migração, Refugiados e Vítimas da Guerra.
Dois anos depois de escrever a carta, no outono de 1962, os ex-prisioneiros do "bloco da morte" chegaram a Moscou. Desta vez eles tinham a oportunidade de cumprir o juramento dado a seus camaradas. Eles apareceram na televisão de Moscou perante milhões de cidadãos soviéticos e foram recebidos pelo vice-ministro da Defesa da União Soviética, marechal Vasily Chuykov. Em seguida, foi organizada um encontro tocante dos heróis da lendária rebelião com ex-prisioneiros do campo de concentração de Mauthausen.
Nenhum dos sobreviventes deste "bloco da morte" foi agraciado com o título de Herói da União Soviética. Nenhum dos participantes da rebelião recebeu uma medalha ou ordem. Nem um único filme foi gravado sobre isso e nem um único livro foi escrito. No tempo de Stalin, ter estado em um campo de concentração já era considerado uma desgraça.