Em uma comparação puramente numérica, as Forças Armadas brasileiras têm um contingente maior de soldados, mas não é só isso que conta
Por Clara Cerioni | Exame
São Paulo — A decisão de Nicolás Maduro de fechar a fronteira da Venezuela com o Brasil na quinta-feira (21), em sinal de retaliação à oferta de ajuda humanitária do governo de Jair Bolsonaro fez os brasileiros se questionarem sobre a possibilidade de um conflito armado entre os países.
Exército Brasileiro | Reprodução |
A população brasileira tem pouca vivência de situações de guerra, já que a última batalha do exército do Brasil na América do Sul foi na Guerra do Paraguai, em 1870, e as manifestações divergem.
Nas redes sociais, alguns pedem para o exército brasileiro invadir a Venezuela enquanto outra parcela alerta que a derrota brasileira seria vergonhosa.
Em uma comparação puramente numérica, as Forças Armadas brasileiras têm um contingente maior de soldados do que a Venezuela.
De acordo com o Military Balance, um atlas publicado pelo think tank britânico International Institute for Strategic Studies, o Brasil tinha em 2016 cerca de 660 mil combatentes, espalhados entre o Exército, a Marinha, a Força Aérea e a Força Naval. Já o regime de Maduro tinha, no mesmo ano, 207 mil soldados.
Juliano Cortinhas, professor de Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB) com experiência em política externa e defesa brasileira, explica que o fato de o Brasil ter mais que o dobro de efetivo não garante uma vitória em caso de conflito.
“Na guerra é sempre mais fácil defender do que atacar”, diz ele. E mesmo com maior número de soldados, o Brasil perde em quantidade e potência dos equipamentos.
Desde o governo de Hugo Chávez (1999-2013), a Rússia tem fornecido armamentos para os venezuelanos. Em dezembro do ano passado, por exemplo, dois bombardeiros russos com capacidade para levar armas atômicas aterrissaram em Caracas.
“O Brasil não tem, há muitos anos, a tradição de se preparar para a guerra. A Venezuela, ao contrário, sempre teve forte presença dos militares e da Guarda Nacional Bolivariana na defesa da soberania”, afirma Carolina Pedroso, pesquisadora de relações internacionais na Universidade Estadual de São Paulo.
Outra diferença é o orçamento das Forças Armadas. Em 2016, segundo o Military Balance, o governo brasileiro investiu 82 bilhões de dólares para o Ministério da Defesa contra 52 bilhões de dólares no equivalente venezuelano. Mas vale notar que por aqui, 80% do orçamento é usado para pagar salários.
Além dos números e dados, Juliano Cortinhas destaca que há fatores imensuráveis como a capacidade de resistência do exército venezuelano e o ímpeto de resistência da população.
“Se o Brasil resolver invadir a Venezuela, as consequências serão desconhecidas. O custo da decisão seria altíssimo em termos econômicos e humanos”, diz.
Parceria com EUA
Sem capacidade de deslocar, em tempo hábil, o seu contingente das Forças Armadas, uma saída que o governo Bolsonaro poderia tomar, em tese, é a de facilitar a entrada do Exército dos Estados Unidos.
Uma decisão do tipo teria que levar em conta, no entanto, o custo-benefício para o Estado e para a população brasileira tanto em termos concretos quanto estratégicos.
Historicamente, o governo brasileiro sempre teve uma postura de não-intervenção e pacificação de conflitos.
Um exemplo é a Missão de Paz da ONU no Haiti, que durante 13 anos contou com 37.449 militares brasileiros em sua operação, com alguns de seus comandantes hoje no alto escalão do governo Bolsonaro.
“Em um conflito armado, é preciso que os países tomem decisões estratégicas que levem em conta custo-benefício, objetivos e retorno positivo. Autorizar a entrada de soldados americanos não trará nada disso, ao contrário, perderíamos capacidade de liderança regional”, afirma Juliano Cortinhas.
Carolina Pedroso imagina que um conflito armado só aconteceria com estopim do outro lado: “O Brasil, provavelmente, não atacará. Mas pode se defender em caso de ação da Venezuela, como cortar energia elétrica de Roraima ou se ataques como os dessa sexta se repetirem com população daqui”.
A especialista se refere ao confronto ocorrido na sexta-feira (22), em uma comunidade indígena venezuelana na fronteira com o Brasil que deixou duas vítimas.
Além disso, Roraima é o único estado brasileiro que não está interligado ao sistema de transmissão nacional e depende de abastecimento venezuelano, mas o governo brasileiro garante que em caso de retaliação, pode suprir a falta de energia acionando usinas térmicas.
Para Cortinhas, a possibilidade de conflito seria “desastrosa” e o país deveria adotar uma negociação pela via diplomática e política mesmo em caso de reações.