O novo ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, afirmou à BBC News Brasil que a intervenção federal no Rio de Janeiro não deve ser replicada em outros estados que enfrentam crise na segurança pública. Ele classificou a medida como uma solução radical.
Laís Alegretti | BBC News Brasil
De Brasília - Na primeira entrevista exclusiva após assumir o cargo, o general da reserva não descartou a possibilidade de fechar a fronteira com a Venezuela, mas aposta que isso não deve acontecer porque "o Brasil não é um país assim".
Cerimônia de transmissão de cargo a Fernando Azevedo e Silva no Ministério da Defesa foi a única da qual Bolsonaro participou fora do Planalto | AFP |
Com a missão de reestruturar a carreira dos militares, com melhoria de salário e condições, o ministro diz entender que isso depende da recuperação econômica do país. "Temos que torcer para que a economia do Brasil dê certo, ou alavanque um pouco mais, para que sobre um pouco mais pra gente também", disse.
Ele descarta mudanças na popularmente chamada aposentadoria dos militares, sob o argumento - comum a todos os militares - de que as Forças Armadas não têm Previdência, e sim um sistema de proteção social com características diferentes devido às especificidades da carreira.
Único ministro que contou com a presença de Bolsonaro em cerimônia de transmissão de cargo fora do Palácio do Planalto, Fernando Azevedo e Silva reuniu um público de cerca de 800 pessoas - principalmente do meio militar - em evento no Clube do Exército. Na ocasião, Bolsonaro, já na condição de comandante supremo das Forças Armadas, prestou continência ao ministro.
Azevedo e Silva, logo após almoço com o presidente, disse que Bolsonaro tem muita flexibilidade e escuta muito os ministros. "Ele muda de opinião, se você convencer ele."
A entrevista do ministro foi concedida na tarde desta quinta-feira, antes da veiculação da entrevista de Bolsonaro ao SBT, na qual o presidente defendeu flexibilizar o acesso a armas por meio de decreto.
Para Azevedo e Silva, as regras no formato atual criam "a opção de ter violência só de um lado, que é a do bandido".
General de Exército da reserva, Azevedo e Silva é conhecido entre os militares por ter experiência no mundo político. Ele já trabalhou como ajudante de ordens durante o mandato do presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) e presidiu a Autoridade Pública Olímpica em 2013 e 2014. Também esteve à frente do Comando Militar do Leste e chefiou o Estado Maior do Exército. Antes de assumir o Ministério da Defesa, foi assessor especial do presidente do Supremo Tribunal Fernando, Dias Toffoli.
Confira os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - O presidente pediu que os ministros entregassem prioridades das pastas. Quais o sr. apontou?
Fernando Azevedo e Silva - A Defesa talvez seja o único ministério que tenha uma prioridade só, sempre. As forças têm que se preparar para um possível emprego, têm que estar em estado de prontidão permanente e, para isso, temos que ter os recursos necessários, uma formação necessária, temos que estar em condições de cumprir o que está no artigo 142 da Constituição (que rege as Forças Armadas, dizendo por exemplo que estas "destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem").
Apresentei a reestruturação da força como prioridade, com duas vertentes: uma é a racionalização da atividade meio para que os recursos sejam mais empregados nas atividades-fim das Forças Armadas. A outra vertente é reestruturação da carreira.
BBC News Brasil - Como reestruturar a carreira em momento de ajuste fiscal? O senhor falou em criar incentivos.
Azevedo e Silva - A reestruturação da carreira é o incentivo maior à profissão militar, com o atendimento da família militar, o problema da defasagem (salarial) em relação a outras carreira de Estado. Isso depende da recuperação econômica do país. A equipe econômica está começando uma caminhada agora. O Brasil está com problema muito sério e temos que torcer para que a economia do Brasil dê certo, ou alavanque um pouco mais, para que sobre um pouco mais para a gente também.
O governo não tem uma máquina de dinheiro. Não posso ser egoísta em relação, por exemplo, a saúde, educação e segurança pública. Tenho que enxergar que o Brasil tem uma demanda muito grande nesses itens.
BBC News Brasil - Sobre a atuação das Forças Armadas na fronteira com a Venezuela, o senhor prevê continuidade na interiorização ou pode haver mudança?
Azevedo e Silva - Aquilo é uma ajuda humanitária, que enquadramos como operação logística e visa a acolher os venezuelanos que nos procuram, dar atendimento médico, alimentação, higiene, e fazer interiorização. É uma ajuda grande que estamos dando ao povo venezuelano, que está em dificuldade.
Os recursos estão previstos até o fim de março e não podemos colocar recursos orçamentários nossos (da Defesa) em uma missão dessa, porque aquilo ali é um problema do país. Só contamos com recursos para o preparo, não para o emprego (das Forças Armadas), a não ser em emergência. Aquilo não é emergência, já está há um ano ali.
BBC News Brasil - Então, vai depender de quem?
Azevedo e Silva - Vai depender da Presidência em disponibilizar recursos e tem o ajuste político, se vai continuar… Eu acredito que continue. Ainda tem uma passagem na fronteira de Pacaraima (RR) de 500 venezuelanos por dia, contando turistas. Os abrigos nossos estão no limite e a interiorização é um processo, o Estado tem que acolher.
BBC News Brasil - Sem essa verba, qual seria a opção? Fechar a fronteira?
Azevedo e Silva - Não foram pensadas as opções. Essa não deixa de ser uma, mas é radical demais, o Brasil não é um país assim. Eu acredito que não aconteça.
BBC News Brasil - Como o sr. vê a possibilidade de ampliar o acesso a armas? Vai aumentar ou diminuir a segurança no país?
Azevedo e Silva - Não é aumentar, o termo é flexibilizar mais, sem abrir mão de algumas exigências, como o exame psicotécnico, a questão dos antecedentes criminais e qual é a verdadeira necessidade. Não vai se abrir o porte de arma, não é isso. É uma flexibilidade um pouco maior.
BBC News Brasil - Isso vai aumentar a segurança?
Azevedo e Silva - Eu acho que sim. As estatísticas do mundo apontam nessa direção. É um problema de dissuasão. Por que o bandido está com um fuzil cada vez mais sofisticado e um proprietário rural não pode defender suas terras? Ele tem que ter algumas armas em relação a isso, mas tem que ser bem amarrado.
BBC News Brasil - Sobre as estatísticas, ter mais armas circulando não traz mais violência?
Azevedo e Silva - Vamos enxergar um outro lado: aí vai dar a opção de ter violência só de um lado, que é a do bandido, do jeito que é hoje.
BBC News Brasil - Vários Estados brasileiros passam por crise na segurança pública. O exemplo da intervenção federal no Rio de Janeiro é um modelo que deve ser replicado em outros lugares?
Azevedo e Silva - Não. A intervenção foi um instrumento muito forte, que mostrou a incapacidade de o Estado prover a segurança pública, que é dever previsto na Constituição. O ideal é que o Estado tenha seus meios para a questão de segurança pública. Essa aí é uma solução um pouco radical, mas foi necessária. O que o governo federal tem que fazer é uma coordenação maior em nível de Brasil numa parte comum regulatória, de leis, de inteligência. Mas o agente responsável pela segurança pública tem que ser fortalecido no Estado.
BBC News Brasil - O presidente foi eleito com discurso voltado para questão da segurança. O sr. prevê uma cobrança de governos locais e população por uma atuação maior das Forças Armadas nessa área?
Azevedo e Silva - Não. A demanda já estava sendo feita há tempos, a respeito de ajuda nossa. No Rio, que a situação era pior um pouco, foi a intervenção. O grande resultado dela será (visto) se o governo que está assumindo seguir o previsto no plano estratégico de segurança pública do Rio, que foi feito pelo governo de intervenção. Em nove meses não é possível mudar radicalmente o quadro local, mas, se seguir aquele planejamento, a médio e longo prazo o Rio terá resultado muito bom.
BBC News Brasil - O que muda para o Brasil e o meio militar o fato de ter sido eleito um presidente vinculado à imagem das Forças Armadas?
Azevedo e Silva - Isso é um pensamento que vocês colocam, mas que não está muito certo. Uma coisa é que o presidente Bolsonaro foi eleito legitimamente. Outra coisa é que a origem dele é militar. Ele foi formado com todo o mérito na Academia Militar das Agulhas Negras. Nós temos muito orgulho em ter o primeiro presidente da República eleito pelo voto formado nos bancos acadêmicos da Academia Militar das Agulhas Negras. Outra coisa é que ele tem uma bagagem parlamentar muito grande. Ele conhece profundamente as coisas de interesse das Forças Armadas pelos mandatos como parlamentar.
BBC News Brasil - Então, nas palavras do sr., o que muda no país tendo "o primeiro presidente da República eleito pelo voto formado nos bancos acadêmicos da Academia Militar das Agulhas Negras"?
Azevedo e Silva - Ele tem uma formação rígida e ele não provou isso só nos 18 anos de serviço que ele teve, mas nos 27 anos de mandato parlamentar. Você não tem um processo, uma queixa, uma coisa com problema de honestidade e desvio de recurso. Ele foi de um mandato parlamentar muito íntegro.
BBC News Brasil - Ministro, mas e a questão do Queiroz, ex-assessor, e também da funcionária do gabinete dele…
Azevedo e Silva - O assessor era do filho dele, aí é outro problema. Estamos falando do presidente supremo das Forças Armadas. Dos outros, não vou me pronunciar, não.
BBC News Brasil - Durante a posse, houve reclamação dos jornalistas sobre o tratamento dado à imprensa. Inclusive jornalistas estrangeiros deixaram a cobertura. O que o sr. achou das condições?
Azevedo e Silva - Eu não cheguei a ver isso aí, não acompanhei.
BBC News Brasil - O sr. tem uma relação cordial com a imprensa, mencionou no seu discurso de posse a importância da mídia para a transparência e para cobrar o governo. É muito diferente do perfil do Bolsonaro. O sr. acredita que ele vai manter esse perfil?
Azevedo e Silva - São características pessoais e funcionais. Ele tem uma coisa moderna, que eu não tenho, as redes sociais. A imprensa ainda tem que se acostumar um pouco mais de não ser a gerente do furo de reportagem. Coloca no Twitter "nomeei o ministro fulano de tal", acabou o furo de reportagem. Ele é o autor. O WhatsApp, Twitter, Instagram, deram ligação direta entre o personagem e o público, sem intermediários. Ele usa bem isso, como outros presidentes estão usando. Eu não tenho. Eu prefiro conversar e extrair o que vocês (jornalistas) estão pensando.
Ele parece que é uma pessoa difícil e dura, mas não é. Ele tem muita flexibilidade e escuta muito os ministros. Ele muda de opinião, se você convencer ele.
BBC News Brasil - A reforma da Previdência é um assunto delicado para vocês, porque argumentam que têm um sistema social paralelo e não chamam de aposentadoria. Mas se fala muito da necessidade de mudar regras para os militares. O sr. vai defender que não haja mudança para esse público?
Azevedo e Silva - Os militares não serão atingidos, porque o militar não tem Previdência.
BBC News Brasil - E uma mudança no sistema de proteção social, como vocês denominam?
Azevedo e Silva - É uma outra discussão. Se o projeto for para mudar o sistema previdenciário, nós não estamos nele. Temos uma proteção por causa das especificidades da carreira militar.
BBC News Brasil - Vocês não gostam de comparação com o mundo civil...
Azevedo e Silva - Não é que a gente não gosta, é outro conceito: não é justo.
BBC News Brasil - Entre militares, comparando com outros países, há países em que os militares vão mais tarde para a reserva.
Azevedo e Silva - Quem tem sistema previdenciário (para militares) no mundo são três ou quatro países só, no restante tem sistema diferenciado.
BBC News Brasil - Bolsonaro iniciou o discurso dele na cerimônia de posse do sr. com uma fala de agradecimento ao comandante do Exército, general Villas Boas, e disse que ele é um dos responsáveis pela chegada à Presidência. Despertou curiosidade ele dizer ao comandante do Exército: "o que já conversamos ficará entre nós". O que eles conversaram?
Azevedo e Silva - Tendo em vista a situação delicada do nosso comandante, uma doença danosa, ele quis fazer um agrado ali e dar a importância ao general. A minha leitura foi essa. Eles conversam. Como os outros candidatos foram conversar, Bolsonaro quando lançou a candidatura foi falar com ele, o Villas Boas deve ter dado alguns conselhos a ele. Ele quis dar uma deferência especial ao comandante do Exército. Agora, se tem alguma coisa, os dois conversaram sós, eu não sei, não.
BBC News Brasil - Por que a cerimônia de transmissão de cargo do sr. foi a única que o presidente participou fora do Planalto?
Azevedo e Silva - Quem sabe ele tinha um horário disponível? (risos) Ele foi porque é a origem dele. É como você ser convidada a ir para a formatura da faculdade antiga sua: vai arrumar tempo e vai. Ali ele foi metade como presidente e metade como comandante supremo das Forças Armadas, que a Constituição diz que é ele. Foi a primeira solenidade que ele poderia ser investido de comandante supremo das Forças Armadas.