Senadores americanos classificam retirada de tropas "de erro prematuro" e que encoraja "ditadura de Assad". Milícias curdas temem ser exterminadas por Ancara, e Paris e Londres apontam que EI ainda não está erradicado.
Deutsch Welle
A decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de retirar as tropas americanas da Síria, sob a argumentação de que a organização terrorista "Estado Islâmico" (EI) teria sido derrotada no país, foi recebida com críticas por senadores americanos, autoridades militares e aliados estrangeiros.
Soldados identificados pelas Forças Democráticas da Síria como forças especiais americanas, em Raqqa, em 2016 |
Senadores dos Estados Unidos, incluindo importantes nomes da ala republicana, divulgaram uma carta na qual conclamam Trump a reconsiderar sua decisão de retirar as forças americanas da Síria e afirmaram que a retirada do país devastado pela guerra neste momento seria "um erro prematuro e caro".
"Se decidir seguir com sua decisão de retirar nossas tropas da Síria, qualquer remanescente do EI na Síria certamente renovará e estimulará seus esforços na região", diz um trecho da carta. Os senadores acrescentaram que a medida também pode encorajar a "ditadura brutal de Bashar al-Assad", o presidente sírio, a fortalecer os "adversários dos EUA", Irã e Rússia.
"Seu governo não deve repetir os mesmos erros que os governos anteriores cometeram e ceder a esses maus agentes", diz a carta. Entre os signatários estão os republicanos Marco Rubio, senador da Flórida, e Lindsey Graham, senador da Carolina do Sul e chefe da Comissão do Senado dos EUA sobre o Judiciário, além de outros republicanos, democratas e independentes.
O senador Graham, considerado um aliado de Trump, classificou a retirada das tropas da Síria de um "grande erro à la Obama". "Uma retirada americana neste momento representa uma grande vitória para o EI, para o Irã, para Bashar al-Assad e para a Rússia", disse.
Anteriormente, Graham já havia afirmado que a saída das forças americanas coloca também em risco os aliados dos EUA, especialmente os curdos. Os EUA são aliados das Unidades de Proteção Popular (YPG), uma milícia curda síria que controla grandes áreas do norte do país, na fronteira com a Turquia.
Por outro lado, o senador republicano do estado de Kentucky, Rand Paul, elogiou a decisão de Trump. "Pela primeira vez em minha vida vejo um presidente com a coragem de declarar vitória e trazer as tropas para casa. Não tivemos um presidente em 20 ou 30 anos que conseguiu descobrir como declarar vitória", disse.
Washington confiou nas forças curdas como a forma mais eficaz na batalha contra o "Estado Islâmico" na Síria, mas isso tem irritado Ancara, que afirma que as YPG estão ligadas ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), acusado de suscitar uma insurgência na Turquia.
A relação entre Ancara e Washington tem sido tensa devido ao conflito na Síria. Mas a notícia da retirada americana da Síria foi bem recebida na Turquia, que disse que militantes curdos a leste do rio Eufrates "serão enterrados em suas valas quando chegar a hora".
"Diz-se atualmente que algumas valas e túneis foram cavados em Manbij e ao leste do Eufrates. Eles podem cavar, se quiserem, podem ir para o subsolo se quiserem, mas quando a hora chegar, eles serão enterrados nas valas que cavaram. Ninguém deveria duvidar disso", disse o ministro da Defesa, Hulusi Akar, segundo a agência estatal turca de notícias Anadolu.
Na semana passada, por exemplo, o presidente turco, Recep Tayyp Erdogan, anunciara que a Turquia lançará uma nova ofensiva militar contra militantes curdos. Após o anúncio de Trump, os curdos sírios alertaram que uma provável incursão turca na Síria poderia resultar na fuga de milhares de militantes do "Estado Islâmico".
"Temos um certo montante de combatentes estrangeiros detidos. Qualquer caos na área ou qualquer ataque turco pode dar a esses criminosos a chance de escapar", disse Abdel Kareem Umer, chefe das relações externas das Forças Democráticas da Síria (SDF), um grupo rebelde dominado pelas forças curdas e aliado dos EUA.
O Observatório Sírio dos Direitos Humanos afirmou que as Forças Democráticas da Síria estavam considerando libertar cerca de 3.200 combatentes estrangeiros do "Estado Islâmico" e suas famílias da detenção depois que seus países de origem se recusaram a recebê-los. Embora negue o relato do Observatório, Umer pediu aos países dos detidos que aceitassem suas repatriações.
Paris e Londres: "Muito trabalho a ser feito"
A França divulgou que manterá sua participação na coalizão que luta contra os jihadistas na Síria. "Por enquanto, é claro, continuamos na Síria", disse a ministra de Assuntos Europeus da França, Nathalie Loiseau, que acrescentou que "a luta contra o terrorismo não acabou".
A França tem caças militares estacionados na Jordânia, um número não revelado de forças especiais em território sírio e artilharia ao longo da fronteira síria com o Iraque – medidas que fazem parte da coalizão militar liderada pelos EUA.
A ministra de Defesa da França, Florence Parly, disse em sua conta no Twitter que o grupo extremista "não foi erradicado do mapa, nem as suas raízes" e que "devemos derrotar definitivamente os últimos focos dessa organização terrorista".
O Ministério do Exterior do Reino Unido afirmou que o EI está longe de ser vencido. "A coalizão internacional contra o EI fez enormes progressos, mas falta muito por fazer e não devemos perder de vista a ameaça que ele representa. Mesmo sem território, continua sendo uma ameaça", afirmou a diplomacia britânica, em comunicado.
A Rússia, que tem apoiado Assad durante os quase oito anos de guerra civil, reclamou na quarta-feira (19/12) sobre a presença americana na Síria. "A presença ilegal americana na Síria está mudando de um fator na luta contra o terrorismo internacional para um obstáculo perigoso para uma resolução", disse a porta-voz do Ministério do Exterior da Rússia, Maria Zakharova.
Em setembro de 2014, o então presidente americano Barack Obama lançou uma campanha de ataques aéreos contra o EI na Síria, um mês depois de ter iniciado ataques aéreos no Iraque. No fim de 2015, as primeiras tropas americanas entraram na Síria – o número aumentou de 50 para os atuais dois mil soldados.
A coalizão liderada pelos EUA executou ataques aéreos em 17 mil localizações – somente na semana passada foram realizados 208 bombardeios. Milhares de extremistas foram mortos ou capturados, mas autoridades militares americanas afirmam que ao menos dois mil insurgentes estão ativos e espalhados pela Síria.