Aliadas dos EUA na luta contra o "Estado Islâmico", milícias curdas temem ofensiva militar da Turquia no norte da Síria se não houver mais presença americana na região e se sentem abandonadas.
Deutsch Welle
As milícias curdas na Síria, aliadas dos Estados Unidos, criticaram nesta quinta-feira (20/12) a decisão do presidente Donald Trump de retirar as tropas americanas do país árabe, um movimento que deixa os curdos expostos a ameaças militares turcas ou pode forçá-los a cooperar com o regime do presidente Bashar al-Assad.
Em busca de autonomia no norte da Síria, os curdos se aliaram à guerra ocidental contra o EI |
Num anúncio inesperado na quarta-feira, Trump ordenou a retirada total de seus soldados do território sírio, que oficialmente são cerca de 2 mil, argumentando que o grupo jihadista "Estado Islâmico" (EI) foi derrotado no país.
O anúncio foi recebido como um abandono pelas milícias curdas e coincidiu com a notícia de que Washington aprovou uma venda de mísseis patriots no valor de 3,5 bilhões de dólares para a Turquia, aliada dos EUA na Otan que prepara uma ofensiva contra os turcos.
As Forças Democráticas da Síria (SDF), que são lideradas pela milícia curda Unidades de Proteção Popular (YPG), rejeitaram a declaração de Trump e alertaram que a saída das tropas americanas antes que se atinja o objetivo de derrotar o "Estado Islâmico" levaria a um ressurgimento do grupo extremista.
"A guerra contra o terrorismo não acabou, e [o EI] não foi derrotado", afirmaram os curdos, acrescentando que a batalha contra os jihadistas está num estágio decisivo que requer ainda mais apoio da coalizão liderada pelos Estados Unidos.
A SDF ainda advertiu para um efeito desestabilizador na região e no mundo. "[A retirada prematura] atingirá diretamente os esforços para derrotar completamente a organização terrorista 'Estado Islâmico' e terá consequências perigosas para a paz e a estabilidade globais."
As Forças Democráticas da Síria têm desempenhado um papel importante na luta contra o "Estado Islâmico" na Síria, tendo assumido o controle da maior parte dos redutos do grupo jihadista nas províncias de Raqqa e de Deir al-Zour.
A decisão americana de deixar a Síria deixa os curdos mais expostos e ameaçados, uma vez que ocorre num momento em que a Turquia se prepara para sua terceira ofensiva militar no norte do país árabe, contra os curdos.
A ofensiva militar tem como alvo as chamadas Unidades de Proteção Popular (YPG), milícia curda apoiada por Washington na luta contra o "Estado Islâmico". A Turquia considera as YPG uma ramificação terrorista do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que promove uma insurgência contra o Estado turco desde 1984.
"Nós temos [a cidade de] Manbij e o leste do rio Eufrates à nossa frente agora. Estamos trabalhando intensamente nisso", disse o ministro turco da Defesa, Hulusi Akar, referindo-se ao planejado ataque contra os curdos anunciado dias antes pelo presidente Recep Tayyip Erdogan.
"Se a decisão [americana] de retirada for realmente implementada, isso abrirá caminho para a Turquia lançar suas operações contra os curdos, e uma guerra sangrenta terá início", afirmou o analista Mutlu Civiroglu.
O especialista Joshua Landis, diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Oklahoma, concorda. "Claramente esta decisão é um golpe para as aspirações e esperanças curdas no norte da Síria."
Para Joost Hiltermann, do think tank International Crisis Group, a retirada americana deixaria os curdos mais expostos do que nunca. "A decisão deixaria as Forças Democráticas da Síria, aliadas dos Estados Unidos, a ver navios. Tanto a Turquia como a Síria querem eliminar as YPG como um ator militar."