Congressistas se mostram indignados com declaração de Trump sobre assassinato de jornalista saudita. Mas histórico mostra que, na prática, nada ocorre, e assunto acaba esquecido.
Michael Knigge | Deutsch Welle
Como esperado, os senadores republicanos Jeff Flake e Bob Corker – os críticos usuais, que repetidamente atacaram o presidente Donald Trump e vêm discutindo com ele desde que assumiu o cargo, há quase dois anos – assumiram a liderança das vozes críticas no caso Khashoggi.
Príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, durante visita a Donald Trump em Washington |
"'Grandes aliados' não planejam o assassinato de jornalistas, senhor presidente", escreveu Flake no Twitter. "'Grandes aliados' não atraem seus próprios cidadãos para uma armadilha e depois os matam", acrescentou.
Corker, presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, não ficou para trás: ele também recorreu ao Twitter e declarou: "Eu nunca pensei em, um dia, ver a Casa Branca fazendo hora extra como assessora de relações públicas do príncipe herdeiro da Arábia Saudita".
Em tuítes adicionais, Corker escreveu que o presidente é obrigado por lei a relatar ao Comitê de Relações Exteriores do Senado se o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, é o responsável pelo assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi. Além disso, o senador prometeu que o Congresso usará todos os meios a sua disposição para abordar o problema.
Há, porém, um problema com os duros pronunciamentos de Corker. Restam ao senador apenas cerca de 30 dias como presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado antes de ele deixar o Congresso, já que optou por não buscar a reeleição diante da oposição de Trump à sua candidatura.
O mesmo vale para Flake, que também decidiu desistir em vez de tentar lutar contra Trump e manter seu assento no Senado. Durante grande parte de seus mandatos, Corker e Flake poucas vezes transformaram suas críticas a Trump em atos legislativos, o que levanta a questão de por que isso deveria seria diferente agora.
O que esvazia ainda mais o duro discurso de Flake e Corker, e também o de outros republicanos proeminentes, como os senadores Lindsay Graham ou Rand Paul, é o fato de ser altamente improvável que o ineficiente Congresso dominado pelos republicanos, nas últimas semanas que lhe restam, venha a votar qualquer lei significativa sobre qualquer assunto, muito menos um que certamente colidirá com a Casa Branca.
"No passado, vimos muitas vezes que uma série de políticos republicanos expressou sua infelicidade com o presidente ou consternação com uma medida tomada por ele, prometendo fazer alguma coisa contra isso, mas raramente algo aconteceu", disse o analista Norman Ornstein, estudioso do Congresso americano no think tank conservador American Enterprise Institute (AEI).
O ex-estrategista republicano Reed Galen, que trabalhou nas campanhas de John McCain, Arnold Schwarzenegger e George W. Bush, foi ainda mais incisivo em sua crítica. Como atual estrategista-chefe do Serve America Movement, seu objetivo é acabar com o domínio bipartidário em Washington.
"Há muito que já perdi a esperança de que eles o confrontem em qualquer tema em que ele aja contra as tradições ou até mesmo contra a decência", respondeu Galen quando indagado sobre a possibilidade de os congressistas republicanos não somente criticarem Trump, mas também fazerem algo diante do assassinato de Khashoggi.
Para Jamie Fly, ex-assessor de política externa do senador Marco Rubio, a questão está muito longe de ser resolvida. Embora ele admita que seja improvável que o ineficiente Congresso venha a agir, o futuro Congresso, incluindo muitos parlamentares republicanos, poderá abordar a questão.
"Se o governo continuar a agir como se não houvesse nenhum problema e como se as coisas pudessem prosseguir como de costume, acho que vai se deparar com algum tipo de confrontação com o Congresso", afirmou Fly, que hoje é pesquisador sênior da fundação independente German Marshall Fund, que estuda as relações transatlânticas na política, economia e sociedade.
Ele assinalou que, ao contrário de muitas outras questões, como a imigração, a forma de lidar com a Arábia Saudita não é uma preocupação primordial para a base política de Trump, o que torna mais fácil para os republicanos romper com o presidente sobre o assunto.
Segundo Fly, nos últimos anos, tanto entre democratas como entre republicanos, tem havido questionamentos sobre os estreitos laços entre EUA e Arábia Saudita, as vendas de armas para o país e o conflito do Iêmen. "Então, não será difícil para os republicanos tomarem uma posição clara sobre esse problema", disse Fly.
Ornstein compartilha o ponto de vista de que a Arábia Saudita não seja uma grande questão para os eleitores do Trump. Mas, dado o histórico do Partido Republicano e os possíveis obstáculos que um projeto de lei enfrentaria, ele disse continuar profundamente cético de que qualquer ação legislativa significativa contra a Arábia Saudita venha a ser bem-sucedida, seja no atual, seja no futuro Congresso.
"Quase tudo que o Congresso fizer, o presidente vai vetar", diz Ornstein. Para ser derrubado, um veto presidencial exige dois terços nas duas câmaras do Congresso. "Espero vir a me surpreender e estar errado, mas não vejo nada neste momento – nada na história – que sustente isso."
Além disso, acrescenta Galen, "a política é um negócio muito rápido hoje. Se esse assunto se estender por muito tempo, então a atenção pública vai se voltar para outra coisa na próxima semana."
Assim, Ornstein pode estar certo ao dizer que "há muito burburinho e confusão, mas nenhuma ação se seguirá".