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09 novembro 2018

Os dinamarqueses que desafiaram Hitler

Em 29 de setembro de 1943, um rabino dinamarquês interrompeu o serviço matinal na sinagoga Krystalgade, em Copenhague, e disse: "Não temos tempo agora para continuar as rezas. Temos notícias de que, na próxima sexta-feira à noite, entre 1º e 2 de outubro, a Gestapo virá prender todos os judeus dinamarqueses. Eles têm uma lista de endereços e irão à casa de cada judeu e nos levarão, em dois grandes navios que estarão esperando no porto de Copenhague, para campos de concentração do continente".


Fiona Macdonald | BBC Culture

Marcus Melchior afirmou a todos: "Há duas coisas que vocês devem fazer. Primeiro, vocês devem ficar longe de suas casas na sexta-feira à noite. O que acontecerá depois não sabemos, mas na sexta à noite, de qualquer maneira, não fique em casa. Segundo, passe essa informação a quantos amigos, familiares ou a quantas pessoas puder, de modo que eles também deixem suas casas na sexta".


Porto de Gilleleje
Rede secreta formada pela população não judaica do país transportou quase 8 mil pessoas em pequenos barcos que cruzaram o estreito de Øresund até a Suécia | JUDY GLICKMAN LAUDER

Os dias seguintes marcaram uma das histórias mais impressionantes de resistência da Segunda Guerra Mundial. Sob ordens de Hitler, os judeus dinamarqueses foram deportados em 1º de outubro de 1943. Mas, no espaço de poucas semanas, uma rede secreta formada pela população não judaica do país transportou quase 8 mil pessoas em pequenos barcos que cruzaram o estreito de Øresund até a neutra Suécia.

A fotógrafa Judy Glickman Lauder contou essa história em uma série de retratos dos sobreviventes judeus e seus salvadores. Seu novo livro, Beyond the Shadows: The Holocaust and the Danish Exception ("Além das sombras: o Holocausto e a Exceção Dinamarquesa", em tradução livre), reúne fotografias que celebram o 75º aniversário do resgate.

Nos últimos 30 anos, Lauder fotografou locais que abrigaram campos de concentração nazista, como Auschwitz. Algumas dessas fotos aparecem no livro, embora a publicação também tente passar com as imagens uma mensagem de esperança.

"O estudioso do Holocausto Raul Hilberg observou que a vida sobre o regime nazista reduzia todos a três categorias: perpetrador, vítima ou observador", escreve ela no livro. "Mas houve exceções à regra de Hilberg - pequenas, mas importantes exceções de pessoas e comunidades que nem eram perpetradores, nem vítimas, e que se recusaram a ser observadoras".

"Tive a oportunidade de conhecer, entrevistar e fotografar os líderes da resistência dinamarquesa, salvadores e sobreviventes judeus. Essas pessoas extraordinárias compartilharam suas experiências e me conduziram aos locais onde os eventos de 1943 se desenvolveram. Muitos não conseguiam entender por que eu queria fazer seus retratos. 'Fizemos o que tínhamos que fazer, disseram, como se isso fosse óbvio. Mas, na realidade, outros poucos fizeram o mesmo que eles".

Junto com a história de violência, argumenta Judith Goldstein em um ensaio no Beyond the Shadows, "há outra história igualmente importante que foi explorada: de resistência, resiliência e de proteção de minorias por indivíduos corajosos, comunidades e, algumas vezes, pelas próprias nações".

"Na noite de primeiro e segundo de outubro, o ataque alemão aconteceu", afirmou Bent, filho de Melchior, no Beyond the Shadows. Dos oito mil judeus na Dinamarca, os alemães encontraram apenas cerca de 200 pessoas em suas casas. Alguns ouviram as notícias, mas se recusaram a acreditar nelas. Já outros, não conseguimos avisar".

"Todos os outros estavam dispersos entre casas, hospitais ou em qualquer lugar que conseguissem se esconder. Ninguém estava preparado para isso, nada foi organizado com antecedência; tratou-se de um movimento comunitário de pessoas resolvendo o assunto com suas próprias mãos, que cuidaram para que nos mantivéssemos longe dos alemães".

"Fomos para a estação Pårup (a última parada antes de Gilleleje) buscar um comboio de pessoas e distribuí-las entre as grandes fazendas", contou Jens Møller.

"Mas eram tantas pessoas que não havia espaço suficiente, e os que sobraram ficaram muito descontentes. Levamos um casal de idosos e um casal jovem com bebês gêmeos para a nossa casa, e alguns para a do carpinteiro. Os vizinhos trouxeram pão e manteiga. Eles ficaram por três dias. E eu corria de um lado para outro do porto para ver quando haveria espaço para eles atravessarem".

"A Dinamarca foi o único país da Europa Ocidental ocupado pela Alemanha nazista que foi capaz de salvar a população judaica", contou Glinkman Lauder no livro. "Enquanto o mau e o medo tomaram conta de quase toda a Europa, os dinamarqueses mantiveram sua humanidade e resgataram aqueles em perigo."

Herbert Pundik tinha 16 anos quando sua família fugiu para a Suécia.

"Dois incidentes ficaram marcados das memórias caóticas dos dias de medo e angústia passados enquanto tentávamos encontrar uma rota de fuga para a Suécia", ele conta.

"Um tem relação com o meu pai: corríamos numa floresta escura. Meu pai tropeçou e caiu no chão. A queda do meu pai, que até então fora uma figura protetora, o chefe da família, de repente mostrou sua vulnerabilidade, seu medo, sua perda de controle. Só naquele momento, na floresta escura, que eu percebi o perigo da situação".

"No segundo incidente, estamos a bordo de uma embarcação de pesca, deixando a costa da Dinamarca, em busca de segurança na Suécia", lembra Pundik. "Eu me virei para ver a Dinamarca pela última vez. Sob luz da manhã, eu vi a mulher do pescador e o homem e a mulher que nos ofereceram segurança enquanto esperávamos para escapar, ajoelhados na areia, com mãos estendidas para o céu, numa oração silenciosa."

Os retratos de Glickman Lauder trazem a lembrança de um momento na história em que pessoa comuns se arriscaram para ajudar as outras. "Embora a história dinamarquesa seja pequena em relação a números - afetando uma mínima fração dos perseguidos pelos nazistas - ela tem um peso enorme", diz Lauder.

"É uma história sobre uma população que provou ser possível fazer a diferença e que se recusou a enxergar uma minoria como 'o outro'. Isto foi verdade em todos os níveis da sociedade dinamarquesa, desde os pescadores que remaram na escuridão para desembarcar judeus na segura Suécia até o rei Cristiano 10, que visitou a sinagoga Krystalgade, de Copenhague, em um ato de solidariedade e que se recusou a ser cúmplice da perseguição nazista aos judeus."

Posteriormente, o Prêmio Nobel e sobrevivente do Holocausto Elie Wiesel escreveu: "Naqueles tempos, uma pessoa chegava ao topo da humanidade simplesmente permanecendo humana".

Para Glickman Lauder, esse é o poder real das imagens. "Os dinamarqueses simbolizam para mim esperança - a força da bondade em um mundo enlouquecido".

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