Sinalizações positivas, contradições e múltiplos desafios dominam nova área de Defesa
Por Roberto Lopes | Forças Terrestres
“As Forças Armadas farão parte da política de governo; não serão deixadas em segundo plano como aconteceu no governo Fernando Henrique e no governo do Lula”.
Leopard e M113 do EB |
Essa declaração – não provocada – do presidente eleito Jair Bolsonaro, durante uma entrevista coletiva em sua residência do Rio, na tarde da última quinta-feira (01.11), foi, até agora, a sinalização mais clara – e de mais alto nível – de que os militares brasileiros podem aguardar uma fase de prestígio renovado – leia-se, de maiores recursos.
Mas há controvérsias.
Quarenta e oito horas antes da coletiva, o vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, chegou à casa de Bolsonaro dizendo para os jornalistas que não haverá “dinheiro extra” para os militares.
O blog Forças Terrestres apurou que Mourão jogou essa ducha de água fria repetindo um mantra do economista Paulo Guedes, especialista escolhido por Bolsonaro para ser o xerife da área econômica no governo que emergiu das urnas. Como todos os seus pares, historicamente, Guedes, na seara das Forças Armadas, quer “cortar”, não quer “prestigiar”.
A diferença dele para os ministros da Fazenda que o antecederam, é que, agora, o economista-chefe terá um “patrão” militar (na verdade, dois, se considerarmos Mourão) que compreende, melhor do que qualquer chefe de governo dos últimos 35 anos, a importância de um país com as dimensões, riquezas e responsabilidades do Brasil, dispor de um aparato de Defesa minimamente preparado para responder a uma ameaça.
Embraer-Boeing
No pequeno conjunto de sinalizações positivas para os militares que vicejam nessa fase pós-vitória na eleição, é de se notar, também, o interesse manifesto do presidente eleito por aproximar seu futuro governo da tecnologia israelense.
Move Bolsonaro, a princípio, o desejo de trazer para o Brasil as técnicas desenvolvidas em Israel para o aproveitamento do potencial agrícola de regiões áridas. Mas há poucas dúvidas: daí ao chefe da Nação se interessar pela cooperação na área militar é só um pulinho.
E como alguns militares brasileiros lembraram ao Forças Terrestres, quando se fala em tecnologia militar de Israel, se está falando, implicitamente, em tecnologia militar americana.
Essa aproximação “por tabela” e a admiração confessa de Bolsonaro pelos Estados Unidos, deve dar rumos definitivos à Base Espacial de Alcântara, no Maranhão, e, possivelmente, à associação da Embraer com a Boeing – negociação que o Ministério da Defesa, em Brasília, percebe como de enorme potencial para as Forças Armadas mas, aparentemente, desinteressada de fortalecer a área militar brasileira.
De resto, é preciso dizer que há um rol enorme de dúvidas, incertezas e desafios na nova área de Defesa.
A começar de quem mandará em quem.
Parece certo que, eleito comandante-em-chefe das Forças Armadas aos 63 anos de idade, o capitão da reserva Bolsonaro terá o controle do setor militar, mas há dúvidas sobre a autonomia (e a vitalidade) do ministro escolhido para a Pasta da Defesa, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira – de 71 anos completados nesta última segunda-feira, 29.
Especialmente em face da mania do seu colega mais moderno, general Hamilton Mourão, novo vice-presidente, de distribuir “pitacos” sobre quaisquer assuntos.
Heleno já terá problemas suficientes, para ainda ter que se preocupar com os incômodos produzidos pelos rompantes do vice.
MPA
Embraer KC-390 |
Move Bolsonaro, a princípio, o desejo de trazer para o Brasil as técnicas desenvolvidas em Israel para o aproveitamento do potencial agrícola de regiões áridas. Mas há poucas dúvidas: daí ao chefe da Nação se interessar pela cooperação na área militar é só um pulinho.
E como alguns militares brasileiros lembraram ao Forças Terrestres, quando se fala em tecnologia militar de Israel, se está falando, implicitamente, em tecnologia militar americana.
Essa aproximação “por tabela” e a admiração confessa de Bolsonaro pelos Estados Unidos, deve dar rumos definitivos à Base Espacial de Alcântara, no Maranhão, e, possivelmente, à associação da Embraer com a Boeing – negociação que o Ministério da Defesa, em Brasília, percebe como de enorme potencial para as Forças Armadas mas, aparentemente, desinteressada de fortalecer a área militar brasileira.
De resto, é preciso dizer que há um rol enorme de dúvidas, incertezas e desafios na nova área de Defesa.
A começar de quem mandará em quem.
Parece certo que, eleito comandante-em-chefe das Forças Armadas aos 63 anos de idade, o capitão da reserva Bolsonaro terá o controle do setor militar, mas há dúvidas sobre a autonomia (e a vitalidade) do ministro escolhido para a Pasta da Defesa, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira – de 71 anos completados nesta última segunda-feira, 29.
Especialmente em face da mania do seu colega mais moderno, general Hamilton Mourão, novo vice-presidente, de distribuir “pitacos” sobre quaisquer assuntos.
Heleno já terá problemas suficientes, para ainda ter que se preocupar com os incômodos produzidos pelos rompantes do vice.
MPA
Nesse capítulo dos desafios, o general precisará prover sustentação financeira (a) ao programa de submarinos da Marinha, (b) à construção de uma flotilha de escoltas (novos e de 2ª mão), (c) à importação de caças suecos Gripen, (d) à entrada em operação dos primeiros jatos de transporte KC-390, (e) à modernização da frota de turboélices Tucano do 1º Esquadrão de Instrução Aérea (Avançada) da Academia da Força Aérea, (f) à consolidação do projeto de Artilharia Astros 2020 e (g) à expansão do SISFRON (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) – onde ainda faltam muitos sensores, veículos dedicados e sistemas de comunicação sofisticados.
O Exército Brasileiro optou por ser uma Força leve e de alta mobilidade, que só fará a revitalização dos seus Regimentos de Cavalaria Blindada – por meio da compra de carros de combate alemães Leopard 2 A4 (ou A6) usados – no ano de 2027.
Uma Força leve e livre das conhecidas brigadas de Infantaria Motorizada (onde os infantes são transportados a bordo de caminhões), resquício de uma estrutura que remonta à sua organização pós-2ª Guerra Mundial.
Mas a Força Terrestre sofre de um mal invisível e cruel: a imprevisibilidade, que deixa os seus projetos sem prazo, e o seu funcionamento de eficiência incerta.
A criação da Aviação de Asa Fixa da Força Terrestre vem sendo estudada e providenciada há mais de dez anos, e agora está prevista para se tornar uma realidade no ano de 2021. O programa de obtenção de um blindado de combate sobre rodas (8×8) foi interrompido devido à falta de sustentação financeira. A implantação de uma unidade de helicópteros de ataque, que deveria acontecer até o fim de 2019, também depende de uma liberação de verbas que, hoje, não existem.
Há outras questões não resolvidas igualmente importantes, ainda que de menor apelo de publicidade na mídia dita “especializada”. Uma delas, o debate em torno do que já pode ser feito para garantir às Forças Armadas, no futuro (a partir da década de 2030), um mínimo de capacidade de Patrulha Marítima.
O Forças Terrestres apurou que a Embraer até aceita pensar no desenvolvimento de uma versão de reconhecimento marítimo para os seus jatos E-190 e KC-390, desde que a Força Aérea Brasileira (FAB) pague por esse trabalho, é claro.
Como nos próximos anos a FAB estará às voltas com a quitação dos 36 caças Gripen comprados ao grupo SAAB, o mais provável é que o Ministério da Defesa se veja forçado a abandonar o discurso nacionalista da construção da aeronave de patrulha no país, e opte por uma solução bem mais rápida e menos complicada: a aquisição do bimotor Airbus CN-235 MPA (Maritime Patrol Aircraft) – de 40 e poucos milhões de dólares a unidade –, já adotado por vários países.
Aldeia Paruaka
O Exército Brasileiro optou por ser uma Força leve e de alta mobilidade, que só fará a revitalização dos seus Regimentos de Cavalaria Blindada – por meio da compra de carros de combate alemães Leopard 2 A4 (ou A6) usados – no ano de 2027.
Uma Força leve e livre das conhecidas brigadas de Infantaria Motorizada (onde os infantes são transportados a bordo de caminhões), resquício de uma estrutura que remonta à sua organização pós-2ª Guerra Mundial.
Mas a Força Terrestre sofre de um mal invisível e cruel: a imprevisibilidade, que deixa os seus projetos sem prazo, e o seu funcionamento de eficiência incerta.
A criação da Aviação de Asa Fixa da Força Terrestre vem sendo estudada e providenciada há mais de dez anos, e agora está prevista para se tornar uma realidade no ano de 2021. O programa de obtenção de um blindado de combate sobre rodas (8×8) foi interrompido devido à falta de sustentação financeira. A implantação de uma unidade de helicópteros de ataque, que deveria acontecer até o fim de 2019, também depende de uma liberação de verbas que, hoje, não existem.
Há outras questões não resolvidas igualmente importantes, ainda que de menor apelo de publicidade na mídia dita “especializada”. Uma delas, o debate em torno do que já pode ser feito para garantir às Forças Armadas, no futuro (a partir da década de 2030), um mínimo de capacidade de Patrulha Marítima.
O Forças Terrestres apurou que a Embraer até aceita pensar no desenvolvimento de uma versão de reconhecimento marítimo para os seus jatos E-190 e KC-390, desde que a Força Aérea Brasileira (FAB) pague por esse trabalho, é claro.
Caça Gripen E |
Como nos próximos anos a FAB estará às voltas com a quitação dos 36 caças Gripen comprados ao grupo SAAB, o mais provável é que o Ministério da Defesa se veja forçado a abandonar o discurso nacionalista da construção da aeronave de patrulha no país, e opte por uma solução bem mais rápida e menos complicada: a aquisição do bimotor Airbus CN-235 MPA (Maritime Patrol Aircraft) – de 40 e poucos milhões de dólares a unidade –, já adotado por vários países.
Aldeia Paruaka
Parte das dificuldades que aguardam a energia e a capacidade de negociação do general Heleno está na Amazônia, região do país que, desde os anos de 1960, vem sendo comandada pelos principais chefes do Exército Brasileiro.
Heleno foi Comandante Militar da Amazônia na metade final da década de 2000; o atual comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas foi chefe das Forças Terrestres na área entre 2011 e 2014.
O advento do governo Bolsonaro e da gestão do general Heleno faz supor que a Força Terrestre terá uma oportunidade de perseguir antigos objetivos, como a incursão em áreas estratégicas de selva – iniciativa hoje vedada a contingentes militares, em função da política indigenista que predomina no país.
Um desses objetivos é a construção/implantação do chamado “linhão de Tucuruí”, unindo Boa Vista a Manaus.
Seu traçado, em paralelo com a BR-174 (que une as capiais amazonense e roraimense), tem previsão de se estender por 723 km – dos quais cerca de 123 km precisam atravessar a Terra Indígena Waimiri-Atroari, onde vivem cerca de 1.500 índios.
Sem o linhão, o estado de Roraima permanecerá fora do chamado Sistema Interligado Nacional (SIN), recebendo energia elétrica da Venezuela e, sempre que houver uma interrupção nesse fornecimento, de dispendiosas usinas termelétricas.
Há muitas outras questões, no contexto do relacionamento com os nativos da Amazônia, que demandam solução.
A 11 de outubro passado, uma solicitação protocolada na Justiça pelo Ministério Público Federal, pediu que o Exército seja impedido de instalar uma microcentral hidrelétrica na terra indígena do Parque do Tumucumaque, no Amapá.
A microcentral garantia o abastecimento de energia de que carece o pelotão de 45 militares situado na divisa do Brasil com o Suriname, bem dentro do Parque do Tumucumaque. Atualmente, os integrantes desse destacamento contam apenas com oito horas diárias de energia elétrica, obtida de geradores a diesel (combustível que chega até eles por via áerea).
A solução da microcentral foi imaginada sobre o funcionamento de uma usina de pequeno porte. Nesse caso, água de rio é captada e transferida a uma casa de máquinas, onde uma turbina-gerador transforma a energia hidráulica em elétrica.
Para o MPF, o projeto da microcentral poderia ser substituído por outras matrizes energéticas, como as energias solar e eólica.
Quatro anos atrás o MPF foi informado de que os militares, sem prévia consulta às comunidades indígenas, realizou “intervenções” nas vizinhanças da Aldeia Paruaka, localizada a 1.500 m do local escolhido para receber a microcentral – um local “sagrado” segundo organizações defensoras dos direitos indígenas.
Tais “intervenções” se traduziriam na abertura de ramal até o sítio da estação geradora de energia, na construção de canteiro de obra, no transporte e depósito de diversos materiais, no aterro da calha de um igarapé e no desvio desse curso d’água.
Mas em 2015, depois de serem contemplados com uma advertência do MPF, os militares paralisaram as obras.
Ano passado o MPF emitiu “recomendação” para que a Força Terrestre, além de providenciar um novo estudo técnico sobre a microcentral, avalie a utilização de fontes alternativas de energia, no caso, a captação de energia solar.
Na hipótese de o Exército adotar essa outra solução, o MPF também pede que seja realizada consulta prévia, livre e adequadamente informada aos indígenas.
O Exército, contudo, preferiu silenciar.
Heleno foi Comandante Militar da Amazônia na metade final da década de 2000; o atual comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas foi chefe das Forças Terrestres na área entre 2011 e 2014.
O advento do governo Bolsonaro e da gestão do general Heleno faz supor que a Força Terrestre terá uma oportunidade de perseguir antigos objetivos, como a incursão em áreas estratégicas de selva – iniciativa hoje vedada a contingentes militares, em função da política indigenista que predomina no país.
Um desses objetivos é a construção/implantação do chamado “linhão de Tucuruí”, unindo Boa Vista a Manaus.
Seu traçado, em paralelo com a BR-174 (que une as capiais amazonense e roraimense), tem previsão de se estender por 723 km – dos quais cerca de 123 km precisam atravessar a Terra Indígena Waimiri-Atroari, onde vivem cerca de 1.500 índios.
Sem o linhão, o estado de Roraima permanecerá fora do chamado Sistema Interligado Nacional (SIN), recebendo energia elétrica da Venezuela e, sempre que houver uma interrupção nesse fornecimento, de dispendiosas usinas termelétricas.
Há muitas outras questões, no contexto do relacionamento com os nativos da Amazônia, que demandam solução.
A 11 de outubro passado, uma solicitação protocolada na Justiça pelo Ministério Público Federal, pediu que o Exército seja impedido de instalar uma microcentral hidrelétrica na terra indígena do Parque do Tumucumaque, no Amapá.
A microcentral garantia o abastecimento de energia de que carece o pelotão de 45 militares situado na divisa do Brasil com o Suriname, bem dentro do Parque do Tumucumaque. Atualmente, os integrantes desse destacamento contam apenas com oito horas diárias de energia elétrica, obtida de geradores a diesel (combustível que chega até eles por via áerea).
A solução da microcentral foi imaginada sobre o funcionamento de uma usina de pequeno porte. Nesse caso, água de rio é captada e transferida a uma casa de máquinas, onde uma turbina-gerador transforma a energia hidráulica em elétrica.
Para o MPF, o projeto da microcentral poderia ser substituído por outras matrizes energéticas, como as energias solar e eólica.
Quatro anos atrás o MPF foi informado de que os militares, sem prévia consulta às comunidades indígenas, realizou “intervenções” nas vizinhanças da Aldeia Paruaka, localizada a 1.500 m do local escolhido para receber a microcentral – um local “sagrado” segundo organizações defensoras dos direitos indígenas.
Tais “intervenções” se traduziriam na abertura de ramal até o sítio da estação geradora de energia, na construção de canteiro de obra, no transporte e depósito de diversos materiais, no aterro da calha de um igarapé e no desvio desse curso d’água.
Mas em 2015, depois de serem contemplados com uma advertência do MPF, os militares paralisaram as obras.
Ano passado o MPF emitiu “recomendação” para que a Força Terrestre, além de providenciar um novo estudo técnico sobre a microcentral, avalie a utilização de fontes alternativas de energia, no caso, a captação de energia solar.
Na hipótese de o Exército adotar essa outra solução, o MPF também pede que seja realizada consulta prévia, livre e adequadamente informada aos indígenas.
O Exército, contudo, preferiu silenciar.