Berlim deveria parar de vez os negócios armamentistas com o reino saudita. Não só por causa da morte de Khashoggi, mas sobretudo pela guerra do Iêmen e seus milhares de mortos, opina o jornalista Matthias von Hein.
Matthias von Hein | Deutsch Welle
Alguém ainda consegue acompanhar os subterfúgios e evasivas, as guinadas e explicações no caso do jornalista Jamal Khashoggi, assassinado há pouco menos de três semanas?
Veículo blindado saudita em Meca |
Quando, por exemplo, no domingo (21/10), a chanceler federal alemã, Angela Merkel, declarou que exportações de armas para a Arábia Saudita "não podem acontecer na situação em que estamos no momento", Riad acabava de divulgar sua segunda versão de como o dissidente morrera no consulado saudita em Istambul. A notícia de que a casa real teria prestado condolências à família de Khashoggi, em nome do príncipe-herdeiro Mohamed Bin Salman, porém, ainda nem havia sido divulgada.
Seja como for: a retração de Merkel no tocante a novas exportações de armas alemãs para a Arábia Saudita vai na direção certa. Às vezes – e sobretudo na política – a coisa certa é feita pelo motivo errado. Afinal de contas, já consta do acordo de coalizão do governo federal que não deveria mais haver vendas de armas alemãs a Estados envolvidos na guerra do Iêmen.
Riad é a força motriz nessa guerra, mas isso não impediu os fabricantes de armas alemães de fazer excelentes negócios com os xeiques do petróleo. No primeiro trimestre de 2018, as licenças para exportações armamentistas até mesmo quadruplicaram em relação ao mesmo período do ano anterior, chegando a 160 milhões de euros. Agora em setembro Berlim deu aval ao fornecimento de quatro sistemas de posicionamento de artilharia para a Arábia Saudita.
A morte de Jamal Khashoggi alcançou o que as mortes de 10 mil iemenitas, nesta guerra, não conseguiram. O que a miséria de milhões de famintos, privados de mantimentos devido ao bloqueio dos portos pelos sauditas, não alcançou: finalmente provocar a discussão sobre a venda de armas à Arábia Saudita e, com ela, sobre o envolvimento direto do Ocidente, aí incluída a Alemanha, na tragédia do Iêmen, que já dura três anos.
Por mais cínico que pareça, tudo indica que o Ocidente não tem nenhum problema com líderes autoritários, mas com líderes imprevisíveis. O drama de Khashoggi é apenas o mais recente ato da peça em torno do príncipe-herdeiro de 33 anos, para quem a descrição "impulsivo" é até leve.
Além da intervenção militar no Iêmen, desencadeada sem necessidade no início de 2015, não se deve esquecer o bloqueio ao Catar, que já dura mais de um ano. Ou o imbróglio em torno do primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, que, em novembro de 2017, surpreendeu todo o mundo ao ler sua carta de renúncia a partir de um hotel saudita, dando margem a uma onda de especulações sobre um eventual sequestro.
É uma ironia da história que há pouco menos de um mês, à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Washington, o ministro alemão do Exterior, Heiko Maas, se desculpou perante seu homólogo saudita, Adel al-Jubeir, pelas declarações do antecessor, Sigmar Gabriel, sobre a crise do Líbano.
Em novembro de 2017, sem citar diretamente a Arábia Saudita, Gabriel condenara o "aventurismo na política externa" no Oriente Médio. Em resposta, Riad não só retirou seu embaixador de Berlim, como ignorou sistematicamente as empresas alemãs na concessão de contratos lucrativos no país árabe.
Depois de Maas ter "lamentado sinceramente", o embaixador saudita voltou a Berlim – uma semana depois de Khashoggi desaparecer, quando o chefe da diplomacia alemã já devia estar lamentado suas desculpas.