Depois que o exército sírio recuperou o controle de Daraa e Quneitra, a guerra no país entrou em uma nova fase. Muitas zonas que Damasco ainda não reconquistou estão sob a influência de atores externos.
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Assim, Idlib é controlada pela Turquia, bem como a zona de Al-Tanf; algumas populações curdas permanecem sob a forte influência dos EUA, cujos militares operam nessa zona. Sem iniciar negociações com esses países, as Forças Armadas sírias não poderão controlar todo o país.
© Sputnik / Mikhail Alaeddin |
Turquia, 'o elo mais fraco'
No fim de julho, a cidade russa de Sochi se tornou palco de negociações entre o Irã, a Turquia e a Rússia para discutir a questão síria. Damasco e Ancara oficialmente não mantêm negociações e se limitam a lançar declarações cruzadas sobre a presença turca no território da Síria. Assim, o governo sírio promete a Ancara que Idlib voltará a ficar sob o controle de Damasco mais tarde ou mais cedo.
"Na verdade, ninguém duvida. A Turquia não vai ocupar o território sírio indefinidamente, porque os benefícios dessa ocupação são absolutamente insuficientes em comparação com as perdas financeiras e de imagem política, bem como as baixas militares que poderiam ocorrer se a ocupação for mantida. Em algum momento as tropas turcas serão forçadas a abandonar o território sírio. Entretanto, Erdogan [presidente da Turquia] não quer 'ir embora de mãos a abanar' e planeja, em troca, exigir o cumprimento de uma série de condições", explicou o cientista político Gevorg Mirzayan em um artigo para a revista russa Expert.
Para ele, a Turquia planeja manter sua influência na Síria no pós-guerra e, portanto, Ancara é favorável à concessão de mais direitos e poderes para as comunidades locais – uma parte das quais, no noroeste e oeste da Síria, são pró-turcas. Por outro lado, Ancara não quer que esses direitos e poderes sejam aplicados aos sírios curdos, porque o governo turco os considera uma das principais ameaças para a segurança nacional da Turquia.
Entretanto, cumprir tais condições parece impossível, avisa o cientista político.
"A Comissão Constitucional da sociedade civil na Síria [cuja criação foi acordada durante as negociações em Sochi e que é composta por representantes tanto do governo sírio como da oposição] está apenas começando a trabalhar, e ninguém sabe como excluir os curdos do processo de descentralização", explicou o analista.
Além disso, o Irã também não está disposto a ceder à Turquia suas zonas de influência na Síria.
"Todos entendem que, muito provavelmente, a médio prazo Teerã e Ancara vão competir pelo domínio no Oriente Médio", acrescentou Mirzayan.
As autoridades turcas ameaçam, por sua vez, que, se Moscou e Teerã derem luz verde a Damasco para realizar uma operação militar em Idlib sem o acordar com Ancara, a Turquia abandonará o formato de Astana e é possível que reative a ajuda militar e política à oposição síria.
Segundo Mirzayan, a reunião em Sochi deu a possibilidade aos diferentes países de chegarem a um compromisso. Damasco, Teerã e Moscou acordaram adiar temporariamente a ofensiva em Idlib e permitir à própria Turquia lidar com as ameaças dos grupos terroristas que operam nesta região, como o Tahrir al-Sham, a nova "reencarnação" da Frente al-Nusra (organizações terroristas proibidas na Rússia).
"Entretanto, este compromisso, muito provavelmente, não vai durar muito. Em primeiro lugar, porque de momento a Turquia não consegue lidar com a situação, o que mostram, por exemplo, os ataques regulares de drones realizados a partir de Idlib contra a base aérea de Hmeymim, não havendo uma garantia que a situação vá mudar. Em segundo lugar, Damasco já está negociando com os curdos e esse diálogo é baseado em uma promessa de descentralização", escreveu o analista.
Aqui se vê que os interesses de Damasco coincidem com os da Turquia na ideia de não ampliar a autonomia dos curdos. A diferença é que o governo sírio está disposto a conceder-lhes autonomia limitada.
"Se os turcos se opuserem, se no final Damasco tiver de escolher entre um compromisso com os curdos ou satisfazer os turcos, optará pelos primeiros," afirmou o cientista político.
Mirzayan está convencido de que Damasco não escolherá a Turquia porque é “o elo mais fraco no triunvirato sírio” composto por Moscou, Teerã e Ancara. O fim da guerra civil síria está iminente e as posições do Irã e da Rússia nesse cenário parecem fortes, enquanto as da Turquia, pelo contrário, estão enfraquecendo.
O papel dos EUA
Os norte-americanos, por sua vez, não participaram da reunião em Sochi, apesar de terem sido convidados.
"Sentimos que nossos colegas norte-americanos se retiraram dos esforços para alcançar uma solução política a longo prazo na Síria. Continuamos convencidos de que só um diálogo aberto pode levar a uma resolução satisfatória para todos", disse o representante especial do presidente russo para a Síria, Aleksandr Lavrentiev.
Entretanto, de acordo com Mirzayan, pode ser possível chegar a esse acordo de maneira não tão aberta, como, por exemplo, através de uma negociação Putin-Trump. Além disso, o presidente dos EUA já declarou que está pronto para retirar as tropas americanas de Al-Tanf, que já não são tão importantes depois da libertação de Deir ez-Zor e Daraa pelo exército sírio. Trump também se mostra predisposto a retirar seu apoio aos curdos sírios, que, para os EUA, não servem para conter o Irã e, ao mesmo tempo, criam problemas nas relações com a Turquia, acrescentou o cientista político.
"A única questão é saber o que os norte-americanos querem em troca. Alguns meios de comunicação divulgam a ideia de que os EUA, junto com Israel, exigem a retirada completa do Irã da Síria. Entretanto, todos entendem que isso é pouco realista: os perdedores não podem forçar o vencedor a admitir sua derrota. Então, o mais provável é que os iranianos devam garantir que não haverá tropas e bases suas perto das Colinas de Golã e que a Rússia se torne o garante do cumprimento por Teerã dessa condição", declarou ele.
O Irã
Entretanto, para Mirzayan, entre os políticos e especialistas ocidentais existe certa preocupação sobre as capacidades de Moscou de garantir o cumprimento do acordo pelo Irã, porque um dos objetivos de Teerã é ganhar uma posição de monopólio no que toca à influência na Síria.
Moscou, apesar de suas boas relações com o Irã, compartilha parcialmente essas preocupações, e é por isso que está tentando fazer tudo o possível para resolver o problema, envolvendo os turcos através da diplomacia e envolvendo os parceiros europeus no processo de retorno dos refugiados sírios e na reconstrução da infraestrutura do país.
"Quantos mais atores externos houver na Síria, menos provável será que a liderança iraniana – inevitável, na realidade – neste país se torne dominante, algo que ninguém quer. Haverá também mais possibilidades de que o processo de reconciliação nacional termine não apenas com o fim do conflito civil, mas também com uma coexistência pacífica a longo prazo dos povos e grupos religiosos da Síria", concluiu o analista russo.
No fim de julho, a cidade russa de Sochi se tornou palco de negociações entre o Irã, a Turquia e a Rússia para discutir a questão síria. Damasco e Ancara oficialmente não mantêm negociações e se limitam a lançar declarações cruzadas sobre a presença turca no território da Síria. Assim, o governo sírio promete a Ancara que Idlib voltará a ficar sob o controle de Damasco mais tarde ou mais cedo.
"Na verdade, ninguém duvida. A Turquia não vai ocupar o território sírio indefinidamente, porque os benefícios dessa ocupação são absolutamente insuficientes em comparação com as perdas financeiras e de imagem política, bem como as baixas militares que poderiam ocorrer se a ocupação for mantida. Em algum momento as tropas turcas serão forçadas a abandonar o território sírio. Entretanto, Erdogan [presidente da Turquia] não quer 'ir embora de mãos a abanar' e planeja, em troca, exigir o cumprimento de uma série de condições", explicou o cientista político Gevorg Mirzayan em um artigo para a revista russa Expert.
Para ele, a Turquia planeja manter sua influência na Síria no pós-guerra e, portanto, Ancara é favorável à concessão de mais direitos e poderes para as comunidades locais – uma parte das quais, no noroeste e oeste da Síria, são pró-turcas. Por outro lado, Ancara não quer que esses direitos e poderes sejam aplicados aos sírios curdos, porque o governo turco os considera uma das principais ameaças para a segurança nacional da Turquia.
Entretanto, cumprir tais condições parece impossível, avisa o cientista político.
"A Comissão Constitucional da sociedade civil na Síria [cuja criação foi acordada durante as negociações em Sochi e que é composta por representantes tanto do governo sírio como da oposição] está apenas começando a trabalhar, e ninguém sabe como excluir os curdos do processo de descentralização", explicou o analista.
Além disso, o Irã também não está disposto a ceder à Turquia suas zonas de influência na Síria.
"Todos entendem que, muito provavelmente, a médio prazo Teerã e Ancara vão competir pelo domínio no Oriente Médio", acrescentou Mirzayan.
As autoridades turcas ameaçam, por sua vez, que, se Moscou e Teerã derem luz verde a Damasco para realizar uma operação militar em Idlib sem o acordar com Ancara, a Turquia abandonará o formato de Astana e é possível que reative a ajuda militar e política à oposição síria.
Segundo Mirzayan, a reunião em Sochi deu a possibilidade aos diferentes países de chegarem a um compromisso. Damasco, Teerã e Moscou acordaram adiar temporariamente a ofensiva em Idlib e permitir à própria Turquia lidar com as ameaças dos grupos terroristas que operam nesta região, como o Tahrir al-Sham, a nova "reencarnação" da Frente al-Nusra (organizações terroristas proibidas na Rússia).
"Entretanto, este compromisso, muito provavelmente, não vai durar muito. Em primeiro lugar, porque de momento a Turquia não consegue lidar com a situação, o que mostram, por exemplo, os ataques regulares de drones realizados a partir de Idlib contra a base aérea de Hmeymim, não havendo uma garantia que a situação vá mudar. Em segundo lugar, Damasco já está negociando com os curdos e esse diálogo é baseado em uma promessa de descentralização", escreveu o analista.
Aqui se vê que os interesses de Damasco coincidem com os da Turquia na ideia de não ampliar a autonomia dos curdos. A diferença é que o governo sírio está disposto a conceder-lhes autonomia limitada.
"Se os turcos se opuserem, se no final Damasco tiver de escolher entre um compromisso com os curdos ou satisfazer os turcos, optará pelos primeiros," afirmou o cientista político.
Mirzayan está convencido de que Damasco não escolherá a Turquia porque é “o elo mais fraco no triunvirato sírio” composto por Moscou, Teerã e Ancara. O fim da guerra civil síria está iminente e as posições do Irã e da Rússia nesse cenário parecem fortes, enquanto as da Turquia, pelo contrário, estão enfraquecendo.
O papel dos EUA
Os norte-americanos, por sua vez, não participaram da reunião em Sochi, apesar de terem sido convidados.
"Sentimos que nossos colegas norte-americanos se retiraram dos esforços para alcançar uma solução política a longo prazo na Síria. Continuamos convencidos de que só um diálogo aberto pode levar a uma resolução satisfatória para todos", disse o representante especial do presidente russo para a Síria, Aleksandr Lavrentiev.
Entretanto, de acordo com Mirzayan, pode ser possível chegar a esse acordo de maneira não tão aberta, como, por exemplo, através de uma negociação Putin-Trump. Além disso, o presidente dos EUA já declarou que está pronto para retirar as tropas americanas de Al-Tanf, que já não são tão importantes depois da libertação de Deir ez-Zor e Daraa pelo exército sírio. Trump também se mostra predisposto a retirar seu apoio aos curdos sírios, que, para os EUA, não servem para conter o Irã e, ao mesmo tempo, criam problemas nas relações com a Turquia, acrescentou o cientista político.
"A única questão é saber o que os norte-americanos querem em troca. Alguns meios de comunicação divulgam a ideia de que os EUA, junto com Israel, exigem a retirada completa do Irã da Síria. Entretanto, todos entendem que isso é pouco realista: os perdedores não podem forçar o vencedor a admitir sua derrota. Então, o mais provável é que os iranianos devam garantir que não haverá tropas e bases suas perto das Colinas de Golã e que a Rússia se torne o garante do cumprimento por Teerã dessa condição", declarou ele.
O Irã
Entretanto, para Mirzayan, entre os políticos e especialistas ocidentais existe certa preocupação sobre as capacidades de Moscou de garantir o cumprimento do acordo pelo Irã, porque um dos objetivos de Teerã é ganhar uma posição de monopólio no que toca à influência na Síria.
Moscou, apesar de suas boas relações com o Irã, compartilha parcialmente essas preocupações, e é por isso que está tentando fazer tudo o possível para resolver o problema, envolvendo os turcos através da diplomacia e envolvendo os parceiros europeus no processo de retorno dos refugiados sírios e na reconstrução da infraestrutura do país.
"Quantos mais atores externos houver na Síria, menos provável será que a liderança iraniana – inevitável, na realidade – neste país se torne dominante, algo que ninguém quer. Haverá também mais possibilidades de que o processo de reconciliação nacional termine não apenas com o fim do conflito civil, mas também com uma coexistência pacífica a longo prazo dos povos e grupos religiosos da Síria", concluiu o analista russo.