Na cúpula em Bruxelas, a Otan torce, acima de tudo, para que seu principal país-membro, os EUA, não cause danos demais. É esse o triste ponto a que chegaram as relações transatlânticas, opina o jornalista Bernd Riegert.
Bernd Riegert | Deutsch Welle
O show de Donald Trump faz uma parada na Europa. Para o egomaníaco presidente dos Estados Unidos, já estão asseguradas as manchetes na próxima semana. Talvez ele vá dar um susto nos aliados europeus e no Canadá, na cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que se inicia nesta quarta-feira (11/04), em Bruxelas.
Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump |
No chá com a rainha da Inglaterra, deve cometer uma ou outra gafe. Depois de uma partida de golfe, em seu hotel escocês, pode ser que trave uma amizade entre homens com o presidente Vladimir Putin, em seu encontro histórico com o autocrata russo na Finlândia.
Em Bruxelas, sobretudo entre os parceiros da Otan, reina a insegurança sobre o que trará a turnê pela Europa do presidente "America First", atualmente em campanha eleitoral. Trump seguramente não hesitará em esnobar os aliados mais uma vez e reabrir suas absurdas contas de gastos de defesa. Como prometido, os europeus investem cada vez mais em suas respectivas Forças Armadas, mas isso não basta ao líder americano.
Quem quiser saber como Trump funciona, basta escutar seu discurso eleitoral da semana anterior, em Indiana, em que investiu direto contra a chanceler federal alemã, Angela Merkel, perguntando o que, enfim, recebe dos alemães em troca do dinheiro dele.
Os alemães preferem fazer negócios de energia com os russos, disse, e os americanos são os bobões que têm então que pagar a conta. O presidente, é claro, promete mudar isso, e indiretamente já fez uma ameaça profilática de retirar suas tropas, caso não veja em breve a cor do dinheiro dos governos europeus.
Nas piores fantasias dos diplomatas da Otan em Bruxelas, também seria pensável uma espécie de ordem tarifária transatlântica para as tropas americanas na Europa. Proteção em troca de dinheiro. Dinheiro de "proteção", como o exigido pelas gangues criminosas?
Até o momento nunca se pensara em tais categorias na organização, supostamente baseada em valores políticos. Trump, porém, que no fundo da alma é um comerciante, pensa assim. Ele procura a própria vantagem e para tal negocia com toda brutalidade, sem consideração pelos até então aliados próximos.
Depois de já ter praticado isso na cúpula do G7 no Canadá, seria de espantar se ele não aplicasse também na Otan esse método, que de seu ponto de vista é eficaz. Os europeus devem estar preparados para ver Trump misturar conflitos comerciais e política de segurança.
"Se vocês querem proteção nuclear contra os russos, deixem as mercadorias americanas entrarem na Europa livres de tarifas!": é uma equação fácil com que Donald Trump poderá vir a operar. O homem na Casa Branca prefere brilhar em cúpulas ao lado de ditadores e autocratas do que se ocupar dos velhos aliados, que não considera parasitas à sua altura.
A Otan provará a Trump que cada vez mais Estados se aproximam da meta de 2% do respectivo PIB em gastos de Defesa. A Alemanha, porém, se move muito lentamente nessa direção, o estado da Bundeswehr é deplorável, a operabilidade das tropas europeias, no total, é parca. É com esse flanco aberto que Angela Merkel se apresentará em Bruxelas, e o presidente americano terá todo o prazer em explorá-lo. Como dito: ele está em plena campanha presidencial para a eleição do Congresso em novembro.
O Ministério da Defesa da Polônia esboçou o futuro das relações na Otan: os poloneses ofereceram 2 bilhões de dólares por ano em troca do estacionamento de mais soldados americanos. Esse cálculo contabilista de dinheiro de proteção poderá agradar a Trump e servir de modelo.
Os Estados da Otan só podem torcer para que o presidente da principal potência militar siga comprometido com o dever de ação solidária, com cujo fim, em caso extremo, ele também poderá ameaçar, a fim de impor a própria vontade.
Não se deve descartar essa eventualidade, pois, apenas dois anos atrás, o então candidato presidencial declarava a Otan totalmente "obsoleta". Uma cooperação militar de impacto dentro da União Europeia, como alternativa à Aliança Atlântica, é coisa ainda incipiente, sua estruturação exigirá muitos anos e não substituirá as capacidades militares dos EUA.
Os diplomatas da Otan igualmente miram amedrontados a conferência de cúpula na capital finlandesa com o chefe do Kremlin, Vladimir Putin, cujo reino russo é considerado por muitos governos da Aliança Atlântica como a ameaça mais grave da Europa. Há uma longa lista de pontos delicados que Trump pretende cobrir com Putin, em nome da Otan, e a intenção da cúpula em Bruxelas é expedir uma recomendação nesse sentido.
Se Trump ainda se lembrará dessa resolução em Helsinque é – como tantas outras coisas – imprevisível. Ele está preparado para tudo, no encontro com Putin, afirmou no comício em Indiana. Isso é bom ou ruim? Se a situação for bem, do ponto de vista da Otan, então o presidente americano poderá influenciar seu homólogo russo. Se for mal, os fronts poderão se endurecer.
Só uma coisa é certa: em sua própria interpretação, o show de Trump será garantidamente um sucesso. Já dá para ouvir o estridente autoelogio do chefe da Casa Branca, tagarelando sobre a própria magnificência. Otan, rainha Elizabeth, Putin? It's gonna be great!