A cerca de cinco semanas da data do anúncio dos três consórcios pré-selecionados para o fornecimento das quatro embarcações Classe Tamandaré ambicionadas pela Marinha do Brasil (MB) – escoltas oceânicos na faixa das 2.800 toneladas –, o certame já produziu ensinamentos (ou advertências) que servem para ilustrar, entre outras coisas, o prestígio de que a Força desfruta nos círculos internacionais.
Por Roberto Lopes | Poder Naval
E a primeira dessas lições é a de que a MB é vista, fora do Brasil, como uma corporação de recursos financeiros muito limitados, cujo desenvolvimento não obedece a qualquer projeto de Defesa consistente, e apenas se deixa embalar pelas recomendações de uma Estratégia Nacional de Defesa “flexível” – cuja efetividade mais repousa nos negócios de oportunidade (como o PHM Atlântico) do que num cronograma sólido de aquisição de capacidades.
Concepção em 3D da corveta classe Tamandaré projetada pelo CPN |
Em outras palavras: uma Força submetida a limitações que comprometem, ou tornam pouco críveis, os chamados “planos para o futuro”.
Desde o fim de 2017 (e até antes disso) a MB vem deixando vazar a informação de que, ao primeiro lote de quatro unidades da nova série de escoltas poderá se seguir um segundo, de igual quantidade de navios – algo, na teoria, perfeitamente crível para uma Marinha com faixa de litoral enorme a guarnecer, que, a rigor, requereria não quatro, ou oito corvetas/fragatas leves, mas pelo menos 12 unidades.
O interesse despertado pela Classe Tamandaré mostra, entretanto, que os principais fornecedores de navios do Ocidente não emprestam grande crédito à continuidade dessa programação. Afinal, a corveta Barroso (que demorou 14 anos para ficar pronta) também era para ser uma cabeça-de-série…
A (inesperada) desistência da empresa espanhola Navantia, que até o início do ano passado era vista como uma concorrente certa (e forte) aos navios Tamandaré, ilustra bem o grau de incerteza com que alguns observadores externos enxergam a Marinha do Brasil.
“Regras do jogo”
Os chefes navais brasileiros erraram a mão ao prever, no primeiro semestre do ano, que um navio Classe Tamandaré pudesse custar à Marinha entre 270 e 320 milhões de dólares.
Um oficial que trabalha no programa Tamandaré contou ao Poder Naval que todas as propostas do cinco grandes estaleiros do Ocidente habilitados na concorrência (BAE Systems, Fincantieri, Damen, TKMS e Naval Group) estão “bem caras”. Todas, sem exceção.
E isso é curioso porque o alto preço acaba se transformando no denominador comum de ofertas que, a rigor, são consideravelmente diferentes.
“E o preço vai pesar bastante na decisão, pois o orçamento está apertado”, lembra a fonte do blog.
Tais evidências emergem em um mar agitado por boatos, rumores alarmantes sobre alteração nas “regras do jogo” e – como se convencionou dizer modernamente – autênticas fake news.
Nesse capítulo é, portanto, importante deixar claro: (a) não existe, até agora, qualquer sinal de que a short list do dia 27 de agosto vá incluir uma quarta empresa concorrente (o que poderia suscitar problema jurídico capaz de paralisar a disputa pelo contrato das Tamandarés); e (b) nem há, também, sinais de que o armamento das embarcações possa vir a ser modificado, como forma de baratear o custo das unidades.
A pouco mais de um mês da divulgação dos consórcios pré-selecionados, o armamento que se qualifica como essencial à nova classe é:
- canhão de 76mm na proa;
- 4 mísseis superfície-superfície (AsuW);
- 8 células de lançadores verticais para até 32 mísseis;
- 2 lançadores triplos de torpedo e
- canhão de 40 mm.
É nesse cenário que, enfim, vêm sendo analisadas as nove propostas recebidas pela MB no mês passado. Ofertas que refletem apetites comerciais e posturas políticas bem diferentes.
Inglaterra e França
Salta aos olhos, nesse exame, a diferença de abordagens entre duas importantes parceiras da Marinha brasileira no momento: a BAE Systems, fornecedora dos navios-patrulha Classe Amazonas, e o Naval Group (antiga DCNS), pilar da renovação de meios da Força de Submarinos da Esquadra.
Type 31e da BAE Systems |
Segundo o Poder Naval pôde apurar, tendo a Marinha do Brasil esclarecido os concorrentes acerca da sua disposição de aceitar projetos de navios até uma faixa de deslocamento próxima às 4.000 toneladas – mais compatível com embarcações que vão, certamente, operar no meio do Atlântico Sul –, os britânicos investiram na oferta do navio Tipo 31, batizada de classe Leander (derivada da Classe Khareef, da Marinha de Oman) proposta para a Marinha Real Britânica.
Mas àqueles que supunham que a Classe Tamandaré pudesse se transformar no palco de um embate da Tipo 31 com a chamada “fragata compacta” da classe francesa Belh@rra, de 4.000 toneladas – navio famoso por ser pesadamente artilhado –, o fabricante Naval Group cedo sinalizou que dispensava tal enfrentamento.
A oferta dos franceses ficou resumida a uma variante mais encorpada – de 2.800 toneladas – da sua corveta Gowind 2500 (2.500 toneladas), recentemente vendida ao Egito.
Gowind 2500 |
Nos bastidores da concorrência brasileira os franceses não escondem: a Belh@rra (que já foi oferecida ao programa de fragatas oceânicas da Marinha colombiana) exigiria um valor em Euros que estaria muito além daquilo que a MB parece disposta, hoje, a pagar por seu escolta novo (entre 250 e 280 milhões de Euros).
Há indícios de que, mesmo a Tipo 31, não importará em valor unitário inferior a 350 milhões de dólares.
Mercê da adoção dessas posturas absolutamente diversas, as propostas da BAE e do Naval Group tomaram rumos diametralmente opostos no campo das análises em curso para a definição da short list.
A oferta dos britânicos se mantendo no grupo das mais bem avaliadas, e a dos franceses trilhando, nesse grupo das propostas de destaque, o caminho do fim da fila…
Itália e Holanda
Pelo critério das empresas que ofereceram produtos novos e de amplas capacidades marinheiras, aptos aos esforços da guerra em alto mar, é preciso admitir que brilha a imagem da corveta multifunção que o Grupo Fincantieri propôs à Marinha do Qatar e, mais recentemente, ao Programa Tamandaré.
Maquete da corveta da Fincantieri para o Qatar |
O navio, de 107 m de comprimento, 14,40 m de boca máxima e 2.800 a 3.000 toneladas de deslocamento, foi projetado para atingir os 28 nós, transportando dois sistemas de mísseis e alguns itens singulares em seu conjunto eletrônico de combate, como um sonar concebido para guiar a embarcação em áreas minadas.
Ao lado (não antes, ou depois) da Tipo 31 e da corveta multirole do Grupo Fincantieri, a competidora que mais chama a atenção dos militares brasileiros é a variante da fragata holandesa SIGMA 10514, proposta ao Brasil pelo consórcio Damen/SAAB.
Sigma 10514 proposta para ser a classe Tamandaré |
Bem sucedida comercialmente, a embarcação foi oferecida com comprimento de casco em torno dos 107,5 m, e deslocamento em torno das 2.600 toneladas – características que, graças à modularidade de seu projeto, podem ser facilmente alteradas.
Há certa expectativa – negativa –, nesse caso, em relação ao preço do navio.
Quanto custará uma embarcação ofertada por duas marcas igualmente sofisticadas e caras no meio militar, como a Damen e a SAAB?
Mais perto do “fim da fila” (e, portanto, da Gowind 2500) que do time vanguardeiro, parece estar a unidade oferecida aos militares brasileiros pela TKMS: a Meko A100 Light Frigate.
Perfil da Meko A100 Light Frigate oferecida à MB |
Espécie de filhote da bem reputada família Meko ela resulta de um projeto esticado para alcançar os 107 m de comprimento de casco, 16 m de boca máxima e 3.200 toneladas de deslocamento – um navio que, por certo, constitui uma adaptação engenhosa, mas por conta de problemas técnicos apresentados pelas fragatas F125 entregues pela TKMS à Marinha Alemã e a possibilidade de venda do estaleiro após a exclusão na concorrência para a nova fragata MKS 180, a proposta torna-se mais arriscada.
Os leitores atentos do Poder Naval já perceberam: na lista de embarcações analisadas acima estão, ao menos, duas das três classes que muito provavelmente vão integrar a trinca de finalistas.
‘MILGEM Ada’ e as demais
Resta uma palavra sobre as quatro propostas tidas como de menor potencial competitivo, da Ucrânia, Turquia e Índia.
Entre essas, a que parece mais fraca é a do Grupo Sinergy, associada ao estaleiro GRSE (Garden Reach Shipbuilders & Engineers), da Índia – e por motivos que nada tem a ver com as características técnicas do navio oferecido.
Corveta INS Kamorta, classe P28, do GRSE |
Nesse caso o histórico desabonador diz respeito ao atritado relacionamento de Germán Efromovich, controlador do Sinergy, com a Marinha do Brasil.
O empresário, que competiu quatro anos atrás em parceria com a empresa espanhola Navantia para assumir o projeto de implantação da cobertura de sensores do litoral brasileiro, denominado Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAZ) – no final de 2015 deixou seu estaleiro EISA fechar as portas, guardando em suas instalações as obras de três navios-patrulha de 500 toneladas – um deles já resgatado pelo Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro.
As propostas do estaleiro indiano Goa (que se associou, para o Programa Tamandaré, ao estaleiro Inace), da estatal ucraniana Ukrinmash, e da corporação de Defesa Savunma Teknolojileri Mühendislik (STM), da Turquia, se equivalem.
O melhor argumento que eles podem oferecer para deslocar uma grande fabricante ocidental da lista tríplice a ser anunciada em 27 de agosto é o do preço mais em conta. Mas há que se levar em conta a responsabilidade de implantar o processo de construção de um sofisticado navio militar em estaleiro brasileiro.
Proposta da STM turca para a classe Tamandaré, derivada da MILGEM Ada |
Do ponto de vista técnico, o destaque é a tecnologia da corporação STM, – que possui uma classe de pequenas corvetas (MILGEM Ada) de aceitação especialmente boa no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).