Com aumento no número de roubos e tiroteios, percepção de segurança não melhora.
General Walter Braga Netto apresentou na quinta-feira documento estratégico para Temer
Felipe Betim | El País
A Urca é um bairro entre a Baía de Guanabara e o Oceano Atlântico com casas e edifícios baixos, árvores altas e ruas pouco movimentadas. Uma ilha de prosperidade no imenso e por vezes miserável Rio de Janeiro, mas também de segurança: o bairro, localizado na nobre Zona Sul da cidade, abriga várias instituições militares, como um quartel do Exército, a Escola Superior de Guerra e o Instituto Militar de Engenharia, além de possuir uma única entrada e saída. Tanta tranquilidade foi interrompida na sexta-feira do dia 8 de junho, quando policiais e traficantes do morro da Babilônia e Chapéu Mangueira, no vizinho bairro do Leme, entraram em confronto. A perseguição aos bandidos fez com que o tiroteio chegasse até a praia Vermelha, na Urca, obrigando o bondinho do Pão de Açúcar a encerrar suas atividades durante umas horas. "Os tiros não chegaram até aqui, mas deu para escutá-los bem alto. As pessoas começaram a correr, a se esconder atrás de carro e de árvore... Até policial se escondeu!", diz, entre risadas, o taxista Geraldo. Já a professora universitária Ludmila, moradora do bairro, conta que momentos depois do ocorrido as pessoas, inclusive famílias com carrinhos de bebê, transitavam normalmente pelo local. "Foi um evento isolado, é muito difícil ocorrer alguma coisa aqui. O bairro continua tranquilo", diz. Os corpos de sete rapazes mortos pela Polícia Militar foram encontrados pelos bombeiros em zona de mata e a polícia civil trabalha no caso.
Militares do Exército durante ação na favela Kelson's, em fevereiro deste ano | LEO CORREA (AP) |
Tiroteios como este, ocorrido há pouco mais de uma semana, contribuem para a percepção, tanto de moradores como de pessoas de fora, de que a cidade continua violenta, apesar da intervenção federal decretada pelo presidente Michel Temer (MDB) no dia 16 de fevereiro em todo o Estado do Rio de Janeiro. Em balanço apresentado neste sábado, dia em que o decreto presidencial completa quatro meses, o Observatório da Intervenção Federal, vinculado ao Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes, mostrou que os tiroteios aumentaram 36% durante esse período. Os dados são da plataforma de monitoramento Fogo Cruzado, que contabilizou 3.210 tiroteios nos últimos quatro meses, enquanto que nos quatro meses anteriores à intervenção o laboratório registrou 2.355 ocorrências. Em recente entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, a socióloga Silvia Ramos, coordenadora do Observatório, disse: "É evidente que reduzir tiroteios é também aumentar a sensação de segurança. Quando a polícia, no seu dever, em legítima defesa, mata um opositor, é importante que se esclareçam as circunstâncias. As forças de intervenção têm de ser a favor da legalidade".
Mas percepção num território tão vasto e desigual quanto Rio é algo relativo. Para a professora Ludmila, que mora na Urca e transita pela Zona Sul, a presença dos militares no comando da segurança pública fluminense, liderados pelo general interventor Walter Braga Netto, "não mudou nada", inclusive porque acredita que a iniciativa de Temer "tinha um viés eleitoreiro". Já para o taxista Geraldo, que mora na Praça Seca, "o bairro mais perigoso da cidade", localizado na Zona Oeste, a intervenção melhorou seu cotidiano. Em meados de maio, há quase um mês, as Forças Armadas, a Polícia Militar e a Polícia Civil fizeram uma operação no local, onde o tráfico de drogas e a milícia dão as cartas e guerreiam entre si. "Instalaram uma base lá e, desde então, não tem mais tiroteio entre eles. Também já não tem bandido passando na rua de motocicleta com o fuzil pendurado no corpo", explica um satisfeito Geraldo.
A intervenção federal completou quatro meses em meio ao otimismo de alguns, como Geraldo. Mas percorrer as ruas de bairros ricos ou de favelas como a Rocinha ou a Babilônia significa escutar, principalmente, a versão de Ludmila: a de que nada ou pouca coisa mudou. A última pesquisa sobre a opinião a dos moradores da cidade do Rio é do final de março, do instituto Datafolha. Na ocasião, 76% dos cariocas apoiavam a atuação do do Exército, mas 71% também diziam que combate à violência continuava igual após a ida dos militares para as ruas. Naquela ocasião, o noticiário mostrava uma escalada sangrenta no Estado, com o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, tiroteios e chacinas constantes, moradores e policiais morrendo todos os dias.
Dados recentes da Secretaria de Segurança Pública do Rio — apresentados pelo próprio Braga Netto nesta sexta-feira, em evento no Rio — indicam uma melhora em alguns índices nos últimos meses, que ainda assim continuam em níveis alarmantes. As mortes violentas caíram de 636 em março para 575 em maio, uma queda de 9,59%; os roubos de veículos passaram de 5.358 para 4.382 no mesmo período, uma queda de 18,21%; os roubos de carga foram de 917 para 752, uma queda de 17,99%; e os homicídios dolosos, de 503 para 419, uma queda de 16,70%. Os únicos dados que pioraram recentemente são os relativos a homicídios decorrentes de intervenção policial, que subiram de 109 para 142 entre março e maio, um aumento de 30,27%; e a roubos de rua, que subiram de 11.182 para 11.861, um aumento de 6,07%. Especialmente este último dado contribui para uma percepção negativa sobre a segurança do Rio.
Mas se comparamos a soma dos números de março, abril e maio de 2018 com a soma dos números desses mesmos meses em 2017, chegamos a um cenário mais estático: as mortes violentas cresceram 3,7% de um ano para o outro; os homicídios dolosos aumentaram 2,79%; as mortes por confrontos por policiais aumentaram 17,3%; os roubos de veículos caíram apenas 0,06%; os roubos de carga descenderam 16,11%; e os roubos de rua tiveram uma queda de 4,8%. Tanto Braga Netto como o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, argumentaram que o aumento da letalidade se deve ao maior enfrentamento por parte das forças de segurança do Estado. "Começamos a entrar com uma força maior. Num primeiro momento, a marginalidade continuou enfrentando. Por isso, houve o aumento da letalidade. A tendência é diminuir, porque eles não vão continuar enfrentando", disse o general na última quarta-feira, em evento no Rio. Já Jungmann defendeu que o próximo presidente da República, que será eleito em outubro, prossiga com a intervenção federal no ano que vem. Ela está prevista para acabar no dia 31 de dezembro próximo.
Os dados sobre letalidade violenta vêm fazendo com que especialistas da área de segurança pública critiquem a estratégia de enfrentamento, reforçada durante a intervenção. O Observatório da Intervenção Federal vem cobrando, por sua vez, medidas significativas para combater a corrupção policial e mais transparência e prestação de contas à sociedade sobre os custos e os resultados das ações e grandes operações policiais realizadas até o momento. A primeira delas foi feita na Vila Kennedy, uma comunidade na Zona Oeste do Rio, e a mais recente ocorreu no último dia 9 de junho na favela da Rocinha, cujos moradores vem sofrendo com uma escalada da violência policial nos últimos meses. O Observatório destacou uma operação ocorrida no dia 7 de junho em seis favelas de Jacarepaguá. Apesar de ter reunido mais de 5.000 agentes de segurança, a ação resultou em 13 presos, um morto, três pistolas e uma grana apreendida. Em resumo: operações grandes, custos altos, mas resultados fracos.
Também foi só agora, quatro meses após o início da intervenção, que o interventor Braga Netto apresentou ao Governo Federal um documento de 82 páginas que detalha linhas de ação da intervenção. A curto prazo, o plano estratégico defende a redução dos índices de criminalidade e o aumento da percepção de segurança por parte da população. Como visto acima, o sucesso nessas duas frentes tem sido até o momento relativo e aquém das expectativas. Já a longo prazo, defende a reestruturação e fortalecimento das obsoletas instituições policiais, assim como uma maior integração dos órgãos de segurança.
Para que este último pilar da intervenção seja alcançado, Braga Netto depende dos 1,2 bilhão de reais liberados pelo Governo Federal em março, mas enfrenta burocracias para utilizá-lo em aquisições de armamentos, transporte e outros equipamentos. "Desde a data em que o presidente prometeu o recurso, ele chegou. Só que eu não recebo 1,2 bilhão junto com um talão de cheque e saio fazendo. O TCU [Tribunal de Contas da União] está me observando, a mim a as pessoas que trabalham comigo. Já estamos em processo de licitação de aproximadamente 40% dos valores que foram fornecidos, mas eu tenho que seguir especificando, o mais difícil é especificar o material que é comprado", disse o interventor na quinta-feira, segundo noticiou o jornal O Globo. "Nosso planejamento é que aproximadamente em setembro eu tenha concluído ou antecipado as aquisições e aí eu começo um processo de transição e legado", acrescentou.
Enquanto dias melhores não chegam para o Estado do Rio, seus moradores vivem entre a resiliência e o conformismo, entre a expectativa e o pessimismo. Mas no morro da Babilônia, onde começou o tiroteio que chegou até a Urca, há quem se sinta orgulhoso de morar em umas das comunidades mais "tranquilas" do Rio — embora nem tudo seja perfeito e os traficantes se façam presentes no alto do morro. "Moramos em uma das favelas mais calmas da cidade. O que aconteceu na última semana acontece uma vez ou outra, não é frequente", diz o ajudante de pedreiro Lucas, de 22 anos, enquanto busca cartas na associação de moradores. "Os gringos que moram aqui até se assustam, mas quem é cria da favela, como eu, já está acostumado", diz. Um homem ao seu lado acrescenta: "Aqui é tranquilo até demais. Podia ter mais forró, funk, sertanejo, samba...", diz.
Do lado de fora da associação, o resto da favela vive uma tarde de sexta-feira silenciosa e chuvosa, com pouco movimento. Comerciantes e policiais da Unidade de Polícia Pacificadora olham tranquilamente para o que acontece ao seu redor, enquanto moradores sobem e descem as ladeiras que dão acesso às casas e prédios. Não há sinais de violência ou pessoas armadas. As amigas Flávia e Valdete contam, enquanto caminham para casa, que não estavam na Babilônia quando ocorreu o último tiroteio. Apesar elas concordarem que o local onde vivem é de fato tranquilo, também dizem não ver nenhuma melhoria desde a intervenção. "Em situações como essa, de tiroteio, perdemos nosso direito de ir e vir. É chegar em casa, se trancar e não sair", diz Flávia.