A diretora cinematográfica, atriz e ativista boliviana, Carla Ortiz, testemunha da guerra na Síria, contou em entrevista à Sputnik Mundo sobre o trabalho dos Capacetes Brancos no país árabe e como a intervenção de alguns países ocidentais impede que o povo sírio alcance a paz.
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Durante a entrevista, Carla Ortiz estava em Washington a fim de apresentar aos senadores e membros do Congresso estadunidenses as provas dos cidadãos sírios e os seus vídeos para que "percebam que as sanções [introduzidas pelo Ocidente contra a Síria] causam dano não ao governo [de Bashar Assad], mas às pessoas que já há sete anos vivem em estado de guerra que tirou a vida de meio milhão de vidas".
Capacetes brancos evacuam vítima em Hamra, Síria © AFP 2018 / THAER MOHAMMED |
"Todos se esquecem da parte humana do conflito. Você pode gostar ou não do governo do país, mas será que vale a pena gerar sete milhões de refugiados? Nos hospitais, as crianças não podem receber tratamento contra câncer, porque as sanções não permitem a entrada de substâncias químicas básicas para o tratamento. Seria lógico dizer que o presidente da Síria, que está ganhando uma guerra com armas convencionais, não tem substâncias químicas para salvar crianças e, sim, para serem usadas em locais onde a guerra já foi vencida? Isso não faz sentido. É necessário questionar as coisas e tomar ações para o bem deste país", ressaltou Ortiz.
A diretora boliviana percorreu grande parte da Síria para filmar o documentário "A Voz da Síria" no intuito de mostrar o drama do conflito aos olhos dos principais afetados, cuja experiência e história contradizem o que normalmente mostram as mídias hegemônicas sobre a guerra.
Uma das coisas que mais a impressionou foram as ruas de Aleppo, onde muitas escolas foram capturadas para serem usadas como centros de operações pela organização terrorista Frente al-Nusra, com vínculos à Al-Qaeda [organizações terroristas proibidas na Rússia], e pelos Capacetes Brancos, grupo que se nomina como uma organização de voluntários responsáveis pela proteção e assistência de civis nas zonas controladas por distintos grupos rebeldes de oposição ao governo.
"Vi como os Capacetes Brancos compartiam edifícios com os grupos extremistas da Frente al-Nusra sem quaisquer problemas. Se você é um civil e vê o que estes grupos fizeram ao seu povo e à sua família, estuprando suas filhas e decapitando pessoas, você não estaria de acordo em compartilhar algo com eles", assinalou.
Por isso, Carla decidiu entrar em contato com os civis que voluntariamente se ofereceram para trabalhar nessa organização. "Muitos me disseram que acreditavam inicialmente que iriam salvar vidas, mas depois perceberam que parte da ajuda era dada a grupos armados, que se dizem 'moderados'", explicou a diretora.
As pessoas nas ruas a asseguravam que os Capacetes Brancos "não salvam os cidadãos", que "se recusam a prestar serviços às crianças nos hospitais" e que durante a batalha de Aleppo trabalharam "lado a lado" com a organização Frente al-Nusra.
Ela denunciou também que "cada vez que um jornalista e eu entramos nos locais tomados por rebeldes, encontramos armas químicas e armas convencionais".
"As potências que alegadamente desempenham função de policiais mundiais, devem perceber melhor quem são as pessoas que filmaram o vídeo sobre os supostos ataques químicos", esclareceu. Mas ao contrário, eles "mantêm cinicamente a desinformação para que sigam os bombardeamentos que destroem o país, que tenta lutar contra o terrorismo, pelo qual todo o Ocidente é responsável, porque as armas fornecidas aos grupos moderados sempre caem nas mãos dos extremistas", esclareceu.
Ortiz opina que o único meio de pôr fim à guerra na Síria é escutar os sírios, mas não os representantes das potências estrangeiras que pedem cada vez mais intervenção.
"Até os membros da oposição síria apelam para o fim da guerra derramadora de muito sangue. Temos que espalhar uma informação alternativa para ajudar esse povo. Temos que deixar de pensar que a Síria fica longe. Uma criança síria não é diferente dos nossos filhos", disse Ortiz.
"O terrorismo no país nos afeta também. É preciso olhar no espelho e se perguntar se queremos ser pessoas que mudaram a história, para contar aos nossos netos sobre a nossa contribuição em um mundo melhor, ou se vamos ficar calados e sermos indiferentes", concluiu a boliviana.