Após o anúncio de Trump, europeus correram para declarar que seguem comprometidos com o tratado nuclear. Mas é realmente possível mantê-lo vivo, mesmo sem os americanos?
Matthias von Hein | Deutsch Welle
Após o anúncio do presidente americano, Donald Trump, de que estaria abandonando o acordo nuclear e reinstalando as sanções ao Irã, as potências europeias correram para declarar que, sim, é possível manter o pacto vivo, mesmo sem os Estados Unidos.
Trump descreveu com frequência o acordo com o Irã como o "pior do mundo" |
“A União Europeia está determinada a preservá-lo”, disse a chefe de política externa do bloco, Federica Mogherini. “Junto ao resto da comunidade internacional, preservaremos este acordo nuclear.”
Reino Unido, França e Alemanha, signatários do acordo junto a Rússia e China, chegaram a enfatizar, em nota conjunta, seu comprometimento com a manutenção do pacto. Uma declaração reforçada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, pelo Twitter.
À frente nas últimas semanas dos esforços para demover Trump da ideia de abandonar o acordo, Macron vinha dizendo que a Europa não tem plano B para a questão iraniana. No entanto, é sabido que na política ninguém fala sobre um plano B, mesmo que tenha um.
Ellie Geranmayeh especialista no acordo nuclear com o Irã do instituto de relações internacionais europeu ECFR, argumenta há mais de um ano que a Europa pode salvar o acordo juntamente com os outros participantes – Teerã também já manifestou tal vontade. Geranmayeh reconhece, entretanto, que será muito mais difícil implementar o tratado sem os EUA. "Isso vai exigir muita vontade política e pensamento criativo", afirma.
O acordo consiste em 159 páginas com muitos detalhes técnicos. O cerne, entretanto, é composto de uma ideia simples: o Irã limita seu programa nuclear e permite um regime de controle abrangente. Em troca, é liberado da maioria das sanções relacionadas à energia nuclear.
Geranmayeh acredita que, para que o Irã continue respeitando o acordo, precisará continuar a receber incentivos econômicos. "O fornecimento de energia e petróleo iranianos para a Europa deve continuar sendo possível. Caso eles sejam bloqueados por sanções secundárias americanas, isso pode provocar um choque para a economia iraniana", adverte.
Sanções secundárias americanas não penalizam empresas americanas ou iranianas, elas visam empresas de outros países, como os da UE. A suspensão de sanções prevista pelo acordo diz respeito a exportações iranianas de petróleo e energia, a seu pagamento e à devolução de fundos existentes em contas estrangeiras iranianas a Teerã.
Entre 2012 e 2015, os iranianos sentiram na pele as consequências das retaliações: as exportações de petróleo caíram ao menos pela metade; mais de 120 bilhões de dólares em bancos estrangeiros foram bloqueados. De lá para cá, as exportações de petróleo quase já voltaram ao nível anterior.
Desafio: driblar sanções
O cientista político Neysan Rafati, analista de assuntos relacionados ao Irã da ONG especializada em crises internacionais ICG, cita os exemplos da França e da Itália como opções para se contornar ou minimizar as agora restabelecidas sanções americanas.
Nesses países, foram desenvolvidos mecanismos para permitir que instituições financeiras estatais financiem negócios iranianos. "É possível sistematizar e agrupar as iniciativas de vários Estados isolados. Assim, poderiam ser incentivados negócios permitidos pelo acordo, seja através da coordenação entre diferentes governos ou a nível da UE", propõe.
Em parte, isso já começou a ser posto em prática: os europeus declararam claramente que se sentem vinculados ao acordo, enquanto o Irã respeitá-lo. As partes europeias do tratado – Alemanha, França, Reino Unido – precisam agora mostrar que estão pensando criativamente em como minimizar as consequências das sanções dos EUA, em como dar segurança às suas empresas nos negócios com o Irã.
Segundo o especialista, uma combinação de declaração política com medidas econômicas poderia sinalizar aos iranianos que a retomada das sanções pelos EUA não significa que os europeus negligenciarão sua parte do acordo.
Por outro lado, o especialista em sanções Sascha Lohmann, da Universidade de Harvard, é cético em relação a essas propostas. "Devido à assimetria de poderes nas relações econômicas entre os EUA e as empresas europeias, será difícil oferecer algo substancial ao Irã. Porque não é possível obrigar os grandes bancos, por exemplo, a fazerem determinados negócios com o Irã. Eles vão sempre tender a se orientar em relação às sanções dos EUA, porque também estão sob jurisdição dos EUA, enquanto usarem o dólar."
Lohmann lembra que diversos bancos europeus já foram obrigados a pagar pesadas multas por supostas violações de sanções. "Mas com o governo Trump, os europeus têm agora uma divergência estratégica em relação ao Irã, sendo que continuam envolvidos. Assim, a Europa não tem controle algum sobre suas próprias empresas. Elas não são controladas a partir de Bruxelas, mas em Washington."
De acordo com o Departamento do Tesouro americano, as sanções relacionadas aos setores energético, automotivo e financeiro do Irã serão restabelecidas em um período entre três e seis meses.