A Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ) viu desaparecer o silêncio no qual vinha trabalhando a favor do desarmamento para se transformar nos últimos tempos em um sismógrafo das tensões entre a Rússia e o Ocidente.
Imane Rachidi - EFE
Haia - "A OPAQ era uma organização estagnada no sentido técnico, mas de repente adquiriu um poder geopolítico que a coloca no centro do mundo. Seus analistas têm que aprender a trabalhar sob a pressão que representa a guerra propagandística atual", explicou à Agência Efe o holandês Sico van der Meer, especialista em armas químicas e biológicas.
Sede da Opaq em Haia. EPA/KOEN VAN WEEL |
Com 192 Estados-membros atualmente, a OPAQ nasceu em 1997 para promover, supervisionar e verificar os trabalhos de destruição das armas químicas no mundo, um trabalho que sua equipe conseguiu realizar no anonimato do seu escritório em Haia, na Holanda.
No entanto, isso mudou radicalmente com a explosão da guerra na Síria, que veio acompanhada de múltiplas denúncias sobre o suposto uso de armas químicas por parte do regime de Bashar al Assad contra civis em diferentes regiões, como Ghouta Oriental em agosto de 2013, Khan Sheikhun em abril de 2017 e em Duma no último dia 7.
Além disso, o envenenamento do ex-espião russo Sergei Skripal e sua filha Yulia na cidade britânica de Salisbury acabou levando o que os analistas de todo o mundo já chamam de "a nova Guerra Fria" até a sala Ypres da OPAQ, que tem o nome da cidade belga onde foi utilizado gás venenoso durante um conflito bélico pela primeira vez, em 1915, em plena I Guerra Mundial.
"A OPAQ fez um grande trabalho contra o tabu das armas químicas, mas fora do radar. Ninguém sabia de nada do que acontecia lá, e de alguma maneira isso ajudou o desarmamento porque os países afetados negociavam sem ter medo nem a pressão da opinião pública", disse Van der Meer, que também é pesquisador do instituto Clingendael.
Os novos tempos colocam esta organização no centro do debate, o que, para o especialista holandês, é "necessário para que alguém ponha ordem e dê um pouco de certeza" em meio à "constante" propaganda entre os grandes poderes.
Ao mesmo tempo, o renascer público da OPAQ se deve, em parte, à rápida deterioração das relações entre a Rússia e os países ocidentais, o que - como se vê atualmente com o caso Skripal ou com a Síria - está dificultando o trabalho deste tipo de organização, que precisa de independência e da colaboração entre os Estados.
Uma equipe da OPAQ está desde o último sábado em Damasco tentando iniciar uma investigação em Duma, mas as autoridades russas e sírias a impedem "por razões de segurança", e em meio a exigências de cooperação da União Europeia e dos Estados Unidos.
Além disso, a tarefa da OPAQ se limita ao campo técnico, a confirmar se houve ou não uso de armamento proibido e, portanto, não pode apontar o culpado de um ataque.
"É necessário um debate urgente para que isso mude, pois se a OPAQ tem informação suficiente sobre onde ocorre um ataque químico, deve ter a legitimidade de acusar os perpetradores do mesmo. Estamos vendo com o caso de Salisbury como a OPAQ está usando termos neutros para não acusar ninguém", analisou Van der Meer.
Cruzar a primeira linha também fez com que a OPAQ se tornasse alvo de críticas, como as do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, que insinuou haver "falta de independência" entre os analistas desta organização, acusações que "prejudicam a imagem" da mesma, alertou, entre outros, o embaixador britânico em Haia, Peter Wilson.
A OPAQ foi criada como uma plataforma para técnicos, especialistas e diplomatas com o objetivo de dar fim às armas químicas, mas o debate em suas salas agora tem foco na troca de críticas e acusações entre os Estados-membros.
De fato, a guerra diplomática entre uma frente e outra, que deveria ocorrer de forma confidencial nas dependências da OPAQ, está se refletindo nas redes sociais, onde as diferentes delegações, como a britânica e a russa, transmitem no Twitter os discursos que acontecem durante as reuniões.