Em dezembro de 2016, a imprensa internacional noticiou que vários Leopard 2A4 turcos foram destruídos na Guerra Civil Síria. As análises técnicas e táticas dessas perdas trazem um ganho de conhecimento para operadores de blindados.
Maj Aguiar – CI Bld | DefesaNet
No final de agosto de 2016, o governo turco lançou a Operação Escudo do Eufrates (Euphrates Shield), na região a leste do rio Eufrates e a oeste da cidade de Azaz, na província de Aleppo.
Leopard 2A4 turco destruído na Síria |
A operação conduzida pelos militares turcos e por rebeldes sírios (apoiados pelos turcos), tinha como objetivo forçar o deslocamento do Estado Islâmico (EI) para fora do norte da Síria. Devido à tenaz resistência das tropas do EI, que conseguiram destruir alguns M60 A3, o governo turco resolveu empregar unidades de Leopard 2A4 na ofensiva para a captura da importante cidade de Al Bab.
A 2ª Brigada Blindada de Kartal (leste de Istambul) foi acionada e, com os seus dois regimentos (ao todo 80 carros de combate), foi deslocada para Islahiye em agosto, e, de lá, as guarnições se prepararam para o emprego no norte da Síria.
Os carros de combate (CC) receberam uma pintura camuflada especial para o terreno onde iriam operar. Com caminhões prancha, o 1º Regimento de Carros de Combate (com 43 CC) foi transportado para o campo de batalha, a partir do final de novembro.
A unidade foi, então, integrada à ofensiva em Al Bab da direção oeste. Em virtude do alcance de suas armas, os CC foram empregados em primeiro escalão, permanecendo por longos períodos em atividades de vigilância, situação em que, na maior parte do tempo, ficavam estáticos.
Com isso, os blindados foram, logicamente, alvos de tropas do EI equipadas com mísseis guiados e outras armas anticarro. Em 12 de dezembro de 2016, um Leopard 2 foi destruído por um míssel TOW 2 (capturado pelo EI), disparado a uma distância superior a 1000 metros.
No dia seguinte, outros dois CC, empregados com negligência, foram atingidos na retaguarda por um míssil Kornet (9M113), de fabricação russa, fazendo com que houvesse a explosão da torre. Declarações turcas relatam que 4 soldados tiveram ferimentos leves, 2 ferimentos graves e um morreu.
Entre 21 e 22 de dezembro de 2016, uma série de perdas aconteceram na região de alturas dominantes chamadas “Hospital”, a leste e também ao sul de Al Bab. Primeiro, um CC passou sobre uma mina e sofreu danos na lagarta, perdendo a polia motora esquerda.
Um segundo carro, que tentou rebocar o outro, sofreu avarias técnicas, ficando no local. Essas guarnições tiveram que abandonar as viaturas blindadas de combate (VBC). O EI chegou a postar um vídeo nas redes sociais reivindicando a captura de dois Leopard 2 turcos.
O carro com avarias técnicas foi destruído por caças turcos, já a VBC com danos na lagarta foi explodida pelo EI. Em outra situação, um carro de combate, ao passar por uma trincheira, foi atingido por um IED e teve seu chassi avariado.
Mais 3 Leopards 2 foram destruídos por armas anticarro e, em parte, pelos próprios F16 turcos, visando à negação do uso desses meios blindados ao EI (há alguns indícios de fratricídio, porém não foram confirmados).
Após todos esses revezes, a ofensiva turca em Al Bab foi interrompida. Não tem sido incomum, em conflitos assimétricos atuais, a destruição de modernas VBC ou Main Battle Tanks (MBT), como o M1 Abrams, pois a blindagem de um CC não o protege completamente de todas as ameaças existentes no campo de batalha, especialmente em ambientes urbanos e em combates assimétricos. Mesmo assim, os fatos mancharam a reputação da renomada plataforma Leopard.
As razões para essas graves perdas são múltiplas. A partir da observação dos vídeos disponíveis, impressiona que os blindados atingidos permaneceram longos períodos em campo aberto, especialmente em pontos elevados, tornando-se alvos fáceis.
Também não houve a proteção aproximada necessária feita pelos fuzileiros. Outro fator a considerar é que essa brigada turca, antes da ofensiva em Al-Bab, teve que lidar com uma grande perda de pessoal, como consequência da tentativa de golpe militar na Turquia.
Como foi altamente divulgado pela mídia internacional, alguns Leopard conquistaram pontos chave em Istambul. Como desdobramento do fracasso da revolução, quase todos os oficiais e muitos sargentos foram presos ou demitidos pelo governo.
Essas baixas de pessoal nas tropas blindadas turcas tiveram influência negativa direta nas unidades que empregavam o Leopard. Após os sucessos iniciais, a ofensiva turca ficou cada vez mais retida, entre outros motivos, porque o EI concentrou suas forças na região de Al Bab. Acredita-se que as perdas do EI na região de Al Bab chegaram a 400 mortos.
O número de rebeldes sírios e militares turcos mortos também têm sido alto. As forças do EI provaram-se taticamente competentes e lutaram com moral elevado. Isso representou grandes problemas para os inexperientes líderes turcos.
Além disso, as táticas do EI revelaram-se um grande desafio para as tropas turcas, ainda insuficientemente treinadas para o combate assimétrico. Esse tipo de combate caracteriza-se pelo emprego de inúmeras minas terrestres, de artefatos explosivos improvisados (Improvised Explosive Devices - IED), do uso de carros-bomba e de ataques suicidas com explosivos (homens-bomba).
Além disso, tem sido uma prática comum das forças do EI, esconder-se atrás das linhas inimigas e só depois de algum tempo, retomar ações para atacar, surpreendentemente, pela retaguarda. Esse tipo de ação, contra carros em reserva ou em áreas de retaguarda, aconteceu nas primeiras derrotas do Leopard 2, nos dias 12 e 13 de dezembro.
Tudo isso esclarece parcialmente as perdas do Leopard 2. Porém, em algumas situações, se a tropa tivesse empregado um comportamento tático apropriado, os carros nâo teriam sido destruídos.
Defensores da família Leopard acreditam que se os Leopard 2A4 turcos tivessem incrementos disponíveis nos modelos que sucederam a versão A4 (principalmente como o Leopard 2A6M e o Leopard 2A7 alemães), teriam tido mais sucesso e menos baixas.
Tal efetividade de proteção pôde ser comprovada por uma guarnição de Leopard 2A6M canadense, que sobreviveu a um incidente com explosivos improvisados no Afeganistão, em 2007.
Como consequência direta da destruição dos Leopard 2A4 e M60 A3, o governo turco resolveu investir em melhorias técnicas dos seus Leopard 2A4, focando na proteção blindada da torre e chassis, proteção contra minas e IED, melhores optrônicos para busca e enjamento de alvos, e sistemas de proteção contra armas anticarro.
Por fim, conclui-se que os meios blindados são um sistema cada vez mais complexo, no qual tanto a dimensão humana como o material devem receber a devida atenção. O emprego de um carro de combate moderno, como o Leopard 2A4, mas tripulado com guarnições inexperientes, trouxe fúnebres resultados no campo de batalha.