O Sahel é, basicamente, um mix de problemas. Não à toa é chamado de "cinturão da fome" africano.
Mar Pichel | BBC Mundo
Conflitos, pobreza, crime organizado e extremismo coexistem nessa faixa de 5 mil km que atravessa o continente, indo do oceano Atlântico, a oeste, ao Mar Vermelho, no leste, e serve como transição entre o deserto do Saara e a savana africana.
Região é extremamente pobre | GETTY IMAGES |
E nos últimos anos, outro problema agitou ainda mais esse vespeiro: a Líbia.
Com tudo isso tão próximo de sua fronteira sul, não é surpreendente que a Europa tenha voltado suas preocupações à área.
Os esforços estão focados em evitar que a zona, principalmente Mali, se torne um reduto extremista. Mas o desafio militar, devido à grande e complexa geografia, é enorme.
Uma região em crise
O coronel Ignacio Fuente Cobo, analista do Instituto Espanhol de Estudos Estratégicos (IEEE), ligado ao Ministério da Defesa da Espanha, define o cinturão como uma região em crise.
E vários fatores contribuem para isso. Em primeiro lugar, explica, há uma crise política: trata-se de "Estados muito fracos que surgiram de processos coloniais, cujas fronteiras não coincidem com a natureza das populações que se estabelecem nesses Estados".
E são Estados muito diversos, diz Eduard Soler, analista do Centro de Barcelona para Assuntos Internacionais (Cidob), think thank sediado na cidade espanhola, nos quais "o poder nem sempre foi representativo do conjunto. Há comunidades que se sentem marginalizadas da estrutura de poder".
Há, por exemplo, as populações que se deslocam a cavalo por vários desses países, como os Tuareg, que rejeitam a existência de fronteiras entre eles.
Muitos desses lugares têm conflitos internos, como Mali, e a situação é agravada pelo terrorismo internacional e o crime organizado, já que a região converge rotas de tráfico ilegal de todos os tipos - de drogas a pessoas e armas, camufladas entre fronteiras porosas e áreas em que a presença do Estado não existe.
Além disso, um fator socioeconômico contribui para essa deterioração: na maioria dos casos, são Estados com uma renda per capita muito baixa e um crescimento explosivo da população. "É uma espécie de bomba demográfica", resume o coronel Fuente Cobo.
Isso implica em um enorme número de jovens sem perspectivas econômicas e, portanto, "presas fáceis" dos grupos criminosos e extremistas que atuam na área, explica Soler.
Como se isso tudo não bastasse, as mudanças climáticas afetam drasticamente a região, e áreas que antes eram férteis, como Lago Chade, agora estão desertificando.
Novo berço do jihadismo?
"O jihadismo islâmico se move de maneira muito confortável em toda a região", afirma Fuente Cobo.
A al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI) está presente na área - principalmente na Argélia, no Mali, na Mauritânia e no Níger - desde 2007. O Boko Haram foi fundado em 2002 e há vários anos opera em partes da Nigéria, do Níger, do Chade e de Camarões, da mesma forma que acontece com a Al Shabaab na parte oriental, principalmente na Somália.
E estes são apenas alguns exemplos de grupos que chegaram às manchetes após perpetrarem ataques sangrentos. Muitos outros operam na região.
Ou seja, a ameaça não é nova ou desconhecida para os países europeus. Na verdade, as primeiras tropas francesas que combateram o terrorismo na região foram implantadas em 2013 - primeiro com a Operação Serval, no Mali, substituída um ano depois pela Operação Barkhane, com foco em todo o Sahel.
Mas existem dois fatores que estão aumentando a tensão e o medo.
Em primeiro lugar, "o Sahel foi previamente isolado da Europa por uma série de países na margem sul do Mediterrâneo que tinham uma situação política estável", explica o coronel Funte Lobo, "mas agora se abriu um buraco muito importante nessa região, que é a Líbia, um país que ninguém controla".
Por meio desse grande buraco, "muitos dos problemas do Sahel estão chegando ao território europeu", além de permitir um movimento significativo de mercenários e armas da Líbia para o sul, alimentando os grupos jihadistas que atuam na região.
Muitos desses combatentes são integrantes do grupo autodenominado Estado Islâmico (EI) derrotados na batalha ocorrida na cidade líbia de Sirte em 2016. E agora, teme-se que os derrotados na Síria e no Iraque também busquem se estabelecer na região.
Todos os analistas consultados para esta reportagem pela BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, ponderaram que não se tratará de um movimento maciço vindo do Oriente Médio, uma vez que a maioria desses combatentes não consegue deixar a Síria e o Iraque, mas reconheceram que há uma preocupação.
"Uma parte (desses indivíduos) também está indo para o Afeganistão, uma zona de acolhida de jihadistas. Alguns estão indo para a região da Ásia-Pacífico e outros estão tentando chegar à zona do Sahel", diz Fuente Cobo.
"Uma das grandes preocupações, ainda que não tenhamos dados confiáveis, é que possa se tornar uma nova área segura (para extremistas), uma espécie de novo Afeganistão, mas muito mais próximo das fronteiras europeias."
Sergio Altuna, pesquisador especialista no Magrebe e no Sahel do think thank espanhol Instituto Real Elcano, avalia que a derrota do Estado Islâmico em outras regiões está fazendo com que a área seja vista como um "potencial ponto de reunificação" do movimento jihadista.
Mas, para isso, não há necessidade de o Estado Islâmico enviar novos combatentes para lá - os jihadistas estão operando na área há anos. Então, "um problema que já existia está sendo redescoberto", acrescenta Altuna.
O analista Eduard Soler concorda. Para ele, o Sahel "não será a próxima etapa da luta contra o jihadismo, já é", mas não será o único foco. "Há outros pontos de preocupação, como o Afeganistão e o Sudeste Asiático", embora, no caso africano, exista uma "proximidade real" para a Europa.
A federação dos grupos jihadistas
Há uma grande mudanças nos sistemas de lealdade entre os grupos jihadistas que operam no Sahel, mas "al-Qaeda sempre foi o cavalo vencedor no Magrebe Islâmico", diz Fuente Cobo.
"Quando o Estado Islâmico chegou, muitos desses grupos romperam sua lealdade com a al-Qaeda e foram com o EI."
Mas o que acontece agora, após o EI ser derrotado na Líbia e, recentemente, no Iraque e na Síria? Eles vão competir uns com os outros ou vai haver uma absorção pela al-Qaeda?
Embora esta seja uma das grandes questões, já houve uma série de movimentos que mostram uma reconfiguração das forças.
"A diminuição do poder geopolítico e da capacidade do EI também o fez perder influência dentro do mundo islâmico", explica o coronel. "Estamos assistindo ao ressurgimento de grupos ligados à al-Qaeda".
No marco desse ressurgimento, em março de 2017 vários grupos na órbita da al-Qaeda, incluindo a AQMI, se uniram para formar a maior organização jihadista no Sahel: a Nusrat al Islam, ou Frente de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos.
A união ocorre, explica Fuente, para impedir que integrantes remanescentes do EI oriundos das batalhas da Líbia ou do Oriente Médio possam se infiltrar no território que eles controlam.
"Para evitar que o EI use a área como uma nova base logística e uma zona de recuperação, todos os grupos na órbita da al-Qaeda se juntaram a esta nova organização."
A resposta: militarizar o Sahel
Todo esse acúmulo de ameaças e problemas levaram a uma presença militar cada vez mais intensa na área, principalmente europeia, embora existam também tropas americanas.
Há várias operações e missões em curso no Sahel, ligadas a diferentes organizações e países. Os esforços e concentram principalmente no Mali, o foco vermelho na região.
"O Mali é um país crítico, é o mais frágil, com um norte fundamentalmente árabe e touareg e um sul principalmente de populações negras, animistas cristãos. É um país claramente muito dividido, com fronteiras que são produto da descolonização", explica Fuente Cobo.
É lá que as Nações Unidas operam, por meio da Missão Multidimensional de Estabilização Integrada das Nações Unidas no Mali (Minusma), criada em 2013 para apoiar as autoridades malinesas na pacificação do país após uma série de rebeliões islâmicas e um golpe de Estado em 2012.
Trata-se da missão mais poderosa da ONU, com cerca de 13 mil soldados, mas que também é muito atacada por grupos jihadistas. Trata-se de uma das missões mais perigosas do órgão em décadas, com mais de 115 capacetes azuis mortos em quatro anos.
Do outro lado, está a Operação Barkhane, uma missão puramente antiterrorismo realizada pela França. Envolveu cerca de 3 mil soldados distribuídos em uma série de fortes, da Mauritânia ao Chade, "tentando criar uma espécie de barreira para que os jihadistas não se movam facilmente entre o norte do Sahel e a zona sul".
Também existem as missões de treinamento das forças locais pela União Europeia na área - a mais importante é a que está no Mali, atualmente liderada pela Espanha.
E, junto a isso, uma nova iniciativa criada em 2017: a força G5-Sahel, composta por um total de 5 mil soldados de Mauritânia, Mali, Chade, Burkina Faso e Níger, financiada pela UE e pelos Estados Unidos. Seu objetivo é tanto a luta contra o jihadismo como a contenção das redes de tráfico e migração ilegal.
A agência AFP informou que um documento interno do G5 descreve o norte do Mali como um "conhecido esconderijo para terroristas" e uma "plataforma para o lançamento de ataques contra outros países".
Os especialistas, porém, destacam que o aumento da militarização não pode ser o único caminho.
Os planos de cooperação para o desenvolvimento local, realizados pincipalmente pela França, a antiga potência colonial na região, estão se revelando insuficientes.
"A militarização não pode ser a única resposta. É indispensável criar condições de segurança, mas não é o suficiente", diz Soler.
Segundo apontou o especialista no documento das Tendências de 2018 do Centro de Barcelona para Assuntos Internacionais, a esperança para o Sahel depende mais do desenvolvimento dos países da África Ocidental, como Gambia ou Gana, do que das armas.