Curdos dizem que sete dos mortos eram civis, entre eles uma criança de oito anos. Presidente turco foi advertido que operação poderia complicar as relações com Washington e Moscou.
France Presse
O Exército turco lançou neste sábado (20) uma operação aérea e terrestre para expulsar uma milícia curda que controla o norte da Síria e que Ancara considera uma organização terrorista, desafiando as advertências americanas de que a ação poderia desestabilizar a região.
Forças Armadas da Turquia bombardeiam região dominada por curdos na Síria |
Neste sábado, bombardeios resultantes desta operação na região de Afrin (nordeste da Síria) deixaram dez mortos, a maioria civis, afirmou um porta-voz da milícia curda.
"Sete civis morreram, entre eles uma criança de oito anos, assim como duas mulheres combatentes e um homem combatente", declarou Birusk Hasakeh, porta-voz das Unidades de Proteção Popular (YPG) em Afrin.
O braço político das YPG, o Partido da União Democrática (PYD), informou que 25 civis haviam ficado feridos nos bombardeios turcos.
Nos últimos dias, Ancara enviou centenas de soldados e dezenas de veículos militares à zona fronteiriça, como preparação para uma operação contra a milícia curdo-síria YPG.
A nova operação, batizada de "Ramo de Oliveira", é dirigida contra as YPG e o grupo Estado Islâmico (EI) e começou às 14 horas (12 horas em Brasília) deste sábado, anunciou o Exército turco, assegurando que respeitaria a integridade territorial da Síria.
Horas antes, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, anunciou o início "de fato" de uma operação terrestre.
Erdogan prometeu em várias ocasiões limpar os "ninhos de terrorismo" na Síria, apesar das advertências de que uma operação poderia complicar as relações com Washington e Moscou.
O Ministério russo das Relações Exteriores informou neste sábado estar "preocupado" pelas informações sobre a operação e pediu "retenção", antes que o Ministério da Defesa anunciasse a retirada de seus tropas de Afrin.
A Turquia disse que informaria o presidente sírio, Bashar al-Assad, da nova ofensiva. "Informamos a todas as partes do que estamos fazendo (...) Embora não tenhamos relações com o regime (sírio), estamos dando os passos de conformidade com o direito internacional", disse o chanceler turco, Mevlut Cavusoglu, à televisão 24 TV.
No entanto, o governo sírio negou neste sábado que a Turquia tivesse informado sobre a operação militar em Afrin.
"A Síria nega completamente as declarações do governo turco que dizem que informou de sua operação militar", declarou uma fonte do Ministério das Relações Exteriores à agência oficial Sana. Esta mesma fonte disse que Damasco "condena fortemente a brutal agressão da Turquia em Afrin, que é uma parte inseparável do território sírio".
Colunas de fumaça
Um correspondente da AFP no lado turco da fronteira viu dois aviões de guerra lançarem ataques em território sírio, provocando grandes colunas de fumaça.
O primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, confirmou os bombardeios aéreos.
Unidades de rebeldes favoráveis à Turquia, conhecidas como Exército Livre Sírio (ELS), também começaram a se mover até a zona de Afrin, segundo a agência de notícias turca Anadolu.
Afrin "será seguida por Manbij", disse Erdogan em referência a outra localidade síria, também dominada pelas YPG, mais a leste.
Ancara acusa as YPG de serem o braço sírio do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que realiza há 30 anos uma rebelião armada no sudeste da Turquia, povoado majoritariamente por curdos.
Não obstante, as YPG também são um aliado-chave dos Estados Unidos, sócio da Turquia na Otan, na guerra contra o grupo EI, e desempenharam um importante papel na expulsão dos extremistas de seus principais redutos na Síria.
O ministro adjunto sírio das Relações Exteriores, Fayçal Mekdad, advertiu na quinta-feira que a aviação síria abateria qualquer aparato militar que entrasse em seu espaço aéreo.
Os analistas consideram que para lançar uma grande ofensiva na Síria é necessário o aval da Rússia, que está militarmente presente na região e mantém boas relações com as YPG.
O chefe do Exército turco, o general Hulusi Akar, e o dos serviços de Inteligência, Hakan Fridan, viajaram na quinta-feira a Moscou para manter reuniões.
"A Turquia não lançará uma ofensiva terrestre e aérea total sem a benção de Moscou", previu Anthony Skinner, analista do gabinete de consultores de risco Verisk Maplecroft.
Estabilidade regional
As ameaças de intervenção turca provocaram preocupação em Washington.
"Não acreditamos que uma operação militar (...) conduza à estabilidade regional, à estabilidade na Síria, nem ao apaziguamento dos temores da Turquia em relação à segurança de sua fronteira", advertiu na sexta-feira um funcionário de alto escalão do Departamento de Estado.
Mas Erdogan acusou os Estados Unidos de não manterem suas promessas de que as YPG sairiam de Manbij. "Por isso ninguém pode colocar objeções se fizermos o que é necessário", declarou.
Erdogan reagiu furiosamente esta semana diante do anúncio da criação no norte da Síria de uma força fronteiriça de 30 mil efetivos, apoiada pelos Estados Unidos e composta em parte pelos combatentes das YPG.
O secretário de Estado americano, Rex Tillerson, disse depois que "toda a situação havia sido mal retratada e descrita", e admitiu que deviam "uma explicação" à Turquia.
"Não importa o que nos digam", respondeu Erdogan. "Vão aprender o mal que é confiar em uma organização terrorista".
Neste sábado, cerca de 500 novos recrutas participaram junto à cidade de Hassaké (nordeste da Síria) de uma cerimônia para celebrar o fim de sua formação para integrar esta força.
Metade de seus combatentes procedem das Forças Democráticas Sírias, uma aliança de combatentes curdos e árabes aliados de Washington, e a outra metade estará composta por novos recrutas árabes e curdos.