O orçamento limitado pelo teto de gastos públicos até 2037 e as demandas reprimidas podem ampliar a obsolescência das Forças Armadas, afirma o Ministério da Defesa no sumário executivo do documento “Cenário de Defesa 2020-2039”, ao qual o UOL obteve acesso. A reportagem também ouviu oficiais das Forças, que demonstram preocupação com a contenção de recursos.
Luciana Amaral | UOL
A publicação embasa o planejamento estratégico da pasta e das Forças Armadas e, para tanto, comenta situações ligadas à segurança e à defesa do Brasil e projeta possíveis desdobramentos. O texto é também um dos componentes que fundamentam a Política e a Estratégia Nacionais de Defesa.
Militares participam de treinamento em Formosa, Goiás, em outubro de 2017 – Alexandre Manfrim/Ministério da Defesa |
“As demandas reprimidas por décadas, bem como a limitação orçamentária impostas pelo Novo Regime [Fiscal] ampliarão a obsolescência e inviabilizarão a configuração das atuais Forças Armadas em padrões de potência militar de médio porte [como França, Reino Unido, Alemanha, por exemplo]. Como consequência das restrições orçamentárias, haverá necessidade de as Forças Armadas priorizarem atividades e capacidades”, afirma o documento.
O Novo Regime Fiscal citado pela pasta é o teto de gastos públicos pelos próximos 20 anos, ou seja, até 2037, promulgado pelo Congresso em dezembro de 2016. As novas regras determinam que o governo não pode gastar mais do que o gasto do ano anterior corrigido pela inflação do IPCA (índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Orçamento crescente, mas insuficiente
Nos últimos cinco anos, segundo dados do portal Siga Brasil, do Senado Federal, o orçamento do Ministério da Defesa aumentou, embora às vezes apenas na proporção do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, e não na medida desejada pela pasta.
Para 2018, o governo federal planeja repassar R$ 100,7 bilhões ao ministério, mas é comum haver contingenciamentos e rearranjos financeiros.
A maior parte do orçamento de cada ano é dedicada ao pagamento de pessoal e encargos sociais. Somente no ano passado, esse tipo de gasto consumiu R$ 70,7 bilhões. Ou seja, representou 76,6% do orçamento total. Já os recursos voltados a investimentos foram na ordem de R$ 8,1 bilhões – correspondentes a 8,7% do total. Em 2016, o ministério gastou R$ 64,4 bilhões em pessoal e R$ 9,2 bilhões em investimentos.
No gráfico, é possível perceber que a despesa primária do Ministério da Defesa tem tendência de queda em relação à despesa primária da União há pelo menos duas décadas. Em resumo, esse tipo de despesa é a soma dos gastos do governo, sem contabilizar os juros da dívida pública.
A maior parte do orçamento de cada ano é dedicada ao pagamento de pessoal e encargos sociais. Somente no ano passado, esse tipo de gasto consumiu R$ 70,7 bilhões. Ou seja, representou 76,6% do orçamento total. Já os recursos voltados a investimentos foram na ordem de R$ 8,1 bilhões – correspondentes a 8,7% do total. Em 2016, o ministério gastou R$ 64,4 bilhões em pessoal e R$ 9,2 bilhões em investimentos.
No gráfico, é possível perceber que a despesa primária do Ministério da Defesa tem tendência de queda em relação à despesa primária da União há pelo menos duas décadas. Em resumo, esse tipo de despesa é a soma dos gastos do governo, sem contabilizar os juros da dívida pública.
Defasagem tecnológica
Na avaliação do Ministério da Defesa, no documento, além de agravar a insuficiência orçamentária, o teto de gastos impactará projetos que visam recuperar a capacidade operacional e modernizar as Forças.
“Devido a perspectivas orçamentárias, é provável que haja continuidade da atual situação das Forças Armadas, apenas com melhorias pontuais”, afirma.
A limitação de equipamentos continuará condicionando a capacidade operacional, provocando reflexos negativos no adestramento das Forças e na atração, retenção e motivação de seus recursos humanos. A obsolescência de equipamentos provavelmente funcione como desestímulo à atração e retenção na carreira militar. E, provavelmente, não sejam disponibilizados recursos necessários à capacitação das Forças Armadas para controlar o espaço aéreo, o território e as Águas Jurisdicionais Brasileiras”
Ministério da Defesa
O documento elaborado pela Defesa também alerta que os sistemas de comunicações e informações continuarão defasados e vulneráveis. O texto diz que as tecnologias brasileiras provavelmente permanecerão “aquém” das necessidades militares e ressalta componentes da guerra moderna. Como exemplo, cita a exigência de satélites, computadores, redes, materiais compostos, laser, sistemas de guiagem, sensores, explosivos, entre outros, no “estado da arte”.
Alguns dos principais programas das Forças Armadas incluem o desenvolvimento de submarinos convencionais e de propulsão nuclear, aviões cargueiros KC-390 pela Embraer, blindados Guarani e do sistema integrado de monitoramento de fronteiras, além da compra dos caças suecos Gripen.
Limitação de atividades e “desequilíbrio” orçamentário
Um general do Exército ouvido pelo UOL afirma que, após descontadas as despesas, o dinheiro que sobra para investimentos é pouco. Segundo a fonte, os equipamentos necessários para operações de guerra moderna, além da manutenção de missões de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) em áreas densamente populosas com blindados que protejam as tropas e armas que não causem danos excessivos, demandam grandes investimentos e a longo prazo.
“A obsolescência é uma questão matemática com o [regime de] orçamento de agora. A questão é muito presente e preocupante no meio militar”, afirma.
Outro oficial ouvido pela reportagem relata que o impacto já resulta na diminuição de missões de transporte logístico da Aeronáutica para suprir populações de áreas remotas na Amazônia e na redução de horas de voo. A falta de dinheiro, complementa, não afeta somente atividades de grande escala, mas também as que podem ser consideradas banais, como a utilização de impressoras.
“O transporte de órgãos pela Aeronáutica só continuou a ser feito por causa do decreto do [presidente da República, Michel] Temer [que determina a disponibilidade permanente de uma aeronave em Brasília para a ação]. Senão não ia dar para continuar. Não é que a Aeronáutica não queira, mas é porque não ia ter como pela redução das horas de voo para economizar”, afirma.
Um terceiro oficial reconhece a importância da lei do teto de gastos, mas questiona os efeitos negativos que podem impactar a manutenção. “Sem munição e combustível, as Forças Armadas não funcionam. E essas são apenas despesas básicas de custeio. O vai acontecer é que com o teto [de gastos], se não tiver uma racionalização muito grande, as Forças Armadas vão só subsistir”, relata.
“No momento, a tendência é que o percentual de investimento diminua ainda mais. Por exemplo, ou faz o submarino nuclear ou deixa de investir na renovação da frota naval. Não tem como atender a todos os projetos. Algum vai ter que ficar com menos dinheiro”, complementa.
O professor de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília) Juliano Cortinhas, que tem foco em segurança e defesa nacional, avalia que o orçamento é “sempre” limitado e que o maior problema é o desequilíbrio nas contas. Para ele, a questão orçamentária da Defesa passa pela priorização de projetos e redução de pessoal.
Cortinhas diz que o Ministério da Defesa é uma instituição fraca perante as Forças Armadas e que estas tomam a maioria das decisões orçamentárias, o que é inadequado para o professor. “O Ministério da Defesa não faz a indicação do que considera prioritário como estratégia. Em países mais fortes e com maior poder de defesa, há uma centralidade orçamentária na pasta”, diz.
Em relação ao gasto com pessoal, Cortinhas diz que a proporção dedicada a salários e demais despesas obrigatórias é “exorbitante”. “A Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte] recomenda que o gasto com pessoal seja de até 40%, porque as guerras hoje em dia são focadas em tecnologias. O tempo de guerras com avanço de tropas passou. O Brasil não investe em alta tecnologia porque não sobra dinheiro para isso”, declara.
Estudos para a aplicação mais intensiva de equipamentos que possibilitem a dispensa de parte de militares de patentes mais baixas estão em curso. No entanto, apesar de mudanças organizacionais promovidas pelas Três Forças, ainda não há uma resolução definitiva.
A limitação de equipamentos continuará condicionando a capacidade operacional, provocando reflexos negativos no adestramento das Forças e na atração, retenção e motivação de seus recursos humanos. A obsolescência de equipamentos provavelmente funcione como desestímulo à atração e retenção na carreira militar. E, provavelmente, não sejam disponibilizados recursos necessários à capacitação das Forças Armadas para controlar o espaço aéreo, o território e as Águas Jurisdicionais Brasileiras”
Ministério da Defesa
O documento elaborado pela Defesa também alerta que os sistemas de comunicações e informações continuarão defasados e vulneráveis. O texto diz que as tecnologias brasileiras provavelmente permanecerão “aquém” das necessidades militares e ressalta componentes da guerra moderna. Como exemplo, cita a exigência de satélites, computadores, redes, materiais compostos, laser, sistemas de guiagem, sensores, explosivos, entre outros, no “estado da arte”.
Alguns dos principais programas das Forças Armadas incluem o desenvolvimento de submarinos convencionais e de propulsão nuclear, aviões cargueiros KC-390 pela Embraer, blindados Guarani e do sistema integrado de monitoramento de fronteiras, além da compra dos caças suecos Gripen.
Limitação de atividades e “desequilíbrio” orçamentário
Um general do Exército ouvido pelo UOL afirma que, após descontadas as despesas, o dinheiro que sobra para investimentos é pouco. Segundo a fonte, os equipamentos necessários para operações de guerra moderna, além da manutenção de missões de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) em áreas densamente populosas com blindados que protejam as tropas e armas que não causem danos excessivos, demandam grandes investimentos e a longo prazo.
“A obsolescência é uma questão matemática com o [regime de] orçamento de agora. A questão é muito presente e preocupante no meio militar”, afirma.
Outro oficial ouvido pela reportagem relata que o impacto já resulta na diminuição de missões de transporte logístico da Aeronáutica para suprir populações de áreas remotas na Amazônia e na redução de horas de voo. A falta de dinheiro, complementa, não afeta somente atividades de grande escala, mas também as que podem ser consideradas banais, como a utilização de impressoras.
“O transporte de órgãos pela Aeronáutica só continuou a ser feito por causa do decreto do [presidente da República, Michel] Temer [que determina a disponibilidade permanente de uma aeronave em Brasília para a ação]. Senão não ia dar para continuar. Não é que a Aeronáutica não queira, mas é porque não ia ter como pela redução das horas de voo para economizar”, afirma.
Um terceiro oficial reconhece a importância da lei do teto de gastos, mas questiona os efeitos negativos que podem impactar a manutenção. “Sem munição e combustível, as Forças Armadas não funcionam. E essas são apenas despesas básicas de custeio. O vai acontecer é que com o teto [de gastos], se não tiver uma racionalização muito grande, as Forças Armadas vão só subsistir”, relata.
“No momento, a tendência é que o percentual de investimento diminua ainda mais. Por exemplo, ou faz o submarino nuclear ou deixa de investir na renovação da frota naval. Não tem como atender a todos os projetos. Algum vai ter que ficar com menos dinheiro”, complementa.
O professor de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília) Juliano Cortinhas, que tem foco em segurança e defesa nacional, avalia que o orçamento é “sempre” limitado e que o maior problema é o desequilíbrio nas contas. Para ele, a questão orçamentária da Defesa passa pela priorização de projetos e redução de pessoal.
Cortinhas diz que o Ministério da Defesa é uma instituição fraca perante as Forças Armadas e que estas tomam a maioria das decisões orçamentárias, o que é inadequado para o professor. “O Ministério da Defesa não faz a indicação do que considera prioritário como estratégia. Em países mais fortes e com maior poder de defesa, há uma centralidade orçamentária na pasta”, diz.
Em relação ao gasto com pessoal, Cortinhas diz que a proporção dedicada a salários e demais despesas obrigatórias é “exorbitante”. “A Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte] recomenda que o gasto com pessoal seja de até 40%, porque as guerras hoje em dia são focadas em tecnologias. O tempo de guerras com avanço de tropas passou. O Brasil não investe em alta tecnologia porque não sobra dinheiro para isso”, declara.
Estudos para a aplicação mais intensiva de equipamentos que possibilitem a dispensa de parte de militares de patentes mais baixas estão em curso. No entanto, apesar de mudanças organizacionais promovidas pelas Três Forças, ainda não há uma resolução definitiva.
*Colaborou Luís Kawaguti, de São Paulo