O título desse artigo pode parecer um tanto desrespeitoso, mas não é essa a intenção.
Por Roberto Lopes | Forças Terrestres
Se é verdade que o recente convite das Nações Unidas para que o Exército do Brasil envie um batalhão reforçado (700 homens), de Imposição de Paz, à República Centro-Africana, produziu algum resultado positivo, este foi o de suscitar, na Força, a discussão sobre os meios de que ela dispõe para o cumprimento de uma missão em cenário de guerra real.
LMV Iveco selecionado pelo EB |
Os especialistas da ONU que têm se revezado na visita a organizações militares brasileiras, não fazem rodeios.
Os relatos constantes nos seus relatórios insinuam que temos um Exército apto, apenas, a vigiar fronteiras pouco (ou nada) relevantes do ponto de vista militar – como as que compartilhamos com paraguaios e bolivianos (ou os empobrecidos argentinos). Ou, em resumo: uma Força Terrestre focada na detecção da presença de narcotraficantes e contrabandistas de armas portáteis. Ou em perseguir ladrões de madeira e de gado em pé.
Avaliação drástica demais? Nem tanto.
Nos últimos meses de 2017 o Comando do Exército fez o Ministério da Defesa saber que todas as suas viaturas leves (4×4) empregadas em missões GLO nas vielas dos morros fluminenses são avaliadas como insuficientes pelos peritos militares da ONU.
Ou, em palavras mais claras: não valem um níquel no impiedoso enfrentamento militar do mundo real.
Juízo que diz respeito, basicamente, à falta de capacidade de sobrevivência para os tripulantes: ausência de assoalho em “V” (anti-IEDs), falta de blindagem e de armamento de autoproteção adequados.
O EB comprou 30 e poucos veículos de características expedicionárias LMV (Light Multirole Vehicle) da italiana Iveco, mas só terá como traze-los para o Brasil, na melhor das hipóteses, no meio do ano.
Os blindados de transporte de tropas mais robustos (desempenho confiável em combate) existentes no país não estão no Exército, e sim no Corpo de Fuzileiros Navais: 30 viaturas Mowag Piranha IIIC, fabricadas na Suíça.
Mas a verdade é que questão da inexistência de meios que permitam mobiliar um simples batalhão de Infantaria expedicionário, constitui apenas uma vertente do longo, expressivo conjunto de deficiências com que o Exército Brasileiro (EB) alcança 2018.
Pendências que não apenas se distribuem pelos seus programas de reaparelhamento, também inibem e constrangem projetos operacionais nos campos da Mecanização e da Aviação – dificuldades que só não constituem preocupação mais grave porque o país, de política externa amigável, não enfrenta, em suas fronteiras, ameaças iminentes de parte de forças estrangeiras.
O caso do Norte – Dentro de, aproximadamente, 20 dias – a 26 de janeiro próximo –, a Força inaugura, em Macapá, a 22ª Brigada de Infantaria de Selva – “Brigada Foz do Amazonas” –, que terá um efetivo de cerca de 3.000 homens fornecido pelos três batalhões de Infantaria que irá enquadrar: o 34º da capital amapaense (“Batalhão Veiga Cabral”), o 2º de Belém (“Batalhão Pedro Teixeira”) e o 24º (“Batalhão Barão de Caxias”), sediado em de São Luís do Maranhão.
Mas essa grande unidade já nascerá com carências – ou vulnerabilidades – importantes: (1) a ausência de armas antiaéreas e anti-tanque, (2) a falta de um componente blindado mais relevante que viaturas de transporte de pessoal Urutu ou carros de reconhecimento Cascavel, (3) a deficiência no quesito apoio de fogo – a ser garantido, possivelmente, por algum pequeno conjunto de canhões rebocados de 105 mm –, e (4) a dependência de Manaus – distante 1.084 km (ou 2 horas e 10 minutos de avião) de Macapá – para obter apoio aéreo.
Voltada para a divisa (de selva) com a Guiana Francesa – onde os principais problemas são o garimpo ilegal, o narcotráfico e as diferentes formas de contrabando –, a “Brigada Foz do Amazonas” terá, entretanto, uma carga de responsabilidades consideravelmente menor que a da 1ª Brigada de Infantaria de Selva (“Brigada Lobo D’Almada”), de Boa Vista (RR), que guarnece um pedaço estratégico do território brasileiro, na fronteira com a Venezuela e a República da Guiana
Há pelo menos cinco anos que o Exército tenta reforçar essa unidade (claramente exposta às armas venezuelanas) com (a) veículos blindados da família Guarani – que possibilitariam a criação de um moderno batalhão de Infantaria Mecanizado –, (b) armas anti-tanque em quantidade suficiente para a entrada em operação de, ao menos, uma companhia anti-carro, e (c) a transformação do atual 12º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado em um Regimento a dois esquadrões – mudança que começou a ser efetivada com a transferência para a capital roraimense de uma quantidade extra de blindados EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu, apta a compor um 2º Esquadrão para o Regimento.
Controle – Não há, porém, notícias de que o EB tenha planejado o estabelecimento de uma unidade antiaérea em Boa Vista – providência que está em curso para reforçar a guarnição da capital amazonense.
A defesa contra ataques aéreos é uma das principais preocupações da cúpula do EB.
Nos últimos 20 anos, a Força dedicou-se a estimular a pesquisa de radares antiaéreos pela indústria privada brasileira, e a acumular experiência no manejo de mísseis de curto alcance importados da Rússia e da Suécia, mas o problema é que acabou não saindo deles – os vetores contra ameaças que se apresentem até 6.000 m de distância.
Mísseis antiaéreos de médio ou longo alcance precisariam do nihil obstat (a expressão latina que significa “nada obsta”) do Comando da Aeronáutica.
E a verdade é que a Força Aérea Brasileira se incomoda, sim, com o desenvolvimento de sistemas antiaéreos de maior alcance que avancem fora do seu controle. Isso no Exército ou na Marinha.
Choque – Além disso, a Brigada de Boa Vista requer poder de choque, e não se sabe se a recente notícia de que o EB planeja importar da Suíça um novo lote de carros de combate pesados Leopard 1 A5 pode se refletir na transferência, para o território roraimense, dos 30 tanques M-60 A3 TTS hoje alocados ao Regimento de Cavalaria Blindado de Campo Grande (MS),defronte à fronteira com o Paraguai.
Nesse capítulo de um eventual reforço à capacidade de resistência da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, há também a questão nunca esclarecida pelo EB acerca do não aproveitamento, em Roraima, de ao menos uma pequena parcela dos 70 obuseiros autopropulsados M-108 que figuram no inventário da Força, distribuídos por unidades dos Comandos Militares do Sul e do Sudeste.
Informações extraoficiais apuradas pelo Forças Terrestres alegam a má relação custo/benefício. Isto é, um custo exageradamente elevado para manter em operação viaturas fabricadas na década de 1970, que requerem manutenção custosa e peças de reposição difíceis de obter, em troca da capacidade de poderem atirar suas granadas a, no máximo, 11,5 km de distância (15 km no caso de munição especial).
O pequeno canhão Oto Melara Mod 56, de 105 mm, que equipa diversas unidades do EB, opera de forma muito mais barata, e com um alcance de 10 km.