O número crescente de baixas entre os soldados dos contingentes de paz da Organização das Nações Unidas (ONU), os capacetes azuis, nos últimos anos, vai representar uma séria ameaça ao contingente brasileiro de 750 homens que será enviado à República Centro-Africana até maio.
Sputnik
A opinião é de Ricardo Gennari, especialista em Inteligência Estratégica e diretor da Tróia Intelligence. Em entrevista à Sputnik Brasil, Gennari analisou o relatório coordenado pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz, feito a pedido da ONU, para recomendar ações que diminuam essa mortalidade. O general, que hoje responde pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, chefiou duas missões de paz de tropas brasileiras, a Minustah, no Haiti, e a Monusco, no Congo, comandando a brigada da ONU que venceu os rebeldes do M23. Desde 2011, foram registradas 195 mortes entre os capacetes azuis, ou 20% do total de baixas registradas pelo contingente desde o início das operações em 1948.
Capacetes Azuis do Sri Lanka | Sena Vidanagama/AFP |
O relatório observa que, nos últimos anos, as ações dos capacetes azuis acontecem em países onde guerras civis ou insurgência entre grupos rebeldes substituíram os conflitos entre governos, tornando a atuação dos contingentes mais difícil e arriscada. Entre as sugestões apresentadas à ONU, o estudo recomenda a compra de equipamentos como blindados mais resistentes, rifles de precisão, mudança nas cadeias de comando e, sobretudo, que as tropas adotem uma postura mais pró-ativa, abandonando as atuais ações meramente passivas.
O estudo observa que mais de 90% da capacidade militar dos capacetes azuis acontecem hoje em missões voltadas para a autoproteção e para a escolta de comboios. As sugestões incluem ainda maior uso de inteligência tática, com a criação de redes de informantes e monitoramento de operações com drones e câmeras de vigilância. Por fim, sugere que as tropas respondam às agressões, identificando os responsáveis e os levando à Justiça local.
Para Ricardo Gennari, neste novo cenário, as tropas brasileiras que vão compor a força de paz da ONU na República Centro-Africana correm sérios riscos. Segundo ele, a missão será completamente diferente da que os brasileiros realizaram no Haiti, com distribuição de alimentos e remédios e força meramente de apoio à polícia no tocante à segurança.
"Na República Centro-Africana não vejo como uma missão de paz. O Brasil também pode ser deslocado para oito ou nove países naquela região. De 1947 até agora, o Brasil já foi convocado pela ONU 50 vezes (nessas missões). No entorno da Centro-Africana, temos Sudão, Mali, Nigéria, temos o Boko Haram, vários grupos terroristas e guerrilhas que trabalham em função de minérios. Existe uma matança muito grande naquela região", explica o especialista.
Para dimensionar o poder de destruição desses grupos, Gennari diz que alguns estão detonando bombas de até 500 quilos. O problema, segundo ele, é que os brasileiros não estão acostumados a essas situações. Ele também questiona o porquê do Brasil estar substituindo contingentes da Suécia e da Austrália.
"Para os Estados Unidos não é importante mais estar guerreando na África, não é mais o foco estratégico americano. O Brasil está cada dia mais comprando essas missões e não sei se estão fazendo os estudos adequados, mas não será como no Haiti. Nossas forças lá vão ter que reagir. Será que estamos prontos? Outro problema é que a ONU tem um orçamento até um certo limite. Depois desse limite, será que o Brasil vai colocar dinheiro nesses equipamentos? Será que estamos preparados para receber soldados mortos em sacos pretos? Será que o soldado brasileiro está preparado para ficar um ano numa zona de combate?", questiona o diretor da Tróia Intelligence, lembrando que a última participação bélica do Brasil aconteceu na Campanha da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Ainda com relação ao custeio dessas operações, Gennari cita que só o orçamento da Seal, as tropas especiais da Marinha dos EUA, é de US$ 1 bilhão por ano para manter a brigada de dois mil e poucos homens.
A Sputnik Brasil solicitou entrevista com o general Santos Cruz, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.