Campanha militar da Turquia no país vizinho contra a milícia curda YPG, apoiada pelos EUA no combate a extremistas, acirra tensões entre Washington e Ancara, ambos membros da Aliança Atlântica.
Teri Schultz | Deutsch Welle
A vice-secretária-geral da Otan, Rose Gottemoeller, chegou a Ancara na segunda-feira (22/01) para uma visita agendada muito antes da ofensiva militar turca em andamento no enclave curdo na região de Afrin, no norte da Síria.
Tanques de guerra turcos em Afrin, na fronteira com a Síria |
A viagem de uma das principais autoridades da Otan à Turquia no momento em que a crise se desenrola gerou ainda mais interesse, uma vez que duas das maiores tropas da Aliança Atlântica estão em lados opostos na atual operação.
A Turquia afirma que sua intenção é expulsar do enclave na fronteira com a Síria os combatentes da milícia curdo-síria Unidades de Proteção do Povo (YPG), as quais considera aliadas dos insurgentes curdos que há décadas combatem o Estado turco. O YPG, porém, é apoiado pelos Estados Unidos como um aliado na luta contra os extremistas do "Estado Islâmico" (EI).
Gottemoeller recebeu garantias das autoridades turcas de que a ofensiva em Afrin será breve, assim como afirmou publicamente o presidente Recep Tayyip Erdogan.
Em Bruxelas, a Otan fez questão de esclarecer que a visita da vice-secretária-geral não está relacionada ao aumento das tensões entre a Turquia e os EUA – ambos aliados dentro da esfera da Otan – e que ela tampouco exercerá qualquer papel de mediadora. Ela própria não fez qualquer menção ao assunto, que domina as manchetes da imprensa turca.
Entretanto, analistas afirmam que a disputa em Afrin é mais acirrada do que aparenta ser. O Soufan Group, uma empresa de estratégias de segurança e inteligência sediada nos EUA, afirma se tratar de uma nova aliança entre Turquia, Russia e Irã, "unidos no desejo de bloquear interesses americanos" na Síria. Washington, segundo apontam os especialistas, não terá outras opções senão recuar, sob o risco de agravar ainda mais o conflito com Ancara.
O ex-embaixador da União Europeia (UE) na Turquia, Marc Pierini, avalia que Erdogan parece estar disposto a sacrificar o apoio cada vez mais escasso que ainda lhe resta na Europa em razão de seus objetivos políticos.
"Essencialmente, [Erdogan] está colocando a Turquia na contramão da Otan em termos de como os aliados devem operar entre si", observou Pierini. "Esse é o efeito principal. Acho Ancara compreende perfeitamente os riscos, é o preço a se pagar pelo controle do cenário político."
A demonstração de força militar na ofensiva em Afrin deve, provavelmente, ser bem vista entre muitos cidadãos. "Ajuda enormemente a exacerbar a narrativa nacionalista em termos domésticos", disse o ex-embaixador.
Segundo ele, Erdogan criou uma "imensa operação para esmagar uma ameaça relativamente pequena", numa crise que poderia ter sido resolvida através da diplomacia. O problema, alertou, é que "ninguém sabe quando e onde isso vai acabar".
Na frente diplomática, Erdogan não foi além de alguns telefonemas na semana passada à Otan para criticar o apoio dos EUA ao YPG na Síria, mas não instruiu seus diplomatas a reiterar essa reclamação na sede da aliança. Fontes ligadas à Otan afirmam que a Turquia ainda não notificou a organização sobre suas ações militares na Siria.
Em Nova York, o Conselho de Segurança da ONU se omitiu de condenar a ação militar turca ou pedir o seu fim. Em Bruxelas, o tema tampouco faz parte da agenda da reunião do Conselho da Otan marcada para esta quarta-feira.