Reconhecimento da cidade como capital de Israel por Trump ameaça causar explosão de violência
Juan Carlos Sanz | El País
Jerusalém - Não há uma presença policial acima do normal na Cidade Velha, mas há reforços preparados já que nesta quarta-feira começaram os três “dias da ira” convocados pelas forças políticas palestinas. Benjamim Netanyahu mantinha o silêncio horas antes de o presidente norte-americano, Donald Trump, declarar Jerusalém como capital de Israel. “Nossa identidade histórica e nacional recebe reconhecimento”, limitou-se a comentar o primeiro-ministro do Estado judeu. O Consulado-Geral dos EUA em Jerusalém já tinha emitido um alerta de segurança proibindo os funcionários e seus familiares de visitar o centro histórico e a parte oriental da Cidade Santa, sob ocupação israelense há 50 anos. O Pentágono reforçou com pelotões de fuzileiros navais a vigilância das representações norte-americanas nos países islâmicos.
Manifestantes palestinos queimam bandeiras de Israel e dos EUA nesta quarta-feira em Gaza | IBRAHEEM ABU MUSTAFA REUTERS |
Apesar das advertências dos líderes do mundo muçulmano e de seus aliados ocidentais, Trump parece ter entrado em rota de colisão contra os 70 anos de consenso na comunidade internacional sobre o status quo de Jerusalém. Mas todas as tentativas de solução do conflito palestino-israelense se chocaram contra este obstáculo para o plano de partição aprovado pela ONU em 1947, que deixou precisamente a cidade e seu entorno como corpus separatum sob administração internacional. Nenhum mandatário estrangeiro se atreveu desde então a atribuir formalmente a uma das partes a legitimidade sobre a cidade. Estas são alguns dos pontos-chave da disputa.
Israel estabeleceu sua capital em Jerusalém − embora apenas na zona ocidental − após proclamar seu Estado em 1948, e anexou a parte oriental depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, após expulsar as tropas jordanianas. É precisamente em Jerusalém Oriental que os palestinos aspiram a estabelecer algum dia a capital de um Estado independente.
Juntos, mas separados
Israel incorporou ao município de Jerusalém várias localidades da Cisjordânia para expandir a cidade. Atualmente, conta com pouco mais de 800.000 habitantes, dos quais 300.000 são palestinos − quase todos sem nacionalidade israelense − e 200.000 são colonos em assentamentos construídos na parte oriental durante o último meio século. Para complicar ainda mais as coisas, o Governo israelense começou a construir em 2002 um muro que separa cerca de 100.000 moradores, incluindo os do distrito de Abu Dis, do resto da cidade e os situa de fato na Cisjordânia.
Nacionalidade questionada
Os moradores palestinos da Cidade Santa têm permissão de residência permanente e um documento de identidade israelense. Muitos vêm de famílias que viveram em Jerusalém durante gerações, mas caso se ausentem de Jerusalém durante mais de sete anos podem perder o direito de residir na cidade. Em sua maioria, utilizam um passaporte jordaniano ou um salvo-conduto (laissez-passer) emitido por Israel.
Qual é a posição de Israel?
O Ministério de Relações Exteriores de Israel afirma sem rodeios que “Jerusalém é a capital do povo judeu há 3.000 anos e a do Estado há 70 anos”. Qual Jerusalém? A lei que anexou a parte oriental em 1980 declara a cidade “capital eterna, única e indivisível” de Israel. Entretanto, há vozes no Governo que pretendem entregar à Autoridade Palestina os bairros que ficaram separados pelo muro.
E o que dizem os palestinos?
Eles veem como uma condição inalienável que a parte da cidade situada a leste da Linha Verde fixada no armistício de 1949 − que inclui toda a parte histórica murada −, que dividiu a cidade até 1967, seja a capital de seu próprio Estado.
E o resto do mundo?
O status final de Jerusalém deverá ser pactuado no âmbito de um acordo de paz duradouro entre ambas as partes. Esse tem sido até o momento o mantra unânime repetido em coro pela comunidade internacional.
Uma ou duas Jerusaléns
Vários ministérios e centros oficiais do Estado judeu se instalaram na parte oriental, do outro lado da Linha Verde que dividia a cidade, a partir de 1967. Os governantes e representantes dos 160 países que mantêm relações com Israel, que não fazem objeções na hora de visitar as instituições situadas na parte ocidental, não costumam ir a atos organizados em Jerusalém Oriental. Neste mesmo setor se localiza grande parte dos consulados-gerais, que atuam de fato como Embaixadas ante a Autoridade Palestina. Também é em um dos bairros orientais que fica a Orient House, o edifício histórico que serviu como sede da Organização de Libertação da Palestina em Jerusalém até ser fechado por Israel em 2001.
Palavras e ações
O ministro da Segurança Interna de Israel, Guilad Erdan, foi nesta quarta-feira uma das poucas vozes do Governo que se atreveram a romper a lei do silêncio imposto por Netanyahu ante a “declaração histórica” de Trump, informa Lucía Abellán de Bruxelas. Erdan acredita que a declaração simplesmente “reconhece o que ocorre no terreno”, embora espere que se transforme em ações. Em um encontro com jornalistas durante uma visita à sede da UE, ele advertiu: “Ficaríamos muito mais felizes se fosse marcada uma data para transferir a embaixada”.
Três vezes santa
A história da cidade está manchada de sangue. O Império Romano a destruiu no ano 70 de nossa era o templo de Jerusalém e desencadeou a diáspora do povo judeu. Cristãos e muçulmanos lutaram por seu lugares sagrados durante dois séculos nas cruzadas. Árabes e judeus estão há mais de sete décadas aspirando a que toda ela ou parte dela seja sua capital. O Muro das Lamentações, chamado de Muro Ocidental do Templo pelos israelenses; a Esplanada das Mesquitas, ou Nobre Santuário para a fé islâmica; e o Santo Sepulcro, basílica que agrupa o lugar da crucificação, sepultura e ressurreição de Jesus Cristo para a tradição cristã, são uma concentração sem paralelo de recintos sagrados em menos de um quilômetro quadrado. Tudo que envolve Jerusalém é observado com atenção por mais de 3 bilhões de fiéis das três religiões monoteístas.
Carta dos patriarcas
Os líderes das Igrejas cristãs da Cidade Santa publicaram uma carta aberta a Trump pedindo que mantivesse o “atual status internacional de Jerusalém”, já que “qualquer mudança repentina poderia causar danos irreparáveis”. A carta, reproduzida pelo jornal israelense Haaretz, foi firmada por 13 líderes religiosos, incluindo os dos patriarcados latino, ortodoxo grego e armênio.
Batalha de Al-Aqsa
Uma alteração do status quo − a instalação de detectores de metais e câmeras de vigilância − no acesso ao complexo da mesquita de Al-Aqsa e do Domo da Rocha desencadeou violentos distúrbios em julho em Jerusalém. Para os palestinos, Al-Aqsa é o principal símbolo de identidade nacional e religiosa, tanto para os laicos da Fatah como para os fundamentalistas islâmicos do Hamas. Para o mundo islâmico, é também o terceiro lugar mais sagrado, depois de Meca e de Medina, na Arábia Saudita. O pronunciamento de Trump a favor de Jerusalém como capital de Israel pode provocar uma explosão de violência semelhante a uma Intifada durante as orações do meio-dia desta sexta-feira na Esplanada.