Em documento obtido por imprensa alemã, montadora é acusada de reprimir funcionários e cooperar voluntariamente com regime militar brasileiro. Relatório faz parte de inquérito do MPF contra a Volkswagen.
Deutsch Welle
Um relatório da investigação realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) confirma que a montadora alemã Volkswagen colaborou de maneira sistemática e ativa com o regime militar no Brasil, noticiaram o jornal alemão Süddeutsche Zeitung e a emissora NDR nesta quarta-feira (15/11), após terem acesso ao documento de 406 páginas.
Fábrica da Volkswagen em São Paulo, em 1953 |
O relatório aponta que a filial brasileira da Volkswagen espionou os próprios funcionários, com interesse de descobrir opiniões políticas, e documentou a espionagem por escrito. Essa documentação era enviada ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops).
"A Volks teve um papel ativo. A montadora não foi obrigada a isso. Eles fizeram parte porque queriam", conclui Guaracy Mingardi, perito que assina o relatório do MPF.
O documento é peça fundamental no inquérito contra a Volkswagen, aberto em setembro de 2015, após um pedido de vários sindicatos e da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
O relatório do MPF conclui ainda que o departamento de segurança da montadora permitiu a prisão de funcionários dentro de suas fábricas, mesmo sem mandados. Após a detenção, funcionários que eram considerados opositores ao regime foram torturados durante meses.
O documento acusa ainda a Volks de ter observado os funcionários antes das prisões. "É improvável que a Volkswagen não tenha participado ativamente dessas investigações", destaca o texto e acrescenta que o departamento de segurança da montadora teve um papel central na atividade repressora. Vários ex-soldados foram contratados pela empresa para trabalhar como seguranças.
O relatório aponta ainda que a Volkswagen teve um papel de liderança em encontros de empresas nacionais e internacionais que tinham uma lista negra de funcionários. Segundo o documento do MPF, logo após o golpe de 1964, a filial brasileira da Volks compartilhava da ideologia do regime e, a partir do fim da década de 1970, tinha interesses comerciais, ao desejar utilizar o "maquinário repressivo do Estado" para impedir greves.
O documento não aborda quão profundo seria o conhecimento da sede da montadora, em Wolfsburg, na Alemanha, sobre as atividades da filial brasileira. Porém, uma análise extensa de documentações, realizada por um historiador contratado pela Volks, sugeriu que a sede tomou conhecimento destes atos – o mais tardar em 1979.
Volks em silêncio
Desde a divulgação de um relatório da CNV sobre a Volkswagen há quase três anos, a empresa não comentou as acusações e, em 2016, nomeou para uma investigação sobre seu passado o historiador Christopher Kopper, que concluiu seu trabalho, confirmando a existência de "uma colaboração regular" entre o departamento de segurança da filial brasileira e o órgão policial do regime militar.
Ao Süddeustche Zeitung, a montadora disse que marcou para meados de dezembro uma reunião com antigos funcionários afetados no Brasil.
O pedido de inquérito contra a Volkswagen foi feito após a conclusão da investigação realizada pela CNV, em dezembro de 2014. A montadora é acusada de violação dos direitos humanos dentro de suas fábricas em São Bernardo do Campo entre 1964 e 1985.
A comissão constatou que alguns galpões que a empresa tinha numa fábrica de São Bernardo do Campo foram cedidos aos militares, que os usaram como centros de detenção e tortura. Além disso, a CNV sustentou que encontrou provas que a multinacional alemã doou ao regime militar cerca de 200 veículos, depois usados pelos serviços de repressão.