Cidade iraquiana vive uma batalha de quase nove meses contra Estado Islâmico. Soldados já comemoravam mesmo antes de anúncio formal da vitória.
Por G1
O primeiro-ministro iraquiano, Haider Al-Abadi, proclamou neste domingo (9) a vitória de seu exército em Mossul, cidade "libertada" após uma batalha de quase nove meses contra os extremistas do grupo Estado Islâmico (EI), anunciou seu gabinete em um comunicado.
Polícia Federal do Iraque celebra retomada da cidade de Mossul neste sábado, antes do anúncio formal da vitória sobre o Estado Islâmico (Foto: REUTERS/Ahmed Saad ) |
Mossul é a segunda maior cidade do Iraque e último grande reduto urbano que ainda era controlado pelos extremistas islâmicos. A reconquista da cidade é considerada a mais importante vitória das forças iraquianas desde que o grupo extremista sunita se apoderou, em 2014, de vastos territórios no país e na vizinha Síria. No entanto, a guerra contra o EI continua em outras cidades.
Abadi foi a Mossul se encontrar com os soldados, e cumprimentá-los pela vitória. Abadi "chega a cidade libertada de Mossul e felicita os combatentes heroicos e o povo iraquiano por esta importante vitória", indica o comunicado.
A batalha deixou a cidade em ruínas e matou milhares de civis.
A ONU afirma que cerca de 915 mil pessoas fugiram desde outubro de 2016, e 700 mil continuam fora de suas casas. Eles receberam um ultimato do EI: se converter ao Islã, pagar uma taxa especial ou abandonar a cidade, sob pena de execução.
Aos poucos, os sobreviventes tentam retornar às suas residências, e narram cenas de horror vividas nas ruas da cidade.
Nas últimas horas, comandantes militares do Iraque vinham afirmando que a retirada da cidade das mãos dos extremistas era iminente. Já o Estado Islâmico tinha prometido "lutar até a morte" em Mossul.
Mesmo antes da declaração formal de vitória, dezenas de soldados iraquianos comemoraram entre os destroços às margens do Rio Tigre neste sábado (8), alguns dançando ao som da música que tocava em um caminhão e atirando metralhadoras para o ar, afirmou um correspondente da Reuters.
O clima estava menos festivo, no entanto, entre os aproximadamente um milhão de habitantes de Mossul deslocados por meses de combates, muitos dos quais estão vivendo em acampamentos no lado de fora da cidade, com pouca proteção do calor do verão.
"Se não houver reconstruções, e as pessoas não voltarem para suas casas e recuperarem seus pertences, qual o significado da libertação?", disse à Reuters Mohammed Haji Ahmed, 43 anos, um vendedor de roupas, no acampamento de Hassan Sham, ao leste de Mossul.
Relatos de sobreviventes
Em Mossul, os mais fracos pagam a sua sobrevivência a preços elevados. Os civis encurralados na cidade viveram ao longo dos últimos meses em condições "terríveis", sofrendo com a falta de alimentos e água, os bombardeios e intensos combates, além de serem usados como "escudos humanos" pelos extremistas.
Centenas de mulheres e crianças libertadas do EI estão inconsoláveis. Nos arredores da Cidade Antiga, onde o ressoar dos tiros das armas automáticas e explosões de morteiros continuava, quinze mulheres e cerca de cinquenta crianças esperavam em fila em uma calçada na sombra para se proteger de um sol escaldante.
Os militares acabavam de trazê-las de Maidan, último bairro onde os extremistas do EI resistiam às forças iraquianas, que acabaram de anunciar sua vitória após oito meses de combates.
Fátima explodiu em lágrimas ao contar sobre os quatro meses passados com sua família sem "quase nenhuma comida ou água" em um porão, monitorado pelo EI, rezando para não ser bombardeado.
Naquela mesma manhã, quando a rua parecia ter sido libertada pelo Exército, voltaram a ver o céu e caminharam para a liberdade. Uma bala atingiu Ahmad, o irmão de Fátima. Ele foi levado em uma ambulância.
Outra mulher soluçava, prostrada, olhando para o céu. Ao deixar a Cidade Antiga de Mossul, Liqaa deixou para trás o corpo de seu irmão Ibrahim, também atingido por um franco-atirador jihadista.
Ela começa a cantar o nome de Ibrahim e procura consolo em sua vizinha, que não pode lhe dar: Fátima, já cheia de lágrimas.
Algumas mulheres esperam o retorno de seus maridos, alguns dos quais são controlados pelos militares encarregados de rastrear os jihadistas que tentam fugir. As outras, já viúvas, não esperam por mais ninguém.
Na calçada, uma menina de cerca de 3 anos vagueava perdida. Cabelo castanho desgrenhado, túnica azul-turquesa e atadura branca no pescoço, ela apertava contra o seu coração uma pequena garrafa de água meio vazia. "Quem é essa criança?", gritava um soldado. Ao redor, as mulheres choravam demais para responder.
Patrimônio destruído
A partir de julho de 2014, o EI atacou mausoléus xiitas e santuários, que eram ricamente decorados. O grupo explodiu a mesquita onde ficava a tumba do profeta Jonas (Nabi Yunés). Em 19 de junho de 2017, destruiu a emblemática mesquita Al Nuri, onde Baghdadi tinha sido filmado, e seu minarete inclinado do século XII.
No museu de Mossul, o mais importante do Iraque depois do de Bagdá, os radicais queimaram livros e manuscritos antigos, destruíram tesouros pré-islâmicos, como os famosos touros alados assírios com rosto humano, datados de vários séculos antes do cristianismo.
Antiga rota de comércio
Mossul, uma tradicional rota comercial entre Turquia, Síria e o resto do Iraque, era muito conhecida por seus finos tecidos de algodão, as musselinas, seus monumentos e sítios arqueológicos e também pelos parques.
Atravessada pelo rio Tigre e situada a 350 km ao norte de Bagdá, Mossul é a capital da província de Nínive, rica em petróleo.
A cidade é de maioria sunita numa região predominantemente curda, e tradicionalmente tinha numerosas minorias em sua população (curdos, turcomanos, xiitas, cristãos...).
Mas a região se tornou um terreno de violência diária após a invasão americana ao Iraque, em março de 2003, que provocou a queda do regime do ditador Saddam Hussein.
Os jihadistas do EI fizeram da cidade um laboratório de sua administração. Ali, decidiram os programas escolares, horários de funcionamento de lojas, os trajes permitidos. Foi proibida a venda e o consumo de álcool e tabaco.
Guerra contra o EI
Foi de Mossul que, há quase três anos, o líder do grupo extremista Abu Bakr al-Baghdadi declarou um "califado", juntando partes do Iraque e da Síria.
Apesar da vitória importante, a retomada de Mossul não marcará o fim da guerra contra o EI, que ainda controla várias zonas no Iraque, incluindo as cidades de Tal Afar (50 km a oeste de Mossul) e Hawija (cerca de 300 km ao norte de Bagdá) e zonas desérticas da província de Al-Anbar (oeste), bem como a região de Al-Qaïm, na fronteira com a Síria.
O grupo extremista ainda controla igualmente territórios no leste e no centro da Síria, apesar de ter perdido terreno desde 2015, e seu reduto de Raqa (norte) é cercado pelas forças apoiadas pelos Estados Unidos.
Uma coalizão liderada pelos Estados Unidos fornece apoio aéreo e terrestre na campanha de oito meses para recuperar Mossul, de longe a maior cidade tomada pelo Estado Islâmico, em 2014.