Enquanto o exército sírio e seus aliados continuam avançando contra os terroristas, forças estrangeiras que apoiam grupos armados na Síria parecem perder o interesse em destituir o presidente Bashar Assad. Atualmente, a atenção de todas as partes envolvidas no conflito está focada na situação em Raqqa.
Sputnik
Não se pode excluir a possibilidade de que, após a libertação da capital do Daesh (organização terrorista proibida na Rússia), o conflito entre em uma nova fase, onde colidiriam os interesses da Turquia, Irã, EUA, Síria e de outras partes, escreveu o analista político Ilia Plekhanov para a Sputnik.
Membro de milícia curda na Síria © AFP 2017/ DELIL SOULEIMAN |
"Capital" do Daesh
Em 2011, Assad visitou Raqqa. Esta foi a primeira visita de um líder sírio à cidade desde 1947. Damasco acreditava que os habitantes de Raqqa eram leais ao governo e não eram submetidos ao radicalismo.
No entanto, em março de 2013, a Frente al-Nusra e a Ahrar al-Sham — ambos proibidos na Rússia — conseguiram tomar o controle da cidade após somente três dias de combate contra as forças governamentais.
Naquele momento, Raqqa era controlada por radicais oriundos de outras regiões, mas logo a frente al-Nusra decidiu envolver jihadistas locais e seus parentes, que tinham contatos com o Daesh no Iraque.
Em 2013, a frente al-Nusra e o Daesh foram mergulhados em desavenças e conflitos e, alguns meses depois, islamistas em Raqqa declararam sua fidelidade ao Daesh. Em 2014, o Daesh tomou toda a cidade de Raqqa que se tornou de fato a capital do "califado" deles.
EUA, Turquia e suas contradições em torno dos curdos
As Forças Democráticas da Síria (FDS), com cerca de 50.000 combatentes, foram formadas em outubro de 2015. As FDS são uma aliança multiétnica e plurirreligiosa, que une curdos, árabes, assírios, turcomenos e outros.
As FDS são constituídas maioritariamente e lideradas politicamente pelas Unidades de Proteção Popular (YPG), onde a milícia curda lidera em quantidade.
As FDS foram criadas para melhorar as posições do Pentágono na região. Anteriormente, os EUA apoiavam o YPG, o que irritava a Turquia. Ancara considera o YPG uma ferramenta nas mãos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) para aumentar a influência dos curdos no mundo árabe. A oposição síria, por sua vez, acusou o YPG de querer cooperar com Damasco. Como resultado, a criação das FDS multiétnicas foi uma solução comprometedora, diz o artigo.
O general norte-americano, John Allen, disse que a cooperação entre os EUA e os curdos resultou em uma coincidência de vários fatores. A aliança foi formada após o Cerco de Kobane e a libertação da província de Al-Hasakah, pois o Pentágono ficou impressionado com as capacidades de combate dos curdos. Ainda por cima, as tropas dos EUA precisavam de um aliado na Síria depois de algumas tentativas falhas de criar uma força militar eficiente de oposição.
Em outubro de 2016, preocupados com os avanços militares dos curdos e seus possíveis contatos com o governo de Assad, a Turquia propôs estabelecer uma nova força para libertar Raqqa, que fosse constituída por 8.000 militantes árabes pró-Turquia por até 5.000 oficiais da Turquia. Os EUA insistiram que a libertação de Raqqa seria possível, se cerca de 22.000 soldados participassem da operação, sendo assim, rejeitaram a proposta.
Na primavera de 2017, a Turquia lançou uma ofensiva contra curdos na Síria. Ao mesmo tempo, o Pentágono, ao lado das forças curdas, começou a patrulhar as fronteiras entre a Síria e a Turquia, aumentando sua presença na região. Por isso, atualmente, os EUA e a Turquia têm estado em contradição quanto ao assunto dos curdos.
Porém, o papel das FDS no conflito sírio tem aumentado ultimamente. As forças da oposição síria também estão considerando a possibilidade de se juntar ao grupo, porque, unindo-se a um aliado dos EUA, conseguiriam ser mais eficientes contra as forças pró-Damasco.
Sobreposição dos interesses
Por outro lado, consolidação das forças em torno das FDS facilitará a libertação de Raqqa e futura ofensiva a Deir ez-Zor. A oposição afirmou que não se importaria de lutar juntamente com os curdos sob o controle do Pentágono.
No entanto, os curdos têm preocupações quanto à futura situação em Raqqa, de acordo com o analista. Em primeiro lugar, os curdos receiam que Ancara possa promover o domínio dos grupos pró-Turquia na região. Além disso, os curdos não querem que Damasco retome controle de Raqqa e por isso lutarão contra as forças pró-governamentais na região. Finalmente, a libertação de Raqqa simbolizará uma contribuição dos curdos na derrota do Daesh, intensificando suas relações com os EUA e elevando seu estatuto internacional.
Quanto a Ancara, forças turcas estão realizando ataques contra os curdos perto da fronteira, tentando fazer com que as FDS retirem parte de suas forças de Raqqa. A Turquia até aceitará controle de Damasco em Afrin para reduzir a influência curda na região.
Alguns comandantes curdos disseram que a Rússia estava tentando influenciar os curdos para que aprovassem o controle de Damasco em Afrin, na região autônoma Rojava, no norte da Síria.
A Jordânia, por sua vez, está preocupada que a derrota do Daesh em Raqqa e os avanços militares contra o Daesh façam com que os islamistas se reúnam perto da fronteira entre a Síria e Jordânia, ameaçando a segurança nacional do país.
Os grupos pró-Irã xiitas estão lutando contra o Daesh no Iraque para criar um corredor direto para o Exército sírio, bem como para as forças pró-Irã na Síria. Teerã não quer que nem forças pró-Turquia nem pró-EUA aumentem sua presença na região.
Mais a questão é o que fará a população de Raqqa depois de ser libertada do Daesh. As quatro tribos mais respeitadas da cidade não têm afeto nem pelos curdos, nem pelos norte-americanos, tampouco pelos xiitas pró-Irã.