1ª turma feminina terá ex-estudantes de direito, matemática, administração.Formatura em que elas passam de candidatas a alunas ocorre neste sábado.
Patrícia Teixeira | G1 Campinas e Região
A voz rouca permite poucas palavras, mas traduz exatamente o tamanho da emoção das mulheres que conseguiram ocupar as 40 vagas da Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx). Ainda adaptando-se aos hinos, brados e canções, algumas jovens da primeira turma feminina da instituição militar lidam com a escolha por mudar de carreira.
Mulheres realizam sonho e conseguem vaga na Escola de Cadetes do Exército (Foto: Patrícia Teixeira / G1) |
O G1 conheceu as histórias de quatro delas, cada uma de um estado do país. Jovens e corajosas, deixaram a formação em direito, matemática e administração, por exemplo, em faculdades renomadas pelo Brasil, para vestirem a farda do Exército, em Campinas (SP).
Desde o dia 24 de janeiro, os aprovados nas provas e exames físicos começaram a chegar na "nova casa" e a rotina militar, aos poucos, vem se tornando familiar. Sem intimidação, as meninas ganham espaço entre os 440 candidatos selecionados. Neste sábado (18), todos eles passam de candidatos a alunos.
"A gente tem que abdicar das nossas vontades momentâneas, daquilo que a gente está sentindo na hora. Tem que estar mostrando sempre que está bem, que está vibrando. (...) A gente vê os meninos com muita facilidade pra fazer muita coisa. A gente se preocupa mais em não se destacar como sendo mais fraca, mas como conseguir se incorporar na tropa", conta Giovana Santos, de 19 anos.
Escolha difícil
Cursando o terceiro ano de direito na Universidade Federal de Santa Maria (RS), Bibiana Sartori Chagas decidiu tentar uma vaga na escola militar. As ponderações foram muitas, já que significaria deixar para trás três anos de estudos. Mas, a decisão foi tomada com maturidade, aos 20 anos.
"Eu estudava no colégio militar de Santa Maria e foi por meio dele que eu conheci o ambiente militar. (...) Em vários momentos eu tive dúvida, até porque é um curso maravilhoso. Mas a vontade de vir pra cá era muito grande. É gratificante participar da primeira turma de mulheres", diz.
Adriele do Nascimento Coura, de 18 anos, moradora de Nova Iguaçu (RJ) não se identificou com a faculdade de matemática da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A identidade que ela buscava, ela encontrou na escola de cadetes.
"Comecei o curso, mas não me identifiquei com o ambiente da faculdade, era diferente do que eu esperava, um pouco desorganizado. Quando eu soube da oportunidade de prestar prova para o Exército, achei que valia apena tentar. Tranquei a faculdade, fiz um ano de curso preparatório".
A curitibana Tatiana Regina de Oliveira, de 18 anos, mora em Brasília (DF) e passou no curso de Administração na UnB, onde ficou por seis meses. Decidiu trancar para se preparar e a notícia da aprovação na EsPCEx mudou os planos e o rumo.
"Larguei para fazer cursinho, estudei o ano passado. (...) Meu pai e meu irmão são militares", conta.
Nem USP, nem UFPR...
A rotina militar, Giovana Abrão Santos, de 19 anos, já conhecia. A jovem cursou por sete anos o Colégio Militar de Curitiba. Nos vestibulares, foi aprovada na USP e na UFPR, que ela nem cosiderou como opção ao ver o nome na lista de classificação da escola de cadetes.
"Prestei vários concursos militares, mas com o objetivo de treinar para passar na prova da EsPCEx. Fui aprovada na federal do Paraná em engenharia mecânica, relações internacionais na USP. Mas eu queria vir pra cá, porque era esse o meu sonho", conta.
Só para meninas
A mistura de alunos e alunas se dá o tempo todo nas atividades e nos pelotões. Mas, o alojamento delas tem alguns diferenciais. Com os vidros das janelas jateados e boxes individuais com portas, elas ganham dos meninos em privacidade no vestiário.
Para ter um militar homem dentro do alojamento, a entrada passa por um protocolo: tocar a campainha três vezes e esperar três minutos antes de entrar.
As "feminices" são bem-vindas, desde que cumpram as normas da escola: unhas pintadas de cores claras e brincos que não ultrapassem o lóbulo, são exemplos. O cabelo comprido precisa estar perfeitamente encaixado em um coque, sem fios soltos. A opção de cortar curtinho também é válida.
Adriele conta que levou alguns dias para conseguir atingir o padrão. "No começo foi um pouco difícil, aprender a fazer o penteado correto, arrumar a cama no padrão exigido, mas foi só um baque inicial. Em alguns dias, todas as candidatas já estavam acostumadas, adaptadas, e agora é bem mais tranquilo".
Mais desenvoltura e agilidade
Para a tenente Paola de Carvalho Andrade, uma das instrutoras da primeira turma de mulheres da linha bélica, as meninas estão tirando a adaptação de letra. Sem contar que alguns cuidados femininos deixam algumas tarefas mais fáceis, como não ter grandes dificuldades com a organização dentro dos protocolos.
"As meninas, naturalmente, já têm mais responsabilidades. Em casa elas cuidam das roupas, organizam o material delas. Isso facilita pra elas aqui".
A agilidade surpreendeu as instrutoras. "Elas entendem rápido, têm um 'feeling' mais apurado. Então, elas se organizam mais rápido. A gente dá uma ordem uma vez e elas já [cumprem]. Não que os homens não cumpram, são muito bons também. Mas, como a gente está observando as mulheres pela primeira vez e era uma preocupação,a gente vê que estão tirando de letra", completa.
Inscritos e convocados
A seleção para a EsPCEx teve 29.771 mil inscrições, entre elas 7.707 mil feitas por mulheres. Na primeira chamada das meninas, 16 das 40 convocadas se apresentaram.
Segundo a instituição, assim como os homens, elas precisam passar por exames clínicos e de aptidão física - corrida, abdominal e flexões. Quando não conseguem terminar a série, são reprovadas. Além disso, alguns convocados passam em outros vestibulares e optam pelas universidades. Até o início de março, a escola de cadetes convocará os candidatos que estejam aptos para completar todas as 440 vagas.