Al-Assad celebra "história escrita", e ONU prepara reunião de emergência; moradores relatam drama ao Correio
Rodrigo Craveiro | Correio Braziliense
O fotógrafo Ahmad Mohsin Morjan, 24 anos, resume o sentimento da maioria dos moradores do leste da segunda maior cidade da Síria. “Eu sairei com o meu corpo, mas minha alma ficará, pendente, em Aleppo”, desabafou ao Correio. Em uma operação monitorada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e pelo Crescente Vermelho Árabe Sírio, 40 ônibus e ambulâncias retiraram quase 4 mil civis e dezenas de feridos do enclave rebelde conquistado pelas forças sírias, russas e iranianas na terça-feira. Enquanto os civis embarcavam nos veículos carregando poucos pertences, o ditador sírio, Bashar Al-Assad, celebrava a vitória. “Quero assegurar que o que acontece hoje é história e todos os cidadãos sírios a estão escrevendo. A escrita não começou hoje, mas seis anos atrás, quando a crise e a guerra tiveram início”, declarou, em vídeo publicado na página oficial da presidência, no Twitter.
Ônibus posicionados em meio aos prédios devastados pela guerra aguardam o embarque de moradores e de rebeldes feridos durante os combates |
O primeiro comboio, composto por 15 veículos, saiu do bairro de Al-Amiryah e rumou para o distrito de Al-Rashedeen Al-Khamsa, no oeste de Aleppo. As 13 ambulâncias e os 20 ônibus verdes — com a bandeira da Síria e fotos de Al-Assad no parabrisa — partiram às 14h30 (10h30 em Brasília) com 951 pessoas, incluindo 200 rebeldes, e 108 feridos. Pouco antes, franco-atiradores dispararam contra um caminhão com voluntários dos Capacetes Brancos que participariam da operação, matando uma pessoa e ferindo quatro. “Eu quero partir amanhã. Hoje, esperei para ver como a situação se desenrolaria. Amanhã, se Deus quiser, vou embora”, afirmou à reportagem o professor de matemática Asaad Assi, 30 anos.
O também fotógrafo Basem Ayoubi, 24 anos, disse à reportagem que sentia “dor e pesar” por ter de abandonar Aleppo e admitiu preocupação sobre uma possível traição. “Nós podemos ser mortos a qualquer momento. Há postos de controle espalhado pela cidade.” Por sua vez, o produtor Monther Etaky afirmou acreditar que a retirada vai demorar vários dias. “Não temos a opção de permanecer na cidade. Temos de partir. Há cerca de 50 mil pessoas aguardando a saída”, comentou ao Correio. A interrupção dos bombardeios, na madrugada de ontem, não aliviou a tensão. Etaky admitiu o receio de ataques perpetrados pelos iranianos e pelos russos e contestou a declaração de vitória de Al-Assad. “Matar milhares de pessoas sitiadas, condená-las à fome e destruir hospitais é um triunfo?”
Três perguntas para Asaad Hanna, oficial político da Divisão Norte do Exército Sírio Livre (FSA), grupo de oposição a Al-Assad
Bashar Al-Assad disse que a queda de Aleppo é a vitória do regime e a derrota dos “terroristas”. Como vê isso?
Como ele pode chamar isso de uma vitória, quando toda a cidade foi destruída pela aviação e pelas milícias iranianas e libanesas, que vieram para ajudá-lo a devastar Aleppo, a queimá-la. Os combatentes estrangeiros desalojaram uma população nacional e histórica da cidade apenas para manter Bashar Al-Assad no poder.
Como o senhor analisa o processo de retirada dos civis?
É uma coisa fora do direito internacional, quando você move os moradores de uma cidade, em vez de lhes dar uma vida segura, interrompendo os ataques aéreos.
O colapso de Aleppo representa o fim da guerra na Síria e a continuação do regime?
Não há uma guerra na Síria, mas uma revolução. O regime costumava matar os civis. Então, eles passaram a portar armas para se proteger, derrubar esse regime criminoso e liberar o país. A queda de Aleppo não terminará nada. Nós continuaremos combatendo para obtê-la novamente, como temos feito há anos. Os combatentes de Aleppo estarão prontos para lutar novamente.