Instalação é um novo ponto de tensão em meio à delicada relação bilateral com vizinho
Roberto Godoy | O Estado de SP
A Rússia quer montar no litoral caribenho da Venezuela uma base aeronaval ou, ao menos, um centro de apoio técnico para navios e aviões de ataque em missão de longa distância. A iniciativa faz parte do plano do governo do presidente Vladimir Putin, de recuperação da rede de instalações militares que era mantida em 15 países pela extinta União Soviética, segundo revelou há uma semana o vice-ministro da Defesa, Nikolai Pankov, durante apresentação na Duma, a câmara baixa do legislativo.
Manobras. Bombardeiro russo Tu-160 taxia na pista de Maiquetía, na Venezuela, em 2013| Foto: ANV |
Forças russas e venezuelanas realizam exercícios conjuntos desde 2008. Alguns dos ensaios envolveram o deslocamento de grandes bombardeiros supersônicos e navios de capacidade estratégica. O fornecimento de equipamentos de defesa russos para as forças bolivarianas é estimado em cerca de US$ 10 bilhões, em contratos celebrados por 11 anos a contar de 2005.
Segundo disse ao Estado um ex-ministro da Defesa da Venezuela (hoje na oposição ao governo do presidente Nicolás Maduro), o complexo russo pode ser construído em Puerto Cabello, no litoral norte do país, um ponto avançado de rápido acesso ao Mar do Caribe. No local funciona a base Agustin Armário, a maior da Marinha local. “O sistema exigiria poucas adaptações para atender embarcações russas – o mesmo se aplica quanto às aeronaves e o aeroporto da cidade”, destacou o ex-ministro. Em Puerto Cabello opera a Refinaria de El Palito, um amplo terminal da PDVSA. Em crise, a unidade de processamento da estatal de óleo e gás estaria produzindo apenas 30% de sua capacidade estimada de 140 mil barris/dia.
Embora de longo prazo, é um segundo ponto de alerta para as autoridades brasileiras – depois da onda migratória de candidatos a refugiados na linha de 1.492 km de fronteira binacional – na delicada relação bilateral entre Brasília e Caracas. A questão é tratada com cuidado pelo governo. Em nota de uma linha, o Ministério da Defesa declarou que não comenta o assunto. O Ministério das Relações Exteriores, nem isso. Todavia, em dois dos três comandos militares, oficiais da área de estudos estratégicos ouvidos pelo Estado, admitem informalmente que a situação esteja sendo acompanhada.
O projeto da Rússia prevê bases em dez países. Na América Latina, a prioridade é a reativação da Estação de Inteligência de Lourdes, em Cuba. No mundo, a expansão do conjunto de Tartus, na Síria, para receber tropas e equipamentos de combate, é a meta de curto prazo.
No primeiro ensaio de russos e venezuelanos, em 2008, oficiais do Brasil foram convidados a participar das atividades na condição de observadores. No dia 10 de setembro pousaram na base aérea de Caracas dois bombardeiros estratégicos Tu-160 Blackjack. Os jatos, de asas de geometria variável, voam a 2.200 km/hora com alcance de 17.400 quilômetros. Levam 40 toneladas de mísseis e bombas, várias delas armadas com cargas nucleares de médio porte. O motivo do exercício foi a verificação da pequena rede de radares de vigilância da Venezuela. No mar, o protagonista era o cruzador nuclear Pedro, O Grande, de 252 metros que transporta 20 mísseis Shipwreck (10 metros, 7 mil kg) capazes de atingir alvos a 700 km – depois, substituídos por versões com raio de ação de 1.500 km.
O arsenal tem ainda cinco tipos de mísseis especializados – antiaéreos, antinavio, antissubmarino e de defesa a curta distância. Lançado em 1996, recebeu recursos digitais de última geração. Os 700 tripulantes contam com um centro integrado de combate que permite a ação conjunta de todos os recursos de bordo: dos 3 helicópteros artilhados Kamov ao canhão duplo de 130 mm, dirigido eletronicamente para objetivos situados a 22 km.