Falta de dinheiro fará submarino nuclear atrasar 4 anos, diz comandante.
Orçamento ficou 30% menor em 2015 e 200 trabalhadores serão cortados.
Tahiane Stochero | G1, em São Paulo
O corte de recursos devido à crise econômica levou a Marinha a suspender o projeto para monitorar o mar territorial do país e proteger os recursos do pré-sal, informou o comandante da Marinha, almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira.
O corte de recursos devido à crise econômica levou a Marinha a suspender o projeto para monitorar o mar territorial do país e proteger os recursos do pré-sal, informou o comandante da Marinha, almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira.
A Marinha chama de "Amazônia Azul" o mar territorial e a zona econômica exclusiva; veja no mapa a extensão da proteção do mar brasileiro (Foto: Marinha/divulgação) |
Um estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) estima que a área do pré-sal possua ao menos 176 bilhões de barris de recursos não descobertos e recuperáveis de petróleo e gás natural.
Também foi afetado pelo corte o projeto do submarino nuclear brasileiro, cuja previsão inicial de entrada em operação, avaliada para 2025, sofrerá um atraso de três a quatro anos, segundo o comandante da Marinha, almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira.
“Com orçamento 30% menor do previsto neste ano, tivemos que refazer o cronograma físico e financeiro de uma série de projetos. Todos os projetos sofreram redução de ritmo em diferentes graus”, informou Leal Ferreira a jornalistas em São Paulo. "Temos que enfrentar esta realidade e dar nossa contribuição para se adaptar [à crise econômica no país]. Não podemos desistir e nos desesperar", acrescentou.
O governo federal bloqueou em maio R$ 69,9 bilhões em gastos para 2015. Pela Lei Orçamentária, a Marinha teria disponíveis R$ 3,85 bilhões para custeio e R$ 2,1 bilhões para investimentos neste ano. Com o corte, porém, de R$ 2 bilhões, restou para investimento R$ 1,3 bilhão. Sobraram quase mais R$ 2,6 bilhões para custeio.
O projeto para controlar e vigiar a a zona econômica exclusiva brasileira do Oceano Atlântico, chamado de Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (Sisgaaz), uma área de 4,5 milhões de quilômetros quadrados, tem investimento estimado de R$ 13 bilhões e tinha previsão inicial de estar concluído em 2027.
A interrupção ocorreu no dia 29 de outubro “devido às restrições orçamentárias impostas”, quando uma carta, comunicando oficialmente a decisão, foi enviada aos três consórcios concorrentes. O documento não foi divulgado.
Segundo a Marinha, o alerta foi enviado às candidatas a contratante principal, sendo elas: Embraer Defesa & Segurança, Odebrecht Defesa e Tecnologia e Orbital Engenharia. Não há previsão de quando o programa será retomado, o que pode ocorrer “assim que as condições financeiras permitirem”.
Invasões
Semelhante ao projeto que o Exército possui para vigiar as fronteiras terrestres, o Sisgaaz tem como missão garantir maior segurança marítima e a defesa no Atlântico Sul, gerando maior eficiência dos órgãos brasileiros para a fiscalização de narcotráfico e contrabando pelo mar, operações de busca e salvamento e também impedir que embarcações de outros países invadam as águas jurisdicionais brasileiras.
Em 30 de outubro, o jornal “Folha de S. Paulo” divulgou que navios de guerra dos Estados Unidos realizaram operações marítimas na costa brasileira em 2014 sem avisarem às autoridades e sem terem sido percebidas. Segundo o comandante da Marinha, o ocorrido se deve a uma diferença de entendimento sobre como o Brasil e os Estados Unidos analisam cláusulas da convenção da ONU sobre os direitos do mar. Ele minimizou suspeitas de que outras invasões podem ter ocorrido.
“Eu considero estes meus direitos, de autorizar manobras militares, em especial com emprego de armas, em nossa zona econômica exclusiva. O americano tem uma posição diferente, ele acha que a navegação ali é livre e não inclui qualquer restrição a operações militares. É a interpretação que ele tem e ele tenta forçar a ideia de que o ponto de vista dele está coerente”, afirma Leal Ferreira sobre o tema.
“Este é um assunto para ser discutido no ponto de vista diplomático e não no âmbito militar”, diz. “São pequenos pontos divergentes que não podemos transformar em grandes contendas”.
O Sisgaaz, quando introduzido plenamente, permitirá ao Brasil identificar navios invasores em toda a sua área de controle, afirma o comandante. Com a suspensão do programa, não há previsão de quando isso irá acontecer.
Submarino a ver navios
A construção do submarino nuclear, que também servirá como fator de dissuasão para impedir a invasão de embarcações estrangeiras e impor o poder militar brasileiro no mar, também foi atingida pelo corte de recursos.
Além do atraso em até 4 anos para a sua finalização, haverá corte de 200 funcionários civis em São Paulo e Iperó entre o fim de 2015 e início de 2016. Hoje são 3 mil pessoas trabalhando no desenvolvimento - 1.200 são profissionais qualificados, como cientistas, que não podem ser desvinculados do projeto por possuírem informações estratégicas.
O projeto do submarino nuclear brasilerio teve início em 1979 e já consumiu mais de R$ 1 bilhão de recursos. "Fomos afetados pelo corte orçamentário e tivemos que reduzir o ritmo, mas não paralisou. Em 2015, o esperado era de R$ 320 mil para custeio, e recebemos R$ 250 mil. Esta redução significativa deve se manter em 2016", afirmou Leal Ferreira.
A Marinha também vem emperrando em adversidades para desenvolver a propulsão nuclear, pois os países que detêm o conhecimento – o seleto grupo com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (EUA, Rússia, China, Inglaterra e França) – não desejam repassá-los ao Brasil.
"Com certeza, vai atrasar. Há duas dificuldades. A primeira é financeira, temos que ter um fluxo de dinheiro constantemente. Porque fazemos contratos para daqui a três, quatro anos, e repactuar um contrato destes sempre fica muito difícil, os próprios fornecedores ficam desconfiados. A outra é dificuldade técnica, porque estamos desenvolvendo tudo sozinho, sozinho, sozinho. Mas nós estamos avançando", diz Leal Ferreira.
“Quando eles (outros países) tomam conhecimento que nós vamos usar aquele determinado equipamento no programa nuclear, eles proíbem a venda. Tudo nós temos que descobrir por nós mesmos. Apesar das dificuldades técnicas, nós estamos sempre avançando, até agora não teve nada intransponível. Mas com a redução dos recursos, tivemos que reduzir mais", salientou o comandante da Marinha.