Ataque aéreo matou 22 pessoas, entre pacientes e funcionários.
Fechamento de hospital terá graves consequências para a população civil.
France Presse
A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciou neste domingo (4) a retirada de todo seu pessoal de Kunduz, um dia depois que um bombardeio, supostamente americano matou 22 pessoas, entre pacientes e funcionários, no hospital que a ONG gerenciava na cidade afegã.
A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciou neste domingo (4) a retirada de todo seu pessoal de Kunduz, um dia depois que um bombardeio, supostamente americano matou 22 pessoas, entre pacientes e funcionários, no hospital que a ONG gerenciava na cidade afegã.
Hospital dos Médicos Sem Fronteiras em chamas em Kunduz, no Afeganistão (Foto: Médicos Sem Fronteiras / AP)
O fechamento deste centro terá graves consequências para a população civil, encurralada pelos combates entre o exército afegão e os rebeldes talibãs para assumir o controle da cidade.
"O hospital da MSF já não pode continuar funcionando. Os pacientes em estado crítico foram transferidos para outros estabelecimentos. Nenhum funcionário da MSF está mais no hospital", informou Kate Stegeman, porta-voz da organização no Afeganistão.
"Neste momento, não sei dizer se o centro de traumatologia de Kunduz voltará a abrir", enfatizou.
O MSF pediu neste domingo que um órgão internacional independente investigue o ataque aéreo. Uma autoridade disse que o grupo não pode confiar em uma investigação do exército norte-americano.
"Sobre a clara presunção de que um crime de guerra foi cometido, o MSF demanda que uma completa e transparente investigação sobre o evento seja conduzida por um órgão internacional independente", disse o diretor geral do MSF Christopher Stokes em comunicado.
"Depender apenas de uma investigação interna por uma parte do conflito seria totalmente insuficiente", acrescentou ele no comunicado.
O MSF, que não especificou qual órgão internacional seria aceitável.
Obama lamenta
Na véspera, o presidente Barack Obama prometeu uma investigação exaustiva sobre o bombardeio contra o da MSF.
Obama apresentou suas "profundas condolências" depois do ataque no sábado, em que morreram empregados da MSF e pacientes, incluindo três crianças, mas afirmou que vai esperar pelos resultados da investigação antes de emitir um juízo definitivo sobre as circunstâncias da tragédia.
O Exército dos EUA disse que realizou um ataque aéreo perto do hospital, em uma tentativa de subjugar os insurgentes do Talibã que estavam atirando diretamente contra as forças dos EUA.
Em Cabul, o Ministério da Defesa disse que os combatentes do Talibã atacaram o hospital e eles estavam usando o edifício como "escudo humano".
Mas o Médicos Sem Fronteira nega essa versão.
"Os portões do complexo hospitalar são fechados toda noite, então nenhum dos presentes era estranho na equipe do hospital...", afirmou a organização.
"Em todo caso, bombardear um hospital em plena operação nunca pode ser uma medida justificada", acrescentou.
Estado de choque
O ataque deixou o prédio em chamas e dezenas de pessoas gravemente feridas. Fotografias publicadas pela MSF mostram funcionários da ONG em estado de choque.
Segundo a MSF, o bombardeio prosseguiu por mais de 30 minutos depois que a ONG avisou aos exércitos americano e afegão que estava sendo atingida por projéteis.
No momento do bombardeio, 105 pacientes e pessoal sanitário e mais de 80 funcionários internacionais e locais se encontravam no hospital.
O alto comissário para os Direitos Humanos das Nações Unidas, Zeid Ra'ad Al Hussein, pediu uma investigação completa e transparente dos fatos, e assinalou que, diante de uma corte de Justiça, "o bombardeio a um hospital pode ser considerado crime de guerra".
"Este fato é totalmente trágico, indesculpável e, inclusive, criminoso", acrescentou Zeid em um comunicado.
O secretário de Defesa americano, Ashton Carter, afirmou que foi aberta uma "investigação exaustiva" do bombardeio, mas não informou se o ataque foi realizado pelas forças americanas.
Carter assinalou que "as forças americanas, em apoio às forças de segurança afegãs, operam perto do local, assim como os talibãs".
O Ministério da Defesa afegão lamentou o ataque, mas informou que "um grupo de terroristas armados vinha usando o prédio do hospital como posição para atingir forças afegãs e civis".
"As forças americanas realizavam um ataque aéreo em Kunduz contra pessoas pessoas que ameaçavam as forças da coalizão, o que pode ter provocado danos colaterais em um centro médico nas proximidades do alvo", declarou à AFP o coronel Brian Tribus, porta-voz da missão da Otan no Afeganistão.
O centro de traumatologia da MSF em Kunduz é a única instalação médica na região que pode tratar lesões graves.
Kunduz está mergulhada numa crise humanitária, com milhares de civis encurralados pelo fogo cruzados das duas forças, as tropas do governo e os rebeldes talibãs.
No momento, não se conhece com exatidão o número de vítimas dos combates travados naquela localidade, mas autoridades disseram ontem que ao menos 60 pessoas morreram e 400 ficaram feridas.
Em um comunicado, os talibãs acusaram "as forças americanas bárbaras" de terem realizado o ataque contra o hospital "de forma deliberada, matando e ferindo dezenas de médicos, enfermeiras e pacientes".
Desde que foram expulsos do poder, em 2001, por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos, os talibãs concentram seus ataques em seus redutos do sul.
Mas no últimos meses, reforçaram suas posições na zona de Kunduz, uma cidade estratégica na rota para o Tadjiquistão.
O Exército assegurou ter recuperado o controle de Kunduz, o que está longe de significar uma vitória a longo prazo de Cabul contra os talibãs.
Durante três dias de ocupação, muitos moradores fugiram, e a possibilidade de retorno ao regime fundamentalista dos talibãs (1996-2001) assustou especialmente as mulheres.
A breve tomada de Kunduz, de 300 mil habitantes, constituiu o primeiro grande êxito do novo líder dos talibãs, o mulá Akhtar Mansur, nomeado após o anúncio, em julho, da morte de seu antecessor, o mulá Omar. A designação provocou divisões internas no grupo.