Em entrevista à agência RIA Novosti, Mikhail Bogdanov, representante especial do presidente Putin para o Oriente Médio e África e vice-ministro das Relações Exteriores, comentou o plano proposto pela Rússia de união dos esforços antiterroristas no Oriente Médio.
Sputnik
Na opinião de Mikhail Bogdanov, esta iniciativa permitirá evitar o desaparecimento da Síria como país soberano. A luta contra o Estado Islâmico, uma organização terrorista proibida na Rússia e em outros países, deve ser uma prioridade para todos os países, especialmente para os países da região, não obstante as contradições que possam existir entre eles.
© AFP 2015/ OMAR HAJ KADOUR |
Recorde-se que o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, disse recentemente que “o ajustar de contas deve ser deixado para depois” e que agora todos se devem concentrar no problema que é mais importante – o Estado Islâmico.
O representante russo não comentou a possível visita à Rússia de Khaled Mashal, dirigente político do movimento palestino Hamas, recordando que o ministro Lavrov se encontrou com ele a 3 de agosto em Doha e sublinhando que Moscovo considera “extremamente necessário” garantir a união dos movimentos palestinos na plataforma política da ONU.
Leia em seguida excertos da entrevista com Mikhail Bogdanov.
Pergunta: De que forma, em sua opinião, se pode “juntar à mesma mesa” a Arábia Saudita, o Irã, a Turquia, a Síria e o Iraque?
Resposta: Naturalmente, nós entendemos que não é uma tarefa fácil. Estamos realizando contatos intensos com todas as partes indicadas, com outros nossos parceiros na região e a nível internacional, nomeadamente com os americanos. Partimos do princípio de que, não obstante as conhecidas divergências e contradições entre alguns dos referidos atores regionais, existem contatos estabelecidos entre eles, realizam-se visitas, ocorrem viagens de responsáveis políticos, de representantes dos serviços secretos. Por isso, de qualquer forma, já existem formatos para a interação.
Claro que isso é insuficiente, tentamos apoiar e reforçar a compreensão mútua, especialmente porque, em nossa opinião, a base para tal é perfeitamente clara: existe um inimigo comum muito perigoso. Consequentemente, os esforços na luta contra ele também deverão ser consolidados.
P.: Nas conversações com o ministro iraniano das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zafir, foram discutidas as entregas de mísseis S-300 a Teerã?
R.: Nós partimos do princípio que este tema está fechado. Para nós e para os parceiros iranianos tudo está completamente claro a este respeito. A questão está resolvida no plano fundamental. O resto são questões técnicas.
P.: Na semana passada, em Moscou, houve uma série de contatos com representantes da oposição síria. Existe um entendimento para realizar novas consultas entre as partes sírias, um "Moscou-3”?
R.: Podemos dizer que nestes dias decorre um Moscou 2.5, tendo em vista que na capital russa decorreram contatos muito interessantes com diversos representantes dos círculos oposicionistas sírios, quer da oposição interna, quer exterior. São igualmente realizados contatos próximos com as autoridades oficiais de Damasco, nos encontramos regularmente com o embaixador sírio em Moscou.
Como resultado do processo Moscou 2, vários representantes da oposição criaram um comité para supervisionar a implementação das decisões da reunião de Moscou. Foi assinado um apelo ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, sobre certos aspetos da regularização síria. Estamos prontos a realizar, conforme foi sugerido, uma reunião do Comité de Supervisão, em Moscou. Eu acho que essa reunião poderia ocorrer nos próximos dias como elemento importante da continuação do "Processo de Moscou".
Mas, além das reuniões em Moscou, há ainda o diálogo entre os representantes da oposição síria em outras capitais. Agora surgiu a ideia de juntar esses processos de diálogo para encontrar um lugar e uma data para as reuniões, para que os participantes possam reunir-se, na base das discussões desenvolvidas em Moscou, Cairo. Trata-se de tentar consolidar todas as forças da oposição influentes em uma plataforma construtiva, que reflita de forma plena a opinião dos amplos círculos da oposição e, ao mesmo tempo, corresponda ao objetivo principal: o cumprimento do comunicado de Genebra de 30 de junho de 2012.
Isto significa que tal plataforma deve formar uma abordagem geral da oposição nas futuras negociações com o governo da Síria, ou seja, uma Genebra 3. Deve ser entendido que a Genebra 3 não é um evento único mas sim um processo de negociação que requer vontade política, paciência e tempo.
P.: Então, esse grupo de contato internacional vai trabalhar para a unificação da oposição síria?
R.: Não, o Grupo de Contato deverá contribuir para a realização de conversações entre as partes sírias, entre uma delegação da oposição unida, se ela for formada, e a delegação do governo sírio. Além disso, neste contexto, é importante não esquecer a proposta russa para a criação de uma ampla frente antiterrorista. Se nada for feito para consolidar o esforço antiterrorismo, a Síria como um Estado soberano pode desaparecer sob os golpes do Estado Islâmico.
Além disso, a fim de tornar o processo de regularização da Síria mais dinâmico, nós apoiamos a proposta do enviado especial do secretário-geral da ONU para a Síria, Staffan de Mistura. Aliás, esta é também uma velha ideia nossa — estruturar as conversações entre as partes sírias de maneira a que haja um sistema claro de negociação, quer na forma, quer no conteúdo.
É importante que as abordagens de Staffan de Mistura tenham tido o apoio consolidado do Conselho de Segurança da ONU, neste caso as declarações relevantes do presidente do Conselho em 17 de agosto de 2015. Trata-se da criação de grupos de trabalho entre as partes sírias em quatro áreas-chave: política, humanitária e questões de segurança (aqui, por nossa insistência, é frisada claramente a luta contra o terrorismo), bem como a conservação das instituições públicas da Síria, para que no país não haja o caos e não aconteça uma completa desintegração das instituições da administração pública. Agora é importante criar, sem demora, os mencionados grupos de trabalho.
P.: Então, está sendo trabalhada a ideia de um grupo de contato para a Síria e quatro grupos de trabalho?
R.: Sim. Estamos agora discutindo essa perspectiva com todos os potenciais participantes dessa estrutura, tendo em conta que tal está relacionado com a entrada em vigor do acordo alcançado em Viena sobre o programa nuclear iraniano. No que diz respeito a este acordo, como você sabe, estão decorrendo discussões no Parlamento iraniano e no Congresso dos EUA. Portanto, alguns dos nossos parceiros manifestaram a opinião de que o lançamento do grupo de contato poderia ocorrer, por exemplo, em outubro deste ano.
Em relação aos grupos de trabalho, eles podem se reunir, creio, bastante em breve e começar a trabalhar em questões específicas nas áreas que referi. Depois disso, como eu disse, os resultados de seu trabalho podem ser trazidos para as principais negociações entre as delegações do governo sírio e da oposição.
P.: O resultado deste trabalho será a realização da conferência Genebra 3?
R.: Mais precisamente, não o resultado, mas um novo começo no processo de regularização sírio, com base no Comunicado de Genebra de 30 de junho de 2012.
P.: Qual é a situação no Iêmen? Está planejado continuar a evacuação de cidadãos russos deste país?
R.: Claro, observamos com grande preocupação a evolução da situação no Iêmen.
Nós partimos do princípio de que, na base da solução da crise iemenita, deve haver um diálogo nacional inclusivo, envolvendo todas as forças políticas iemenitas. Você sabe que, devido às circunstâncias históricas, as relações tribais são fortes no Iêmen, de modo que diálogo deve incluir representantes de diferentes regiões. Devo dizer que nós, em conjunto com a União Europeia nos últimos anos temos acompanhado o diálogo nacional iemenita e, nesse sentido, foram alcançado bons resultados. É uma pena que eles sejam frustrados pelo conflito armado em curso, que tem prejudicado gravemente a sua implementação.
O enviado especial do secretário-geral das Nações Unidas para o Iêmen, Ismail Ahmed, trabalha ativamente. Apoiamos seus esforços, incluindo a reunião que organizou em Genebra entre as partes iemenitas, em junho deste ano. Esperamos que estes contatos continuem.
Claro, nós apelamos repetidamente a um cessar-fogo no Iêmen, para que fossem declaradas pausas humanitárias. Esperava-se que estas pausas humanitárias temporárias adquirissem um carácter permanente.
Como você sabe, tivemos que fechar o Consulado-Geral em Aden, porque havia combates ferozes. A evacuação dos funcionários foi bem sucedida. Durante o conflito, ajudamos a evacuar muitos dos nossos concidadãos que tinham residência permanente neste país, bem como cidadãos de diversos países estrangeiros. Estamos prontos para continuar as medidas de evacuação, se tal for necessário.
P.: Em relação às negociações entre palestinos e israelenses, há qualquer perspectiva de retomada?
R.: Temos sempre defendido a promoção de negociações entre palestinos e israelenses em uma base jurídica internacional bem conhecida. Como você sabe, o Conselho de Segurança da ONU aprovou as respectivas resoluções, um "plano de ações", as decisões do quarteto de mediadores internacionais, a Iniciativa de Paz Árabe. Tudo isso proporciona uma base jurídica internacional sólida para negociações significativas. Mas, infelizmente, o processo está agora em um impasse que nos causa grande preocupação.