As notícias para a Força de Fuzileiros da Esquadra não são boas. O navio de desembarque-doca (NDD) Ceará, que sofreu um grave problema técnico no mês passado, quando rumava para o Haiti, e se encontra atualmente em reparos na base naval de Val-de-Cães, no Pará, permanecerá inativo até, pelo menos, o fim do mês de outubro.
Roberto Lopes | Revista Forças de Defesa
Isso desde que seja possível à Força Naval continuar garantindo os recursos necessários aos reparos na embarcação, conforme vem acontecendo até agora.
Mas o pior é a postura adotada pelos quatro estrelas da Marinha em relação a uma providência capaz de assegurar aos fuzileiros um meio de transporte moderno – apto a, efetivamente, contribuir para seu adestramento na faina de desembarque no mar. Os almirantes-de-esquadra decidiram que só vão aprovar a compra de um navio-doca novo para a Marinha mediante licitação internacional, que irá exigir a construção de dois NDD no Brasil.
Não está descartada a possibilidade de a concorrência ser aberta já este ano, porque – os chefes navais (felizmente) sabem – a Marinha está numa corrida contra o tempo.
O Almirantado supõe que o Ceará aguente na ativa até o ano de 2019; assim, o ideal é que a licitação a ser aberta possa produzir uma primeira entrega de navio-doca dentro do ano de 2019.
Mas o prazo é apertadíssimo.
Tramitação
Para que esse plano dê certo será preciso que o processo licitatório seja inaugurado imediatamente, e toda a sua tramitação – (1) emissão de requisitos aos fornecedores estrangeiros, (2) recebimento das propostas, (3) análise das ofertas e inspeções nos barcos propostos, (4) anúncio do resultado, (5) discussão e elaboração do contrato e (6) assinatura formal da encomenda – aconteça no prazo máximo de 12 meses.
Isso, claro, se houver um estaleiro nacional habilitado e disponível para construir um navio de desembarque-doca na faixa de 8.000 a 12.000 toneladas. Falo de uma indústria capacitada a realizar todas as integrações de sistemas e equipamentos necessárias a uma embarcação que transporta uma doca em seu ventre, e ainda executar todos os testes exigíveis de uma unidade naval desse porte.
Dentro da própria Marinha há oficiais-generais que não acreditem ser isso possível: construir um moderno NDD no país até dezembro de 2019.
Há muitos problemas a serem vencidos fora dos gabinetes navais para que o plano tenha alguma chance de avançar, e o mais importante deles é, obviamente, obter a autorização da área econômica do governo para que tal operação se materialize.
LPD Makassas |
Por algum motivo que julgam supérfluo divulgar, os oficiais integrantes do Almirantado decidiram desprezar a compra direta de uma classe moderna e barata de NDD, como a sul-coreana Makassar, orçada, segundo a Marinha peruana, em 50 milhões de dólares (sem os investimentos na capacitação do estaleiro SIMA-Peru, que precisou ser preparado para fabricar dois navios desse tipo).
Na verdade esses números oscilam muito, e isso acontece por causa da influência de variáveis que têm a ver com o comportamento de fornecedores e os custos dos estaleiros. Tome-se o caso da Marinha da Tailândia.
LPD Classe Endurance |
Em novembro de 2008 o estaleiro ST Marine, de Singapura, concluiu uma arrastada negociação com a força naval tailandesa, que se interessara por um NDD da classe Endurance, avaliado em 142 milhões de dólares. O navio foi construído em Singapura e entregue em apenas 40 meses, mas acabou saindo por 200 milhões de dólares.
Oportunidade
E as “compras de oportunidade” que poderiam suprir a Marinha com um NDD até o fim de 2016, ou o início de 2017, reduzindo o peso da responsabilidade que hoje recai sobre o casco cansado do valente Ceará?
Bom, como já é praxe, o Almirantado diz que “está atento” a elas. Naturalmente, desde que elas existam dentro das (fracas) possibilidades econômicas da Marinha do Brasil.
O mais interessante é que os quatro estrelas não admitem fazer a “compra de oportunidade” de um navio novo – que tenha sido encomendado por alguma marinha e agora já não interesse mais.
Pois é bom lembrar: foi precisamente desse jeito – se aproveitando de navios novos que haviam ficado repentinamente disponíveis na Inglaterra – que a Esquadra conseguiu receber três navios-patrulha oceânicos de boa qualidade (apesar de fracamente artilhados). Hoje são eles que, juntamente com a corveta Barroso, a fragata Rademaker e duas ou três Niterói carregam o piano da Esquadra.
San Giusto
Os quatro estrelas decidiram que “compra de oportunidade” só de navio usado mesmo, um bom, velho e autêntico segunda mão.
O problema é que as embarcações que atendem a esses requisitos são poucas. Entre elas está o conhecido navio francês Siroco, de custo avaliado em 120 milhões de Euros (cerca de 134,8 milhões de dólares) – considerado alto para o atual regime de fome que vive a Marinha –, e os três porta-helicópteros italianos de assalto anfíbio classe San Giusto – tidos como de capacidade limitada para os requerimentos da Força Naval brasileira.
Classe San Giusto |
Mas eu repito: tão importante quanto a falta de opções é o fato de os quatro estrelas considerarem que o grande “apelo” dos programas da Marinha reside no fato de que eles serão desenvolvidos por empresas brasileiras, em território nacional, gerando empregos e capacitação no Brasil. Eu aplaudo isso. E torço para que dê certo.
De preferência, antes que o corajoso mas exausto Ceará pare outra vez.