Companheiros do oposicionista assassinado Boris Nemtsov publicaram um relatório sobre o suposto envolvimento de tropas russas no conflito da Ucrânia. Especialistas acreditam que o relatório irá passar despercebido na Rússia.
Ekaterina Sinelschikova | Gazeta Russa
Os companheiros do político da oposição e ex-vice-primeiro-ministro Boris Nemtsov, assassinado em fevereiro passado, publicaram nessa terça-feira (2) o relatório "Pútin. A Guerra". A coleta das informações para o relatório, segundo a opinião dos amigos de Nemtsov, poderia ter levado ao assassinato.
“Esse não é um relatório de descobertas sensacionalistas”, advertiu desde o início o presidente do partido da oposição RPR-Parnas, Mikhail Kassianov. “Mas vai ajudar as pessoas a entender o que está acontecendo.”
O texto, que compila informações já publicadas em fontes públicas, relata como unidades regulares do Exército russo deram apoio às milícias no sudeste da Ucrânia. Entre as iniciativas, as unidades teriam proposto aos soldados que se demitissem para se tornarem “voluntários”, e o seu envio para o Donbass teria ficado a cargo de organizações públicas leais ao Kremlin.
De acordo com o relatório, essas organizações foram financiadas por ex-militares e membros das forças de segurança tchetchenas. O salário médio recebido pelos supostos voluntários seria, segundo os autores, de 60 mil rublos (US$ 1.200) por mês – quase o dobro do salário médio na Rússia, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento Econômico.
Pelos cálculos do coautor do relatório, ex-vice-presidente do Banco Central da Rússia e diretor de estudos macroeconômicos da Escola Superior de Economia, Serguêi Aleksachenko, foram gastos com os voluntários 46 bilhões de rublos (US$ 9,200 milhões) em 10 meses de conflito.
Em entrevista à Gazeta Russa, o membro do conselho político do RPR-Parnas Iliá Iáchin garantiu que muita informação não confirmada “teve que ser cortada”. “Mas tudo o que nós publicamos corresponde à verdade e foi verificado a partir das mais diversas fontes”, acrescentou Iáchin.
Ação planejada?
Segundo os autores do relatório, o retorno da Crimeia à Rússia teria sido cuidadosamente preparado pelas autoridades da Rússia ainda no verão de 2013, quando o índice de aprovação do presidente Vladímir Pútin começou a cair.
O documento recém-publicado afirma que teria sido decidido atacar, em primeiro lugar, a economia ucraniana: disputas regulares por gás, introdução e abolição de embargos alimentares, e empréstimos de bancos russos a empresas da Crimeia em condições extremamente favoráveis, entre outras coisas.
“A revolução em Kiev e a fuga do presidente Víktor Ianukóvitch (...) criaram as condições ideais para uma ação decisiva por parte do Kremlin para a separação da Crimeia”, concluíram os políticos da oposição.
“No entanto, Pútin nunca planejou anexar Donbass à Rússia”, disse Iáchin. “Donbass se tornou uma alavanca de pressão sobre Kiev e sobre os países ocidentais”, continuou o oposicionista, acrescentando que, em condições de cessar-fogo, Pútin pode vir a conseguir o reconhecimento da Crimeia como território russo, além do levantamento das sanções.
Tarde demais
Por enquanto, o relatório foi editado com uma tiragem de 2.000 exemplares e publicado apenas na internet. Porém, os autores já começaram a arrecadar fundos para posteriores publicações e esperam chegar a um grande número de leitores no país.
“Mas o relatório passará quase despercebido no contexto russo”, disse àGazeta Russa o diretor do Grupo de Especialistas em Política, Konstantin Kalatchev. Segundo ele, o documento foi publicado “tarde demais”, e os russos estão cansados do excesso de material em torno da crise ucraniana e da atenção que o relatório vem tendo fora do país.
“Seria ingênuo esperar que as pessoas leiam o relatório e mudem radicalmente de posição”, concorda o professor do departamento de Ciências Políticas da Escola Superior de Economia, Leonid Poliakov. Em sua opinião, o relatório de membros da oposição surge como algo muito pouco convincente. “A nossa posição é conhecida e não vai mudar. Não tem militares russos na Ucrânia. Não dá para responder sempre o mesmo cada vez que fazem tais alegações.”