Às vésperas do 70º aniversário da vitória soviética na Segunda Guerra Mundial, surgem novos apelos na Rússia para combater a distorção de fatos históricos. Segundo historiadores, atual discussão se deve ao elevado grau de politização de questões históricas em meio à crise ucraniana.
Aleksêi Timofeitchev | Gazeta Russa
Nos meses que antecedem a comemoração da vitória soviética sobre a Alemanha nazista, várias declarações polêmicas foram feitas em relação ao papel da União Soviética. O ministro das Relações Exteriores da Polônia, Grzegorz Shetiny, disse, por exemplo, que o campo de concentração de Auschwitz fora libertado pelos ucranianos, e o primeiro-ministro ucraniano Arsêni Iatseniuk falou sobre a “invasão da Alemanha e Ucrânia pela URSS” durante a guerra.
Em reunião recente do comitê de organização para o Dia da Vitória, celebrado em 9 de maio, o presidente russo Vladímir Pútin rebateu as declarações das autoridades estrangeiras e criticou as “tentativas de reinterpretar e distorcer os acontecimentos da guerra”. Segundo ele, o cinismo apresentado em tais comentários tem a intenção de “minar a autoridade moral da Rússia e privá-la do seu estatuto de país vitorioso” em uma espécie de jogo geopolítico.
Segundo Dmítri Andreev, historiador e cientista político da Universidade Estatal de Moscou, “os adversários ideológicos [de Moscou] vêm intensificando esforços para reconsiderar alguns fatos bem conhecidos da Segunda Guerra e, assim, reconsiderar o desfecho do conflito”.
A mesma opinião é compartilhada também pelo historiador Aleksandr Diukov, presidente da fundação “Memória Histórica”. Ao citar o exemplo do premiê da Ucrânia, Diukov fala sobre um empenho em “reescrever a história” e glorificar os crimes dos nacionalistas ucranianos cometidos durante a guerra. “Isso provocou uma divisão na sociedade e se tornou uma das causas deste trágico conflito civil”, acredita Diukov.
Mas nem todos os historiadores russos concordam com o posicionamento do líder russo. Nikita Petrov, da ONG de direitos humanos “Memorial”, acredita que o problema não condiz com a teoria formulada por Pútin. “Na realidade, ninguém está distorcendo a história da guerra”, diz.
Segundo o historiador, as palavras de Shetiny e Iatseniuk podem ser avistas como “lapsos”, e “declarações emocionais”. Neste caso, não deveriam ser levadas a sério, uma vez que não refletem a posição oficial dos Estados que eles representam.
Passado a limpo
Os historiadores que não concordam com as opiniões de Pútin e Diukov acusam as autoridades russas de chamarem as narrativas históricas dos países vizinhos que retratam o período soviético de “distorção da história”.
Segundo eles, “isso é perfeitamente compreensível”, devido ao papel que a União Soviética desempenhou na vida de muitos países da Europa Oriental durante a época do comunismo.
No entanto, Diukov garante que a Rússia não empreende esforços para impedir ou descredibilizar a publicação de dados sobre períodos controversos do passado.
“Eu não vejo nenhum silenciamento sistêmico das páginas trágicas da história soviética. Pelo menos nunca me deparei com o fato de, na Rússia moderna, algum político negar as repressões de Stálin ou a tragédia da fome da década de 1930”, afirma o historiador.