O vento Mistral que no período de primavera sopra na Provença, no vale do rio Ródano, se forma através de um encontro entre o anticiclone atlântico e o ciclone do mar do Norte. A colisão de grandes massas de ar costuma originar rajadas de vento tão fortes que pode arrancar as árvores. O porta-helicópteros francês, do mesmo nome, não cede em nada ao seu xará, tendo causado um conflito de interesses de grande envergadura.
Fiodor Lukianov, redator-chefe da revista Russia in Global Affairs | Voz da Rússia
A entrega do primeiro navio da série à Rússia foi cancelada devido à situação instável no leste da Ucrânia. Deste modo, a maior experiência visando o estabelecimento de relações militares e estratégicas entre a Rússia e a França, membro da OTAN, sofreu um fiasco.
Foto: RIA Novosti/Grigoriy Sisoev
A decisão de encomendar o Mistral tem suscitado uma vasta gama de opiniões, antes e depois da assinatura do respetivo contrato. Resumindo as polémicas travadas, a maioria dos comentadores estava na dúvida, sem compreender bem por que motivo este negócio teria sido iniciado. Hoje se tornou claro que a ideia tinha um caráter puramente político, embora estivesse ligada, indiretamente, a algumas objetivos de perfil militar. O que é óbvio é que o projeto entrou nessa derradeira fase num ambiente completamente diferente.
Sob o pano de fundo da desconfiança mútua entre a Rússia e o Ocidente, não foi para a frente a ideia outrora surgida de aproveitar os processos de globalização, ou seja, de tentar cimentar as relações por um interesse comercial, que teria criado uma interdependência positiva. E não na tradicional área energética ou no setor de maquinaria, mas no “domínio sacramental”, isto é, na esfera técnico-militar. Na pessoa da França, a Rússia encontrou então um parceiro conveniente e com o qual acabou por firmar um contrato de compra e venda. Todavia, ao cabo de três anos, tudo mudou.
Devido ao conflito entre a Rússia e Ocidente por causa da Ucrânia, o Mistral virou uma forte dor de cabeça para Paris. As requintadas manobras do Palácio do Eliseu com vista a provar que a entrega dos porta-helicópteros modernos ( entretanto batizados de Vladivostok e Sevastopol) não iria contrariar a firme linha da França condenando a “agressão” russa contra o país vizinho, se transformaram numa espécie de espetáculo cómico.
Todo o mundo está observando como Paris anda hesitando entre o “lucro” e os “princípios”, ficando sujeita ao ostracismo dos aliados da OTAN do leste europeu e a uma patente pressão de Washington.
E tudo isso sob o acompanhamento e os gestos de aprovação dos concorrentes: a renúncia da França ao contrato parcialmente pago terá um impacto negativo na sua reputação internacional na área militar.
A Rússia não irá ajudar a França a “sair com honra” desta situação confusa. No mundo que se formou após a reintegração da Crimeia, Moscou não tenciona contar com a OTAN nas questões que dizem respeito à sua segurança.
Hoje, está em jogo um princípio quase inabalável, surgido há 50 anos na época da Guerra Fria, segundo o qual o comércio e os negócios deviam servir de amortizador das contradições políticas. Parece que agora em vez do “amortizador” estas duas coisas se usam como “armas”.
As atividades desenvolvidas por Nicolas Sarkozy e François Hollande na vertente russa antes da crise ucraniana tinham por objetivo intensificar as relações econômicas para suplantar a Alemanha. Paris sempre encarou com inveja os sucessos de Berlim que, desde os anos 60 do século passado, tinha alicerçado as relações com Moscou num profundo interesse de seus exportadores pelo mercado oriental. Agora tudo está mudando.
O cancelamento do Diálogo de São Petersburgo e as tentativas de transformar esse fórum num palco de críticas viradas contra a Rússia constituem um sinal de recusa desse modelo.
A colisão ucraniana veio demonstrar que os círculos de negócios da Alemanha, descontentes com as sanções antirussas, se veem forçados a ceder a uma forte pressão política exercida por Angela Merkel. Ela está se guiando por princípios diferentes, que reservam à Alemanha um papel de líder europeu e não de um mero “distribuidor de recursos financeiros”.
Teoricamente, Paris poderia preencher o nicho que se abre, mas não poderá se opor à opinião geral do Ocidente. A Rússia se reorienta para as relações de parceria com a China e outros países asiáticos, perdendo o interesse pelo mercado europeu. Moscou já cancelou o projeto de construção do gasoduto South Stream. Antes, isto era uma questão de princípios, mas se, no Velho Continente, o fornecimento de recursos energéticos russos é encarado como um “instrumento de pressão” e, no Oriente, o mercado se vai abrindo cada vez mais, os governos de Sofia, Budapeste e Viena parecem começar a perder o interesse por intrigas e artimanhas.
Ora, se fica com a impressão de que a sucessão de ciclones e anticiclones está provocando mudanças fundamentais do clima.
Sob o pano de fundo da desconfiança mútua entre a Rússia e o Ocidente, não foi para a frente a ideia outrora surgida de aproveitar os processos de globalização, ou seja, de tentar cimentar as relações por um interesse comercial, que teria criado uma interdependência positiva. E não na tradicional área energética ou no setor de maquinaria, mas no “domínio sacramental”, isto é, na esfera técnico-militar. Na pessoa da França, a Rússia encontrou então um parceiro conveniente e com o qual acabou por firmar um contrato de compra e venda. Todavia, ao cabo de três anos, tudo mudou.
Devido ao conflito entre a Rússia e Ocidente por causa da Ucrânia, o Mistral virou uma forte dor de cabeça para Paris. As requintadas manobras do Palácio do Eliseu com vista a provar que a entrega dos porta-helicópteros modernos ( entretanto batizados de Vladivostok e Sevastopol) não iria contrariar a firme linha da França condenando a “agressão” russa contra o país vizinho, se transformaram numa espécie de espetáculo cómico.
Todo o mundo está observando como Paris anda hesitando entre o “lucro” e os “princípios”, ficando sujeita ao ostracismo dos aliados da OTAN do leste europeu e a uma patente pressão de Washington.
E tudo isso sob o acompanhamento e os gestos de aprovação dos concorrentes: a renúncia da França ao contrato parcialmente pago terá um impacto negativo na sua reputação internacional na área militar.
A Rússia não irá ajudar a França a “sair com honra” desta situação confusa. No mundo que se formou após a reintegração da Crimeia, Moscou não tenciona contar com a OTAN nas questões que dizem respeito à sua segurança.
Hoje, está em jogo um princípio quase inabalável, surgido há 50 anos na época da Guerra Fria, segundo o qual o comércio e os negócios deviam servir de amortizador das contradições políticas. Parece que agora em vez do “amortizador” estas duas coisas se usam como “armas”.
As atividades desenvolvidas por Nicolas Sarkozy e François Hollande na vertente russa antes da crise ucraniana tinham por objetivo intensificar as relações econômicas para suplantar a Alemanha. Paris sempre encarou com inveja os sucessos de Berlim que, desde os anos 60 do século passado, tinha alicerçado as relações com Moscou num profundo interesse de seus exportadores pelo mercado oriental. Agora tudo está mudando.
O cancelamento do Diálogo de São Petersburgo e as tentativas de transformar esse fórum num palco de críticas viradas contra a Rússia constituem um sinal de recusa desse modelo.
A colisão ucraniana veio demonstrar que os círculos de negócios da Alemanha, descontentes com as sanções antirussas, se veem forçados a ceder a uma forte pressão política exercida por Angela Merkel. Ela está se guiando por princípios diferentes, que reservam à Alemanha um papel de líder europeu e não de um mero “distribuidor de recursos financeiros”.
Teoricamente, Paris poderia preencher o nicho que se abre, mas não poderá se opor à opinião geral do Ocidente. A Rússia se reorienta para as relações de parceria com a China e outros países asiáticos, perdendo o interesse pelo mercado europeu. Moscou já cancelou o projeto de construção do gasoduto South Stream. Antes, isto era uma questão de princípios, mas se, no Velho Continente, o fornecimento de recursos energéticos russos é encarado como um “instrumento de pressão” e, no Oriente, o mercado se vai abrindo cada vez mais, os governos de Sofia, Budapeste e Viena parecem começar a perder o interesse por intrigas e artimanhas.
Ora, se fica com a impressão de que a sucessão de ciclones e anticiclones está provocando mudanças fundamentais do clima.